Golpismo de Bolsonaro afasta EUA do 7 de Setembro

País terá navios na parada no Rio, mas não representantes no palanque carioca do presidente

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São Paulo

Os Estados Unidos foram colocados numa situação política complicada neste 7 de Setembro marcado pela polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha eleitoral.

Decidiram enviar dois navios convidados previamente para a parada naval do 7 de Setembro no Rio de Janeiro, evento de comemoração do Bicentenário da Independência que está sendo sequestrado por Bolsonaro como ato de apoio a si e às suas teorias golpistas contra o sistema eleitoral.

O veleiro de instrução e diplomacia brasileiro Cisne Branco, que participará da parada naval
O veleiro de instrução e diplomacia brasileiro Cisne Branco, que participará da parada naval - Crise Bouroncle - 21.abr.2022/AFP

EUA, Brasil e outros 20 países estarão com navios militares no Rio na semana do evento. Eles participarão do tradicional exercício multinacional Unitas, e as Forças estrangeiras presentes com embarcações foram convidadas para o desfile.

Mas os americanos não enviarão representantes para o palanque de Bolsonaro no Rio, como desejavam militares brasileiros, apesar de não haver um convite formal. Em Brasília, o corpo diplomático costuma comparecer ao desfile na Esplanada dos Ministérios.

A parada sairá do mar à frente do Recreio dos Bandeirantes e irá até o Leme. No seu trecho final, em Copacabana, haverá o palanque criado por Bolsonaro para substituir o tradicional desfile cívico-militar do 7 de Setembro no centro da cidade.

O Unitas é realizado desde 1960, sendo o mais longevo exercício do tipo do mundo —é focado nas Américas, mas tem convidados de longe, como Reino Unido, Espanha, Coreia do Sul e Namíbia, neste ano. O Brasil já havia sido escolhido antes de Bolsonaro ser eleito para sediar a edição deste ano, justamente para coincidir com os festejos do Bicentenário.

A simulação de ataques e manobras é coordenada pelos EUA, que enviarão 3 belonaves para liderar os cerca de 20 navios e submarinos que participam de jogos de guerra. Esta edição terá 5.500 militares envolvidos, de 10 a 22 de setembro.

A cerimônia de abertura será um pouco antes, no dia 8, após a parada naval. Até a semana passada, 11 dos 22 participantes haviam informado à Marinha que poderiam participar do evento.

Ainda não se sabe o tamanho da parada, que deverá ser liderada pelo Cisne Branco, veleiro usado como símbolo diplomático e de relações públicas da Marinha, e a nau-capitânia brasileira, o porta-helicópteros multipropósito Atlântico.

A decisão de enviar 2 de seus 3 navios veio após a publicação desta reportagem, na terça (30). Em Washington, a ideia é evitar associação com o evento bolsonarista, segundo a Folha ouviu de pessoas com conhecimento do assunto. Há aqui ecos invertidos de um outro momento histórico: em 1964, os EUA montaram uma operação naval, a Brother Sam, para apoiar os golpistas, que acabou não sendo necessária.

Antes de confirmar a presença, na noite de terça, a Embaixada dos EUA divulgara nota na segunda (29) com um tom bem diplomático acerca do evento.

"Após a chegada das forças multinacionais ao Brasil, a fase inicial na área portuária vai incluir intercâmbios culturais, eventos esportivos e projetos comunitários. Além disso, as nações parceiras da Unitas-2022 poderão participar dos eventos do bicentenário brasileiro, como o Desfile Naval", diz o texto, cuidadosamente promovendo o evento, mas não confirmando participação.

Entre militares, há a expectativa ainda acerca da posição do Chile, dado que Bolsonaro insultou o presidente Gabriel Boric no debate com outros candidatos ao Planalto no domingo (28), ao dizer que o colega havia depredado patrimônio público nos protestos de 2019 no país andino. Até aqui, contudo, a diplomacia chilena diz que a fragata Williams irá participar.

Os EUA têm mandado recados ao Planalto sobre o discurso golpista do presidente.

Após Bolsonaro ter chamado embaixadores, inclusive o encarregado de negócios americano, para ouvir uma palestra na qual repetiu mentiras que vem divulgando acerca da segurança das urnas eletrônicas, a embaixada publicou uma inusual nota qualificando as eleições brasileiras como modelo para o mundo.

Entre integrantes da cúpula militar brasileira, colocados na linha de frente da campanha bolsonarista devido ao apoio do ministro da Defesa, general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, aos questionamentos feitos ao Tribunal Superior Eleitoral sobre as urnas, a mensagem foi clara.

Na visão do Alto Comando do Exército, os americanos deixaram claro que não mais repetiriam 1964, quando apoiaram o golpe militar que deu origem à ditadura sempre enaltecida por Bolsonaro.

O segundo recado veio logo a seguir, na seara fardada, quando o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, reforçou a ideia do controle civil sobre as Forças Armadas durante encontro com seus pares em Brasília. Nogueira assentiu e reiterou o compromisso democrático do país ante os preceitos colocados por organismos multilaterais.

A politização bolsonarista do 7 de Setembro já havia ocorrido no ano passado, quando o presidente pregou contra decisões do Supremo Tribunal Federal que considera persecutórias. A reação institucional foi desordenada, mas ao fim os ânimos foram acalmados com a tomada de assalto do Executivo pelo centrão.

Mantendo a praxe do mandatário, a calma antecedeu nova crise neste ano, particularmente entre Bolsonaro e o agora presidente do TSE, ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Decisões do magistrado contra empresários apoiadores do presidente acirraram ainda mais os ânimos, com a ala política do governo dizendo tentar demover o chefe de radicalização no feriado nacional.

Em Brasília, ao menos três chefes de Estado estarão presentes ao usual desfile na Esplanada dos Ministérios. Já o evento no Rio acabou sendo estruturado como palco do candidato à reeleição, apesar da resistência velada do Exército, na bolsonarista Copacabana.

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