Bolsonaro chega à eleição sem convencer comunidade internacional de fraude nas urnas

Campanha de Lula e TSE veem reconhecimento de países estrangeiros como chave para conter questionamentos

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (PL) chega ao dia da eleição sem ter conseguido internacionalizar sua campanha contra as urnas eletrônicas e os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Os recorrentes ataques contra o sistema de votação se voltaram contra ele e consolidaram a percepção entre governos estrangeiros —principalmente dos EUA e da Europa Ocidental— de que o mandatário é um ator desestabilizador da democracia no país.

Diplomatas sediados em Brasília sempre reportaram para suas respectivas capitais a escalada golpista de Bolsonaro contra as urnas, destacando que o chefe do Executivo vinha dando sinais claros de que poderia contestar o resultado da eleição em caso de derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A preocupação, no entanto, subiu de patamar em 18 de julho, quando Bolsonaro promoveu uma reunião com chefes de missões diplomáticas no Palácio da Alvorada. Na ocasião, falando a uma plateia de embaixadores estrangeiros, o presidente repetiu teorias da conspiração sobre urnas eletrônicas, desacreditou o sistema eleitoral, fez novas ameaças e atacou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

O presidente Jair Bolsonaro em discurso na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Timothy A. Clary - 20.set.22/AFP

"Por que um grupo de três pessoas apenas quer trazer instabilidade para o nosso país, não aceita nada das sugestões das Forças Armadas, que foram convidadas?", disse Bolsonaro à época, referindo-se aos mais recentes presidentes do TSE: ministro Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Moraes é o atual presidente da corte.

Embaixadores de países ocidentais avaliaram à Folha na ocasião que Bolsonaro utilizou uma técnica trumpista —em referência ao ex-presidente dos EUA Donald Trump, que, após a derrota eleitoral para Joe Biden, insuflou mentiras sobre fraudes no pleito daquele país e foi peça central no episódio que resultou na invasão do Congresso americano.

O recado transmitido pelos estrangeiros a seus governos após o episódio no Alvorada foi o de que o Brasil caminhava para ter a própria versão do conflito pós-eleições registrado nos EUA: um governante que, caso derrotado, contestaria as urnas e deflagraria uma crise institucional.

Por isso, o evento desencadeou uma inédita articulação internacional de atores-chave em defesa do sistema eleitoral brasileiro. Pouco depois, a embaixada americana em Brasília divulgou uma nota em que disse que as eleições brasileiras são um modelo para o mundo e que os EUA confiam na força das instituições do país.

"As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo", disse a missão diplomática. Comunicado semelhante foi difundido pela embaixada do Reino Unido em Brasília.

Desde então, a mensagem de que os EUA confiam na segurança do processo eleitoral brasileiro conduzido pelo TSE passou a ser uma constante em reuniões de autoridades americanas com brasileiras. Foi, por exemplo, tema de manifestações do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, na Conferência de Ministros de Defesa das Américas, realizada em Brasília no fim de julho.

Integrantes do governo americano dizem reservadamente que participaram de diferentes reuniões para entender o funcionamento das urnas eletrônicas e que estão convencidos de que o modelo é seguro. Avaliação semelhante de defesa da lisura do processo é encontrada em embaixadas europeias em Brasília.

A expectativa de uma possível contestação dos resultados por Bolsonaro neste ano deu peso adicional às tradicionais manifestações da comunidade internacional após a divulgação dos resultados, o que deve ocorrer ainda neste domingo (2).

Caso Lula vença já em primeiro turno, um rápido reconhecimento de democracias importantes é visto como chave para desarmar qualquer discurso desestabilizador por parte de Bolsonaro.

Em uma situação normal, a discussão sobre como e quando parabenizar um presidente eleito é uma tarefa mais protocolar, mas a situação no Brasil fez com que o assunto esteja na ordem do dia nas comunicações das embaixadas ocidentais com as respectivas chancelarias.

A expectativa é que, se o petista alcançar a maioria dos votos, líderes internacionais como o americano Biden e governantes europeus o felicitem rapidamente. Na Europa, por exemplo, Lula mantém boas relações com o presidente francês, Emmanuel Macron. O PT tem ainda relacionamento histórico com os partidos que hoje lideram os governos da Espanha e da Alemanha.

De acordo com a agência Reuters, durante recente reunião com o chefe da embaixada dos EUA, o encarregado de negócios Douglas Koneff, o ex-presidente reforçou a tese de que um rápido reconhecimento do resultado seria um movimento importante para minimizar o ímpeto de Bolsonaro de questionar as eleições.

Diplomatas estrangeiros ouvidos pela Folha ressaltaram que mensagens de congratulações são praxe e que elas devem ser enviadas para o vencedor do pleito, quem quer que seja ele. No entanto, o histórico de Bolsonaro de muitas vezes ter demorado dias para parabenizar vitórias de líderes internacionais com posições ideológicas distantes das suas pode fazer com que alguns desses políticos, por reciprocidade, adotem um tom mais frio e protocolar nas suas manifestações no caso de reeleição.

A preocupação com o comportamento da comunidade internacional foi partilhada inclusive pelo ex-presidente do TSE Edson Fachin. Em maio, ele fez uma reunião com embaixadores estrangeiros para prestar informações sobre o sistema de votação brasileiro.

"Permita-me convidar o corpo diplomático sediado em Brasília a buscar informações sérias e verdadeiras sobre a tecnologia eleitoral brasileira, não somente aqui no TSE, mas junto a especialistas nacionais e internacionais, de modo a contribuir para que a comunidade internacional esteja alerta contra acusações levianas", disse o magistrado na ocasião.

Em conversas reservadas quando no comando do TSE, Fachin destacava que um rápido reconhecimento da comunidade internacional seria um dos pilares para conter eventuais ações de desestabilização após a divulgação dos resultados eleitorais.

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