Descrição de chapéu The New York Times

Furacão Ian destrói sonho de aposentadoria na Flórida, e idosos veem futuro incerto

Maioria dos mortos tinha mais de 60 anos, e reconstruir a vida pode ser impossível para os que ficaram

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Emily Cochrane Julie Bosman
Fort Myers (Flórida) | The New York Times

Jane e Del Compton descobriram Fort Myers por acaso mais de duas décadas atrás, quando passavam férias no sudoeste da Flórida. Decidiram na mesma hora que era ali que iriam viver quando se aposentassem –um lugar onde poderiam envelhecer em paz e sob o sol.

Eles compraram um terreno duplo com um trailer e pequenos luxos: um ventilador com controle remoto e dois televisores, para que ela pudesse acompanhar as novelas enquanto ele assistia a shows de caubóis.

Casal de idosos em abraçi
Del e Jane Compton se abraçam em frente a igreja, em Fort Myers, na Flórida - Callaghan O'Hare - 6.out.22/The New York Times

Mas o furacão Ian devastou seu pedacinho do paraíso, encharcando as fotos acumuladas em quatro décadas de casamento, destruindo o carro e deixando-os sem lugar para viver. Eles não tinham seguro do trailer; a apólice deles foi cancelada em junho devido à idade do veículo, um modelo de 1978.

Agora os Comptons (ela tem 77 anos e ele, 81) estão conformados com a ideia de ter que abandonar seu sonho de vida como aposentados. Nas próximas semanas, vão retornar à cidade de origem –Louisville, no Kentucky— para ficar com a filha e decidir o próximo passo. Mas estão tristes por abandonar os amigos e a comunidade da igreja.

"Já conversamos sobre isso, já discutimos, gritamos, choramos", diz Jane, sentada diante da igreja onde estão ficando, com uma caixa de objetos que conseguiram salvar. "Nossa bolha estourou."

A contagem de mortos ligados ao furacão sugere que idosos morreram em número desproporcional: das 87 vítimas (de um total de 123) cuja idade exata ou aproximada foi divulgada, 61 tinham pelo menos 60 anos. Muitas vítimas foram encontradas mortas em casa.

Mesmo quem tem condições financeiras de reconstruir uma residência pode não ter a energia ou o tempo de vida necessários para isso —e a perspectiva de regras de construção mais rígidas pode encarecer o projeto. Muitos, como os Comptons, vivem com renda fixa, não têm seguro contra enchentes e compraram suas casas antes do boom imobiliário da década passada, com preços mais acessíveis. Recapturar o paraíso pode não ser possível, e isso é um golpe cruel e repentino.

Vários moradores da região contaram que suportaram o furacão dentro de suas casas, nas quais investiram todas as economias, em parte para poder começar o quanto antes a retirar os destroços.

Veja antes e depois da passagem do furacão Ian pela praia de Fort Myers, na Flórida

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Píer da praia de Fort Myers Beach e construções próximas foram destruídas - Google Earth/Reprodução e Joe Raedle - 29.set.22/AFP

Richard Hoyle, 75, mudou-se com a esposa para Pine Island em dezembro, quando ela pediu para deixar as montanhas do Tennessee. Ele insistiu que eles permanecessem no imóvel durante a passagem do Ian, mas a água chegou até o segundo lance de escadas, e eles viram barcos voando acima do canal, levados por ventos de mais de 240 km/h.

"Decidimos que essa era a casa em que viveríamos depois de aposentados e que lutaríamos para conservá-la", diz Hoyle. "Fico feliz de não termos saído. Algumas batalhas merecem ser travadas."

Assim como ele, Garland Roach, 79, não tem intenção de sair de sua casa seriamente danificada num bairro modesto de Fort Myers —a palmeira no jardim da frente agora está cercada por canos de esgoto, tapumes e destroços. "Minha filha quer que eu volte para Ohio. Disse que voltarei na forma de cinzas."

Roach espera que a Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema) ou a Guarda Nacional lhe deem uma lona para cobrir o telhado destruído. "Com minha artrite, eu não suportaria mais um inverno em Ohio."

Segundo as autoridades da Flórida, dois dos mortos após o furacão foram homens na casa dos 70 anos que se suicidaram depois de ver a destruição de suas casas. "Acho que, para muitas pessoas, ver a residência destruída é a gota final", diz Carol Freeman, 75, moradora de Pine Island.

Desde a passagem do furacão, essa funcionária aposentada dos correios que vive com um papagaio de estimação está sem eletricidade, tendo que usar lenços umedecidos para a higiene, comendo refeições militares doadas e ponderando se vale a pena ficar.

Ela diz que talvez seja hora de voltar para Chicago depois de quatro décadas vivendo na ilha. "Estou muito velha para isso."

Alguns aposentados que costumam passar o inverno na Costa do Golfo já estavam planejando sair da Flórida. Em Fort Myers Beach, grupos de amigos se reuniram para inspecionar os estragos e lamentar o fim de sua vida na Flórida. Em Gulf Cove, uma comunidade na base de uma ponte, moradores tentavam resgatar pertences de trailers destruídos.

"Mesmo que acontecesse algum milagre e pudéssemos todos ficar no mesmo lugar de novo, há vários casais de 80 ou 90 anos", diz Deb Macer, 69. "Eles simplesmente não vão voltar."

Antes do furacão, os dias no bairro seguiam um ritmo familiar e reconfortante. Os aposentados se reuniam para cafés e caminhadas diárias, Macer organizava encontros para fazer artesanato e seu marido, Stacy, 70, era o faz-tudo da comunidade. "Infelizmente, acho que isso tudo acabou", afirma Paul Wasko, 75.

Veja antes e depois da passagem do furacão Ian pela Ilha de Sanibel, na Flórida

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Trechos da Sanibel Causeway foram destruídas com os ventos fortes e a tempestade trazidas pelo fenômeno - Google Earth/Reprodução e Joe Raedle - 29.set.22/Getty Images

Cindy e Steve Duello mal haviam começado a viver o sonho da aposentadoria na Flórida. Caminhadas e passeios de bicicleta mantinham os dois sessentões cheios de energia. Eles cuidavam das orquídeas, batiam papo com os vizinhos e ensinavam os netos a vasculhar a praia à procura de pedras.

No centro de tudo isso estava uma casa modesta de dois dormitórios que desde os anos 1980 foi ponto de encontro de quatro gerações da família. "Tinha 112 metros quadrados, mas era nossa mansão", diz Cindy, 68.

O furacão Ian converteu boa parte de Fort Myers Beach numa ruína achatada e irreconhecível, e a casa deles ficou saturada de água do mar. Dias após a tempestade os Duellos foram à ilha, viram o lugar destruído e entenderam que a cidade não poderá ser reconstruída a tempo de eles poderem voltar a desfrutá-la. "Ela não vai voltar durante nossa vida. Isso já me fez envelhecer."

Para alguns idosos da Flórida, a passagem do furacão deixou um mundo em que não existem boas opções. Eles não conseguem imaginar-se deixando a Flórida nessa etapa da vida, mas suas casas desapareceram, possivelmente para sempre.

Tradução de Clara Allain

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