Partido governista deve vencer eleições em Angola, diz Comissão Eleitoral

Se confirmada, vitória do MPLA afunda expectativa de alternância de poder, apesar de desempenho histórico da oposição

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Luanda | Reuters

A Comissão Eleitoral de Angola anunciou nesta quinta-feira (25) que o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) deve ser o vencedor das eleições gerais no país. A vitória da sigla que domina a política local desde a independência da ex-colônia portuguesa, em 1975, afunda a expectativa de alternância de poder —à oposição resta o consolo de um desempenho histórico.

Com 97,03% dos votos apurados, o MPLA, do atual presidente João Lourenço, obteve 51,07% dos votos, contra 44,05% da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola). Menos da metade dos cerca de 14 milhões de angolanos registrados para votar de fato compareceu às urnas na quarta-feira (24) —o índice de participação foi de 45,65%.

Existe a expectativa de que o partido encabeçado por Adalberto Costa Júnior, que promove uma apuração paralela com base em atas de cada seção, conteste o resultado eleitoral. O opositor já vinha questionando as parciais divulgadas antes do fechamento da apuração, dizendo que os números não eram confiáveis e levantando suspeitas de fraude.

O presidente reeleito de Angola e líder do partido MPLA após votar na capital Luanda - Stringer 24.ago.22/Reuters

Em entrevista à rádio portuguesa TSF, o candidato a vice-presidente da Unita, Abel Chivukuvuku, disse que ponderava uma objeção ao resultado que "não corresponderia à realidade". A apuração paralela da legenda deve se encerrar em dois dias e, até aqui, indica o MPLA à frente, mas com margem menor. "Os valores que estamos a obter vão fazer com que, no global, nossa percentagem suba. Vamos dar tempo ao tempo", disse ao jornal Público o líder do partido Anastácio Sicato.

Segundo a CNE, a contagem dos votos faltantes, que não tem prazo para ocorrer, não deve alterar o resultado. A vantagem do MPLA permitirá ao partido eleger ao menos 124 deputados, garantindo maioria absoluta na Assembleia Nacional, que tem 220 assentos.

A Unita, por sua vez, terá 90 cadeiras na Casa, e as outras 6 vagas serão preenchidas por nomes de outros três partidos —nanicos em comparação aos que dominam a política angolana há décadas.

O desempenho da Unita pode ser considerado histórico porque venceu a legenda governista em três províncias, Luanda, Cabinda e Zaire. Na da capital, a oposição teve 435 mil votos de vantagem, com 62,6% contra 33,3% dos votos.

O porta-voz do MPLA, Rui Falcão, reconheceu que o resultado, do ponto de vista político, representa uma derrota significativa. "A situação terá de ser analisada com alguma particularidade. Temos é de encontrar soluções e trabalhar no sentido de corrigir os erros cometidos e naturalmente reganhar forças para daqui a cinco anos", disse, ao jornal Público.

A Comissão Eleitoral informou que não houve distúrbios que comprometessem a votação. No entanto, grupos da sociedade civil acusam o partido governista de ter o controle do processo eleitoral e da imprensa estatal, levantando preocupações sobre a lisura da contagem dos votos.

Antes da eleição, organizações já alertavam sobre a possibilidade de fraude, mencionando uma revisão da lei eleitoral, capitaneada pelo MPLA, que retirou a apuração dos municípios e a centralizou em nível nacional —o que permitiria menos transparência, segundo as entidades.

As eleições passadas também tiveram resultados questionados, mas sem registros de violência generalizada. Agora, o pleito mais acirrado desde a independência, somado a críticas às regras de contagem e à alegação de fraude, aumenta as tensões no país.

A divulgação de pesquisas eleitorais não foi permitida, mas levantamentos extraoficiais, como um do instituto independente Afrobarômetro, indicavam um crescimento na preferência da Unita e a indecisão de quase metade dos eleitores. Embora o MPLA fosse considerado favorito, analistas não descartavam um resultado surpreendente da oposição, e a expectativa de uma inédita alternância de poder fez com que alguns angolanos reagissem com incredulidade ao resultado eleitoral desta quinta.

Segundo um analista político ouvido pela agência Reuters, fotos tiradas por eleitores dos boletins parciais contradiziam a contagem da comissão eleitoral.

A rivalidade entre os partidos precede a independência. Os dois lados travaram uma guerra civil de forma intermitente por mais de 25 anos, na qual centenas de milhares de pessoas foram mortas. A última luta durou uma década e foi desencadeada em 1992, quando a Unita contestou a eleição que deu ao MPLA uma clara maioria. A violência provocou uma guerra civil que permaneceu até 2002, quando os dois lados fizeram um acordo de paz.

O quinto pleito multipartidário da história de Angola ocorre 20 anos após o fim da guerra e pouco mais de um mês depois da morte de José Eduardo dos Santos, controverso líder que ficou 38 anos no poder.

O país é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas metade dos angolanos vive na pobreza, e o desemprego atinge mais da metade dos menores de 25 anos. A pandemia de coronavírus agravou o cenário, e o novo mandato de Lourenço será com um país com índices elevados de insegurança alimentar e um PIB (US$ 72,5 bilhões) que representa metade do de 2014.

O presidente prometeu mudança e prosperidade ampla quando venceu as eleições em 2017, mas, apesar de alguns resultados positivos no combate à corrupção, ele não teve êxito em reduzir a pobreza. "Os 500 mil empregos que nos prometeram é uma mentira. Não temos nada", disse o desempregado Paulo Tomas, 30, à Reuters, quando os resultados iniciais ainda eram divulgados nesta quinta-feira.

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