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Charles 3º terá tarefa hercúlea para garantir futuro da monarquia britânica

Novo rei precisará manter a enorme popularidade da mãe se quiser que instituição sobreviva

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Lucas de Abreu Maia

Cientista político, é professor da Universidade de Bristol, na Inglaterra

A monarquia britânica sobreviverá à morte de Elizabeth 2ª? A pergunta, em princípio, pode parecer descabida. Só nos últimos cem anos o Reino Unido passou pela maior guerra da história da humanidade, pela estagflação dos anos 1970, pelo neoliberalismo de Margaret Tatcher, pela fundação e pelo divórcio da União Europeia e, talvez mais importante que tudo isso, por uma longa e traumatizante decadência.

A descolonização de territórios britânicos na África e na Ásia levou o outrora maior império do mundo a ser, hoje, apenas mais uma grande potência entre muitas. A tudo isso a monarquia britânica sobreviveu. Por que, então, seria a morte de uma rainha —em tese uma figura puramente simbólica— que a levaria a cabo?

Então príncipe, Charles senta-se ao lado da Coroa Imperial na Câmara dos Lordes, em Londres
Então príncipe, Charles senta-se ao lado da Coroa Imperial na Câmara dos Lordes, em Londres - Ben Stansall - 10.maio.22/AFP

Ocorre que Elizabeth 2ª não foi uma rainha qualquer. Ela era o mais próximo que se é possível chegar à unanimidade na era da comunicação de massa. Assumiu o trono quando a televisão era incipiente. À medida que a nova mídia passou a dominar o mundo, porém, Elizabeth aprendeu a quebrar a tradição precisamente na medida de satisfazer a demanda da opinião pública por mais exposição —sem, contudo, jamais romper o senso de continuidade e estabilidade.

O momento de maior perigo para a monarquia na história recente foi durante os dias que se seguiram à morte de Diana, única figura da realeza cuja popularidade fazia frente à de Elizabeth. A relutância da rainha de falar publicamente e declarar luto oficial acendeu em muitos britânicos o impulso republicano. Mas, novamente, Elizabeth soube reagir a tempo. Um pronunciamento oficial de pesar bastou para que fosse perdoada.

A última pesquisa de opinião pública do instituto YouGov indica que três quartos dos britânicos aprovavam a forma como Elizabeth fazia seu trabalho. Pouco importa que ele fosse ritualístico. Numa era em que tudo parece estar em crise constante, Elizabeth representava estabilidade.

Estabilidade que o agora rei Charles 3º dificilmente conseguirá reproduzir. O novo monarca é uma figura muito mais polarizadora. Primeiramente porque várias de suas opiniões políticas —seu ativismo ambiental, por exemplo— já são bastante conhecidas, e na teoria o rei não deve se manifestar politicamente numa monarquia constitucional.

Em segundo lugar porque parcela importante do eleitorado nunca o perdoou pelas inúmeras crises conjugais com Diana e pelo casamento com Camilla, agora rainha consorte. Dificilmente, portanto, o filho reproduzirá a popularidade da mãe. E a popularidade do monarca, como indivíduo, é a do regime.

O Reino Unido tem o regime político mais estável do mundo. Segue mais ou menos o mesmo modelo há mais de três séculos. Os britânicos têm profundo apego aos símbolos nacionais. Quem disso duvida precisa apenas reassistir à abertura dos Jogos Olímpicos de Londres de 2012.

É inegável, porém, que a monarquia é um símbolo pesado demais, antiquado demais. Custa ao governo britânico 104,4 milhões de libras (R$ 625 milhões), num momento em que a maior parte dos cidadãos mal consegue pagar as contas do mês.

O Reino Unido vive hoje a maior crise desde o fim da Segunda Guerra Mundial: inflação galopante, greves, brexit inconcluso e troca de primeiro-ministro —a nomeação de Liz Truss foi um dos últimos passos de Elizabeth no trono. Suportará também uma mudança de monarca? Num primeiro momento, o luto nacional certamente se traduzirá em apoio a Charles. Resta saber se ele conseguirá manter a popularidade depois que a febre patriótica passar.

Charles, aliás, foi corajoso ao manter como rei o nome pelo qual já era conhecido. O precedente não é bom. Charles 1º foi decapitado em 1649, e a sua execução seguiram-se 17 anos de república, o único período sem um monarca na história da Inglaterra. Os dias que correm, felizmente, são menos sangrentos e reis não costumam ter mais suas cabeças cortadas. Porém, se não quiser fazer jus ao nome que escolheu, Charles 3º terá a tarefa hercúlea de copiar a mãe e assegurar o povo britânico de que uma relíquia histórica ainda merece ser preservada em um país em crise.

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