Fuga da mobilização na Rússia se agrava; Putin completa referendos na Ucrânia

Cazaquistão fala que já recebeu 100 mil russos que escaparam do alistamento militar

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São Paulo

O governo de Vladimir Putin completa nesta terça-feira (27) os referendos para a anexação de quatro regiões que a Rússia ocupa parcialmente na Ucrânia, invadida em fevereiro por Moscou. A formalização da absorção pode ocorrer ainda nesta semana.

Enquanto isso, o Kremlin lida com uma escalada na crise doméstica decorrente da decisão de Putin de mobilizar até 300 mil reservistas para reverter a maré negativa na Guerra da Ucrânia, onde viu Kiev recuperar terreno em uma contraofensiva surpresa neste mês.

Jovem abraça reservista convocado para a Guerra da Ucrânia em Sebastopol, na Crimeia
Jovem abraça reservista convocado para a Guerra da Ucrânia em Sebastopol, na Crimeia - AFP

Em um movimento crescente, a revolta inicialmente contida a setores de classe média que podem pagar por uma passagem aérea internacional está se tornando uma crise humanitária. Nesta terça, o governo aliado de Moscou no Cazaquistão disse que 98 mil russos já cruzaram a fronteira desde a mobilização, decretada no dia 21.

O país não exige visto de russos, facilitando o trânsito. O mesmo ocorre na Geórgia, que segundo o Ministério do Interior passou a receber agora 10 mil russos por dia —eram de 5.000 a 6.000 no início da crise, mas o governo, que é mais pró-Ocidente, não especificou quantos eram antes.

Imagens de satélite da empresa americana Maxar mostram filas de carros no sinuoso passo de montanha que liga a Rússia ao encrave separatista russo da Ossétia do Sul, separado numa guerra com a Geórgia em 2008. Também há filas na fronteira da Mongólia.

O nó da questão são os termos da mobilização, com regras variáveis de lugar para lugar. Assim, reservistas que foram soldados com mais do que os 35 anos estipulados pelo governo como limite estão sendo convocados, assim como pessoas com problemas de saúde.

O problema é mais grave nas regiões mais remotas e pobres do país, como a Buriácia (Sibéria) ou a Calmíquia (sul do país), segundo relatos de ativistas em redes sociais. Nos centros urbanos mais desenvolvidos, como Khabarovsk (Sibéria), Moscou e São Petersburgo, a classe média lidera a insatisfação —houve cerca de 2.400 prisões de manifestantes desde o anúncio.

O Kremlin passou recibo e, na segunda (26), disse que estava trabalhando para corrigir erros de autoridades locais. O porta-voz Dmitri Peskov disse que a ideia de fechar fronteiras não estava sendo considerada, mas não a descartou por completo.

Nesta terça, o Ministério da Defesa afirmou que não irá buscar o retorno forçado de quem fugiu para vizinhos, buscando acalmar os ânimos.

O reforço de tropas visa sanar o principal problema da campanha russa, a falta de pessoal. Essa desidratação foi a causa central do fracasso em tomar Kiev no começo da guerra e para a derrota na região de Kharkiv, agora.

O preço que Putin, ainda com 83% de aprovação segundo o independente Centro Levada, irá pagar em popularidade é incerto a esta altura. Mas sua decisão trouxe a guerra, então objeto de relatos róseos na mídia estatal, para o cotidiano russo.

A aceleração da anexação das duas autoproclamadas repúblicas do Donbass (leste) e das regiões sulistas é outra parte da ação de Putin, que pode ao fim dar ao russo uma base para tentar encerrar o conflito em posição de força. Não por acaso, seu adjunto no Conselho de Segurança do país, Dmitri Medvedev, disse que as áreas serão protegidas inclusive por armas nucleares.

Falando com ministros do governo nesta terça, Putin disse que "salvar o povo nos territórios em que os referendos acontecem é o foco de atenção de todo nosso país". As imagens disseminadas de soldados russos escoltando pessoas com urnas de porta em porta não parecem condizer com o relato, mas a esta altura o Kremlin já trata o assunto como fato consumado.

Foi assim em 2014, quando anexou a Crimeia, mas naquele momento havia de fato vontade popular —algo que pode ser visto em áreas do Donbass, já sob controle dos separatistas desde aquele ano, mas dificilmente se aplica às regiões conquistadas à força neste ano.

Além disso, na Crimeia não houve conflito aberto. Agora, a Ucrânia está em guerra, e seu chanceler, Dmitro Kuleba, afirmou nesta terça que as ações militares do país não vão parar porque o Kremlin decidiu anexar 15% do território ucraniano —fora os 7% que já tem na Crimeia, de resto uma região histórica russa.

A anexação poderá ocorrer na sexta (30), já que há a expectativa de um discurso de Putin às duas Casas do Parlamento. Em 2014, a absorção da Crimeia ocorreu meros dois dias após o voto local.

Com a apuração dos votos concluída, a terça-feira acabou com vastas maiorias, como seria previsível, a favor da anexação. Segundo a agência RIA-Novosti, foram números perto de 100% no Donbass (98,4% em Lugansk e 99,2% em Donetsk), 93,1% em Zaporíjia e 87% em Kherson.

A imprensa russa fala que os referendos são legítimos pois mais de 50% de comparecimento teria sido atingido —ao mesmo tempo que divulgou fotos de idosos internados votando de leitos de hospital.

Os Estados Unidos irão propor que o Conselho de Segurança da ONU condene quaisquer anexações, o que não terá efeito porque a Rússia o integra com poder de voto e a China, maior aliada de Putin e também membro do colegiado com americanos, franceses e britânicos, já disse que qualquer medida nesse chegaria a um "beco sem saída", ainda que tenha pedido "respeito à integridade territorial de todos os países".

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