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Sérgio Duarte

Falta de acordo em Tratado de Não Proliferação torna risco nuclear mais próximo

Guerra da Ucrânia faz crescer ceticismo internacional com resistência dos países a adotarem medidas de desarmamento

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Sergio Duarte

Embaixador, foi alto representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. É presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais

O uso das duas bombas atômicas que arrasaram Hiroshima e Nagasaki em 1945, matando instantaneamente mais de 120 mil pessoas, revelou à humanidade o perigo decorrente da existência desse tipo de armamento.

Na primeira Assembleia-Geral das Nações Unidas, em janeiro de 1946, a comunidade internacional procurou um acordo para a eliminação dessas armas, mas a rivalidade e desconfiança entre as duas principais potências impediu qualquer progresso.

A usina nuclear de Zaporíjia, na Ucrânia, em imagem de satélite - Divulgação Maxar Technologies - 29.ago.22/Reuters

Durante a Guerra Fria o total de armas nucleares em todo o mundo aumentou vertiginosamente, chegando a mais de 70 mil. Sucessivos acordos entre a Rússia e os Estados Unidos resultaram em drásticas reduções. Mesmo assim, a detonação de uma fração das mais de 13 mil ogivas atômicas hoje existentes —95% das quais em mãos desses dois países— seria suficiente para aniquilar a raça humana e inviabilizar a vida na Terra.

O apelo feito pelo presidente John Kennedy diante da Assembleia-Geral das Nações Unidas em 1961 é hoje tão vital e urgente quanto naquela época, há mais de 60 anos: "Temos que eliminar essas armas antes que elas nos eliminem".

Esse objetivo ainda parece longe de ser alcançado, embora tenha sido possível adotar em 1970 o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) a fim de evitar que um número maior de nações viesse a obtê-las.

O tratado reconhece cinco países —China, EUA, França, Reino Unido e Rússia— como possuidores exclusivos de armamento atômico. Outros quatro —Coreia do Norte, Israel, Índia e Paquistão— que não aderiram ao acordo desenvolveram arsenais atômicos mais tarde.

Todos os demais, inclusive o Brasil, se obrigaram a não adquirir armamento nuclear e a submeter-se a inspeções para verificação do cumprimento desse compromisso.

Muitos dos membros não nucleares do tratado apontam as deficiências do instrumento, especialmente a falta de compromissos claros e juridicamente vinculantes de desarmamento por parte dos países nuclearmente armados.

Os 191 membros do TNP se reúnem a cada cinco anos para avaliar a implementação do instrumento. Nem sempre, porém, tem sido possível obter o acordo de todos em torno de um documento final. Das dez conferências anteriores, cinco não conseguiram chegar a um texto de consenso.

Na recente Conferência de Exame, realizada de 2 a 26 de agosto em Nova York, uma expressiva maioria dentre os participantes considerou o texto final insuficiente, mas se dispôs a aprová-lo. Assim como ocorreu em algumas das conferências passadas, o documento proposto não continha retrocessos, mas tampouco apresentava avanços.

Não há menção ao Tratado de Proibição de Armas Nucleares, em vigor desde janeiro de 2021. As divergências dos países da Otan, de um lado, e a Rússia, de outro, em relação à Guerra da Ucrânia impediram o acordo sobre um texto final. Enquanto isso, cresce o ceticismo e frustração da comunidade internacional com a resistência dos países nucleares a adotar medidas eficazes de desarmamento.

Diante dos trágicos acontecimentos na Ucrânia, os analistas concordam que desde a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, o mundo nunca esteve tão perto de uma guerra nuclear quanto agora. No entanto, esse espectro não parece assustar a humanidade.

Resta saber até que ponto continuaremos a conviver com o perigo representado pela existência das armas nucleares.

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