Americanos esperam que eleição combata 'desertos alimentares', onde vivem 39 mi de pessoas

Residentes de bairros pobres têm dificuldade para encontrar comida fresca e esperam mudança com eleição legislativa

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Jacksonville (EUA) | AFP

Sentada em frente a sua casa em Jacksonville, cidade mais populosa da Flórida, cercada de prédios de um azul desbotado, Brenda Jenkins revela um simples desejo: poder comprar produtos frescos perto de casa. "É algo realmente cansativo", diz.

A americana de 26 anos vive em uma realidade cotidiana para quase 39 milhões de americanos de áreas urbanas no país, em uma situação descrita por especialistas como "deserto alimentar" —expressão usada para áreas com alto índice de pobreza, nas quais mercados que vendem frutas e legumes frescos não são facilmente acessíveis.

O problema não significa, exatamente, que esses produtos não estejam disponíveis, mas sim que é difícil chegar a pontos de venda —em um país onde o carro é um meio de transporte amplamente usado, mas também caro a muita gente.

Nicole Boone, voluntária na White Harvest Farms Community Garden, em Jacksonville, na Flórida, posa para foto segurando hortaliça; iniciativa visa mitigar problema de desertos alimentares nos EUA
Nicole Boone, voluntária na White Harvest Farms Community Garden, em Jacksonville, na Flórida, posa para foto segurando hortaliça; iniciativa visa mitigar problema de desertos alimentares nos EUA - Giorgio Viera/AFP

Apesar de estar na maior cidade da Flórida, o bairro de Brenda, Moncrief Park, de população majoritariamente afro-americana, não tem supermercados. Lojas de conveniência de postos de gasolina, lanchonetes de fast food e pequenas mercearias são as opções para comprar comida. Nas prateleiras, abundam doces, batatas fritas, refrigerantes e biscoitos —e é quase impossível encontrar produtos frescos além de algumas maçãs e bananas perto do caixa.

Os mais pobres não têm outra opção para fazer compras. O supermercado mais próximo fica a uma hora de caminhada, e o sistema de transporte público é bastante precário.

Mãe de três filhos pequenos, Brenda tem um carro e costuma dar carona a parte dos vizinhos para fazer compras. "Mas se eu me mudar ou se estiver ocupada, como eles farão?" Algumas vezes, quando o carro dela está com problemas, eles têm de se contentar com produtos industrializados, cujo valor nutricional é pobre, disponíveis na loja mais próxima. "Não é algo saudável, principalmente para as crianças."

A poucas semanas das midterms, eleições que podem mudar o comando do Congresso americano e a chefia de muitos estados, Brenda Jenkins lamenta não ter visto qualquer candidato andando pelo bairro. Também não recebeu santinhos.

Ela acredita que os políticos ignorem a região porque pessoas pobres moram na região. "Se os políticos se preocupassem conosco, alguma coisa teria sido feita [para facilitar o acesso a uma alimentação saudável]", afirma.

Direito humano

Antes próspero, Moncrief Park foi empobrecendo progressivamente nas últimas décadas, até se tornar menos lucrativo para as redes de supermercados. "Quando o último deles fechou, as pessoas perderam o acesso a uma alimentação saudável", conta Mika Hardison-Carr, que administra uma horta urbana comunitária chamada White Harvest Farms.

Na visão dela, com o tempo os moradores se acostumam a viver em um "deserto alimentar" e a comer produtos ultraprocessados ou em conserva. "É muito difícil mudar o modo de vida de alguém", acrescenta. Nesse processo, não se trata apenas de dar acesso a produtos frescos, mas de ensinar a reintegrá-los ao dia a dia da população.

Cliente em frente a mercearia no bairro de Moncrief Park, em Jacksonville, na Flórida; região não tem supermercados e moradores não conseguem comprar frutas e vegetais frescos facilmente
Cliente em frente a mercearia no bairro de Moncrief Park, em Jacksonville, na Flórida; região não tem supermercados e moradores não conseguem comprar frutas e vegetais frescos facilmente - Giorgio Viera/AFP

"A má alimentação contribui para todos os problemas de saúde que nos fazem morrer mais jovens, mais doentes ou mais gordos. Ter acesso a produtos frescos e saudáveis deveria ser um direito humano."

Criada pela associação Clara White Mission, com a ajuda de recursos públicos, a horta urbana oferece produtos gratuitos a voluntários que trabalham no programa de plantio, e outros moradores podem fazer compras usando vales-alimentação subsidiados pelo Estado —dos quais muitos dependem para comprar alimentos.

Agora, quando o hemisfério Norte passa pelo outono, o calor sufocante da Flórida começa a diminuir e voluntários se somam ao plantio na White Harvest. Para atrair o público, a horta prioriza produtos básicos da culinária afro-americana e próprios do sul dos EUA, como couve.

Sarah Salvatore, uma das responsáveis, planta flores que atraem insetos, de modo a evitar o uso de agrotóxicos. "É fácil de eliminar os 'desertos alimentares'. Basta eleger pessoas dispostas a resolver esses problemas —eles são solucionáveis, só não se investe o suficiente para isso."

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