Bolsonaro fez Brasil perder relevância, e Lula abre portas com EUA, diz analista

Nick Zimmerman, conselheiro do governo Obama, culpa atual presidente por relações desgastadas com Washington

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Washington

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu retorno agendado à Presidência abrem oportunidade para que o Brasil recupere a relevância perdida durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), defende Nick Zimmerman, ex-diretor para Brasil e Cone Sul no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca durante o governo Barack Obama —do qual o atual presidente, Joe Biden, foi vice.

Assessor global do think tank Wilson Center, Zimmerman diz à Folha que os ataques constantes de Bolsonaro ao sistema eleitoral —inclusive o dos EUA— dificultaram a cooperação entre os dois países. "Se seu parceiro comercial deixa muito claro que não quer trabalhar com você em assuntos substanciais e você é o presidente dos EUA, você não tem tempo a perder; pula para o próximo."

O que muda na relação Brasil-EUA com Lula de volta ao poder? Haverá novos desafios e oportunidades. O primeiro grande exemplo é a política ambiental, com políticas de sustentabilidade, conservação e negociações multilaterais climáticas.

O brasileiro Jair Bolsonaro e o americano Joe Biden na Cúpula das Américas, em Los Angeles - Chandan Khanna - 10.jun.22/AFP

Algumas pessoas que podem se envolver com diplomacia climática, como Izabella Teixeira [ministra do Meio Ambiente de 2010 a 2016], uma das cabeças do Acordo de Paris, são extremamente respeitadas, não só em Washington. Isso será uma diferença muito grande se comparado ao ex-ministro Ricardo Salles.

Também é uma oportunidade em relação à democracia, à resposta aos processos de erosão democrática e a como responder ao que o continente tem passado nos últimos anos, com pandemia, crise global e inflação. Como os governos trabalham para promover uma recuperação equânime no difícil contexto global? Como a democracia pode entregar resultados melhores aos mais necessitados? São áreas que terão muito potencial.

O fato de que Bolsonaro consistentemente atacou sem fundamento o processo eleitoral brasileiro fez com que ficasse muito difícil avançar substantivamente em qualquer assunto, porque proteger a democracia é um dos pontos principais do governo Biden. É um governo que passou por um processo de transição muito traumático [com a invasão do Capitólio].

E quais são os desafios? Na área do comércio, durante o governo Bolsonaro, houve discussões de alto nível em relação aos esforços do Brasil para se tornar um membro da OCDE. O governo americano considera iniciativas como essa boas para as relações comerciais e incentivou isso. E agora acredito que haverá menos ênfase em negociações não tarifárias para facilitar o comércio.

Haverá também desafios na política externa. Há turbulência em assuntos como a Ucrânia, sobre o qual ele fez comentários preocupantes, que ultrapassam o limite da falsa equivalência, ao culpar tanto [Volodimir] Zelenski quanto [Vladimir] Putin pela guerra. E quando falamos de um dos maiores países do mundo, são comentários complicados.

Mas isso é normal, é a diplomacia, nem sempre os interesses de duas grandes democracias vão estar alinhados, e é importante que os EUA entendam isso. O potencial para o relacionamento é alto, mas dependerá muito da equipe que Lula formar, se estará disposta a se envolver mais com os EUA. Isso ainda não está 100% claro.

O Brasil também não ocupa hoje um lugar tão importante na política externa americana. Não sei se concordo. Ouço que os EUA não se importam com o Brasil desde sempre. Reconheço que a política externa do governo Biden está focada em outros assuntos, estamos em uma época tumultuosa também no ambiente doméstico, tem a Ucrânia, a inflação, o aumento da insegurança alimentar.

Mas se existe uma queda na importância do Brasil para Washington, a culpa principal disso é de Bolsonaro. Das mentiras dele em seu esforço direto e consciente para politizar a relação e questionar nosso processo democrático ao fazer campanha para a reeleição de [Donald] Trump e demorar semanas para reconhecer a eleição. Também houve crises múltiplas na área ambiental.

Se seu parceiro comercial deixa muito claro que não quer trabalhar com você em assuntos substanciais, e você é o presidente dos EUA, você não tem tempo a perder; pula para o próximo. Isso não é reflexo de perda de importância do Brasil, é o resultado do que foi possível fazer. Bolsonaro foi muito danoso para as relações bilaterais.

Como o governo Obama, do qual Biden era vice, via Lula? Os EUA reconheciam que o Brasil era um jogador influente, com prestígio crescente e que fazia progresso relevante globalmente nas políticas socioeconômicas, de redução da pobreza e na contenção do desmatamento na Amazônia. Mas também havia frustração com essa abordagem ideológica da política externa —que na retórica defendia o fortalecimento de um mundo multipolar, mas muitas vezes na prática era antiamericana.

Biden se manifestou menos de uma hora após o resultado ser anunciado pelo TSE. Há alívio na Casa Branca? O governo Biden está interessado na democracia. Os EUA sempre foram consistentes a esse respeito. E, francamente, também há admiração pela logística do pleito presidencial. Eleições nos EUA, do ponto de vista de procedimentos, são uma bagunça. Os EUA repetidamente expressaram confiança no processo eleitoral brasileiro. Foi um mero reconhecimento para parabenizar uma nação irmã.

Nick Zimmerman, ex-diretor para Brasil e Cone Sul no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca - Divulgação Wilson Center

RAIO-X | Nick Zimmerman

Foi ex-diretor para Brasil e Cone Sul no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca durante o governo Barack Obama e atualmente é assessor global do think tank Wilson Center.

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