Descrição de chapéu mudança climática

Migrantes afetados por mudanças climáticas ensinam americanos a lidar com a crise

Ensinamentos têm influenciado relações entre refugiados e comunidade local

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David Sherfinski
Washington | Reuters

Quando Benetick Kabua Maddison se mudou das Ilhas Marshall para os Estados Unidos, aos seis anos, foi em parte devido aos efeitos do aquecimento global: as inundações danificaram sua casa na ilha do Pacífico e sua família desejava ter melhores oportunidades em outro lugar.

Duas décadas depois, tendo se estabelecido em Springdale, no noroeste do Arkansas —um refúgio para imigrantes marshalleses—, Maddison é mais uma vez parte de uma comunidade abalada pelo clima selvagem que se torna mais severo conforme o planeta esquenta.

A cidade de cerca de 87 mil habitantes está enfrentando frio e calor extremos, inundações repentinas e as consequências de um tornado raro e devastador que varreu a região em março.

Vizinhos conversam e fazem reparos um dia após um tornado atingir a cidade de Round Rock, no Texas - Tamir Kalifa - 22.mar.22/Reuters

"A comunidade não estava preparada quando o tornado chegou", diz o homem de 27 anos, lembrando as famílias que lutam para lidar com a devastação dos telhados desabados e janelas quebradas dos carros. "A mudança climática é algo que não vai acontecer amanhã, na próxima semana, no próximo mês —já está aqui."

Da Califórnia a Nova York, partes dos EUA que estão vendo um fluxo de migrantes climáticos começaram a buscar entre os recém-deslocados lições para se tornar resilientes a desastres mais frequentes alimentados pelo aumento das temperaturas.

Maddison é diretor-executivo da Iniciativa Educacional Marshallesa, organização sem fins lucrativos que busca melhorar a resposta de emergência e a comunicação sobre questões relacionadas ao clima, entre outros esforços de conscientização cultural.

"Parte do que fizemos é educar a comunidade, especialmente os jovens, sobre as mudanças climáticas. Elas já estão impactando nosso país, nossas ilhas", diz Maddison. Essas lições estão sendo ensinadas em todo o país —inclusive em Buffalo, Nova York, aonde imigrantes asiáticos e africanos levaram técnicas de agricultura vertical, que suportam melhor os altos níveis de calor e outros impactos causados pelo clima.

"Nossos imigrantes e refugiados realmente são capazes de cultivar uma quantidade incrível de alimentos em um terreno de 10 x 10 metros", afirma Rahwa Ghirmatzion, diretora-executiva do PUSH Buffalo, grupo de defesa da justiça social.

"Eles são capazes de colher três a quatro vezes em uma temporada e fazem isso usando muitos materiais reciclados —é um espetáculo a ser visto." Ghirmatzion nasceu na Eritreia em 1976, e sua família fugiu durante a guerra civil.

Enquanto muitos citam a instabilidade política como motivo para deixar seus países de origem, Ghirmatzion diz que estresses climáticos como ondas de calor e seca —e efeitos cascata no abastecimento de alimentos e conflitos civis— são outro fator importante.

Ligações improváveis

Mais ao sul, ao longo da costa do Golfo dos EUA, a organização sem fins lucrativos Resilience Force tem uma força de trabalho liderada por imigrantes que responde a climas extremos e desastres reconstruindo casas para pessoas que foram deslocadas internamente por furacões ou inundações.

Muitos de seus trabalhadores são migrantes de Honduras que fugiram depois que os impactos das mudanças climáticas, como o agravamento dos furacões e da seca, também prejudicaram a economia local. O fundador do grupo, Saket Soni, é de Nova Déli, na Índia, e diz que seus esforços conseguiram mudar até as atitudes dos moradores mais desconfiados.

Isso levou a ligações "improváveis" entre hondurenhos e pessoas que talvez nunca tivessem falado com um imigrante antes ou os viam como uma ameaça ou "indesejáveis na comunidade", acrescenta Soni.

Essas organizações estão atuando num cenário de pressões cada vez maiores, que exacerbam o deslocamento relacionado ao clima, que só tende a piorar no futuro com a elevação das temperaturas globais.

Mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo correm o risco de ser desenraizadas até 2050 devido a desastres naturais, o que poderia estimular mais migração para nações desenvolvidas, como os EUA, concluiu um relatório de 2020 do Instituto para Economia e Paz.

A Colaboração por Justiça Climática, iniciativa da Parceria Nacional por Novos Americanos, é um dos grupos que trabalham para garantir que os imigrantes estejam na linha de frente dos preparativos para atenuar esse tipo de transtorno.

As organizações se esforçam para garantir, por exemplo, que os sistemas de alerta antecipado sejam divulgados em vários idiomas e que haja uma "transição justa" para os trabalhadores imigrantes na indústria de combustíveis fósseis, segundo Stephanie Teatro, da NPNA.

"Vimos o que é possível quando governos e comunidades veem a migração como uma solução e que podemos fazer coisas extraordinárias para acolher as pessoas", diz ela, referindo-se à boa vontade para com as pessoas que fogem da Guerra da Ucrânia.

'Eles são os visionários'

Enquanto isso, na Costa Oeste, ativistas na Califórnia pedem às autoridades que aumentem o financiamento dos chamados "centros de resiliência", que podem ajudar a preparar as localidades para impactos através de iniciativas lideradas por imigrantes.

A abordagem reforça organizações locais respeitadas, como uma igreja ou um centro comunitário, para ajudar os bairros a se prepararem para crises —furacões, ondas de calor, pandemias ou distúrbios—, bem como para responder e se recuperar delas.

O estado recentemente alocou pelo menos US$ 100 milhões (R$ 517 milhões) para centros de resiliência, com forte contribuição de imigrantes da Ásia e grupos de justiça climática como a Rede Ambiental do Pacífico Asiático (Apen).

Esse financiamento poderia apoiar o desenvolvimento de 10 a 20 projetos em todo o estado para fornecer, por exemplo, novos painéis solares e abastecimento de baterias ou serviços de resposta a emergências, dizem os proponentes.

É vital para as comunidades de imigrantes e refugiados "sentir que esses lugares são seguros, que eles são os visionários do projeto dessas instalações", diz Amee Raval, diretora de políticas e pesquisas da Apen.

'E que são para eles'

No Arkansas, imigrantes marshalleses se estabelecem há décadas devido a uma série de fatores, incluindo mudanças climáticas, mas ainda existem lacunas em termos de igualdade na saúde, oportunidades de moradia e sistemas de alerta de emergência durante desastres relacionados ao clima.

De sua parte, Maddison planeja eventualmente voltar para as Ilhas Marshall para seguir carreira política em um lugar onde ele acredita que as autoridades são menos propensas a ignorar a preparação para as mudanças climáticas. Enquanto isso, pretende continuar aumentando a conscientização sobre os problemas que afetam sua comunidade no Arkansas, seja em nível "local, nacional ou até internacional".

"Porque esses problemas estão acontecendo conosco."

Tradução por Luiz Roberto M. Gonçalves

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