Entenda por que monarquias persistem como sistema político e exercem fascínio

Regimes se mantêm com papel simbólico de estabilidade e resistem com descentralização de poder ou mão de ferro

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São Paulo

Monarquias que continuam vigorosas hoje são aquelas que souberam descentralizar o poder de alguma maneira ou, na outra ponta, que mantêm o controle da população por meio de regimes ditatoriais, na avaliação de analistas ouvidos pela Folha.

Esse sistema político, aparentemente anacrônico, perdura no século 21 em ao menos 43 países que adotam a monarquia como forma de governo, entre parlamentaristas, absolutistas e religiosas. Cerca de 600 milhões de pessoas, ou 7% da população mundial, moram nessas nações.

Doutor em relações internacionais pela Universidade de Oxford, o professor da Faap Vinicius Vieira afirma que a existência de monarquias se deve à ausência de melhor opção em países que não passaram por revoluções republicanas. "No caso do Reino Unido, ela sempre foi vista como símbolo de estabilidade. A mesma coisa nos países nórdicos."

Rainha Elizabeth fala diante do parlamento inglês em outubro de 2019, no palácio de Westminster, em Londres - Leon Neal/Reuters

Segundo Vieira, a monarquia britânica abre espaço para alguma participação externa desde o século 13, com a Magna Carta, que impediu o exercício absoluto do poder. "Essa adaptação aos novos tempos é fundamental para que uma instituição tão antiga saiba se renovar, compartilhando o poder com atores que foram surgindo", explica.

Outro ponto importante é a ausência de grandes fracassos em guerras —o que não costuma ser perdoado pelo povo. Alemanha e Itália, no século 20, são exemplos de realezas que tiveram o poder contestado após sucumbirem, lembra Vieira.

A reinvenção também passa por ações beneficentes. "O que pessoas sustentadas pelo Estado podem fazer para não serem vistas como inúteis? Auxiliar instituições de caridade foi a forma que os britânicos encontraram, é um modelo seguido por monarquias que têm esse caráter que beira à celebridade."

Cientista político e professor da FGV-EAESP, , Guilherme Casarões afirma que o sistema político tem mesmo um componente anacrônico —as monarquias conhecidas hoje são produto da Idade Média. Para ele, avanços da sociedade romperam com a ideia de um monarca autorizado por Deus, o direito divino dos reis. "Você passa a ter uma democracia organizada em torno do processo eleitoral", diz.


Segundo Casarões, a sobrevivência das monarquias parlamentaristas e democráticas, como nos casos de Reino Unido, Japão e vários países europeus como a Bélgica, está ligada a um componente de tradição e a um senso de continuidade da nação.

"O monarca incorpora o espírito nacional. Na prática, a política do dia a dia é tocada pelo primeiro-ministro, pelo gabinete", afirma. "O sistema só se sustenta em um contexto democrático porque o poder efetivo do chefe de Estado é muito pequeno, muito mais simbólico do que concreto."

Para Casarões, toda monarquia se estabeleceu em algum momento no passado —talvez em período muito distante— por meio de alguma lógica ditatorial ou teocrática. Hoje, porém, em muitos países, monarcas "reinam, mas não governam".

Vieira conta que monarquias não constitucionais se sustentam em um contexto de carestia entre a população. Ele cita como exemplo o reino africano de Eswatini. "Eles têm muita força diante de uma população empobrecida e uma economia pouco diversificada."

Nos países do Golfo Pérsico, entretanto, o analista vê outro tipo de movimentação das realezas locais para seguir no poder. "Eles se mantiveram autoritários na pobreza e conseguem ser autoritários na riqueza —não distribuindo a riqueza, chamando trabalhadores estrangeiros qualificados [que ocupam vagas de trabalho]. É o modelo de desenvolvimento do Qatar e dos Emirados Árabes."

Monarquias exercem também certo fascínio, até hoje "Isso tem a ver com certo fetiche pelo poder, pela riqueza, essa ideia de uma classe diferenciada", diz Casarões, destacando a cobertura jornalística sobre o tema. "No caso do Reino Unido, o monarca é tratado com um misto de reverência e curiosidade, o que atribui um valor simbólico e ao mesmo tempo quer humanizar a pessoa."

Para Vieira, a realeza exerce fascínio porque transmite um ar de estabilidade em um mundo onde há poucas âncoras. "Há um ar de distanciamento, de perfeição. Um modelo a ser imitado, algo que não está em nosso mundo", afirma. "A monarquia exerce esse papel simbólico durante as crises. Sem uma rainha com o perfil da Elizabeth, talvez o Reino Unido tivesse sucumbido de maneira mais drástica a momentos como o brexit e à extinção de seu império colonial."

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