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Arredores da Disney atraem moradores com imposto baixo e casas amplas no pós-pandemia

Condado de Polk, próximo aos parques na Flórida, é uma das áreas que mais ganham moradores nos EUA

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Bairro residencial na Flórida Joe Raedle - 10.mai.22/Getty Images/AFP

Orlando

Nos anos 1960, Walt Disney pesquisou bastante sobre onde montar seu novo parque de diversões. Ele queria uma área ampla, com terrenos baratos, de clima quente, conexão fácil com a costa leste do país e impostos baixos. O empresário achou o que queria nos arredores de Orlando, na Flórida, e a abertura da Walt Disney World transformou a região nas décadas seguintes.

Com a vinda da pandemia, milhares de americanos viram as mesmas vantagens que Disney notou no passado e se mudaram para os arredores de Orlando. A região registra um dos maiores crescimentos do país. O condado de Polk, vizinho ao complexo de parques, ganhou 28 mil moradores entre 2020 e 2021, e soma 753 mil habitantes, segundo dados do censo. Ao mesmo tempo, metrópoles como Chicago e Los Angeles perderam residentes.

"A gente construiu muita casa para moradores de Nova York. O preço aqui é muito mais acessível para eles. Pelo preço de um apartamento de um quarto lá, aqui eles compram casas de quatro quartos, com quintalzão onde podem brincar com o cachorro", comenta Thiago Athaide, 39, diretor-executivo da empresa WRA, que negocia imóveis na região, com sede em Orlando.

Operários trabalham em obra de conjuntos residenciais perto de Tampa, na Flórida, que registra aumento populacional - Octavio Jones - 5.mai.21/Reuters

Athaide conta que os condomínios estão sendo feitos cada vez mais longe. "Lake Wales fica a uma hora e meia daqui e está crescendo bastante. Há cinco anos, eu nunca ia querer ver um condomínio lá. Só tinha pés de laranja".

Apesar do crescimento, ainda há muito espaço. "Apenas 10% do território de Polk foi usado para construções", conta John Bohde, diretor de planejamento de Polk County. Em uma sala na cidade de Bartow, ele mostra à Folha uma série de mapas e gráficos que mostram que Polk pode chegar a 1,1 milhão de habitantes até 2045, mesmo que mantenha boa parte de seu território natural preservado.

Bohde avalia que a região cresce por conta de uma "tempestade perfeita". Além de espaço abundante, a Flórida tem impostos menores do que a média do país, oferece custo de vida mais baixo e atraiu americanos que eram contra as restrições para conter a Covid, como o fechamento de comércios. O governador republicano, Ron DeSantis, se posicionou contra as medidas, inclusive o uso de máscaras, e manteve atividades abertas mesmo nos piores momentos da crise.

Além disso, várias empresas estão mudando suas sedes para a Flórida e trazendo seus funcionários, em busca de taxas menores. E a alta de preços na região de Miami tem levado mais gente a se mudar para os arredores de Orlando, onde os valores são mais acessíveis, na comparação com estados como a Califórnia.

O diretor aponta nos mapas que a maior parte da expansão se dá nos arredores dos parques da Disney. Isso fica claro ao passar por ali: a estrada I-4, que liga Orlando a Tampa, passando por Polk, costuma ficar congestionada nas proximidades das atrações não só pelo fluxo de turistas, mas nos acessos aos condomínios fechados da região e pelas obras viárias em andamento.

Moradores da área contam que é comum ver uma piora no trânsito no período de Natal e nas férias de verão, dado o aumento de turistas, mas que, apesar de alguns gargalos, continua sendo possível percorrer grandes distâncias de carro em pouco tempo.

A região é dominada por vias expressas. Orlando é cortada por várias delas, que formam um complexo de viadutos e vias elevadas, onde os carros podem acelerar a quase 100 km/h. E a saída para resolver os problemas de trânsito tem sido fazer mais pistas e viadutos.

Investimentos em transporte público são raros. Os ônibus demoram a passar e trafegam em vias secundárias, parando em muitos semáforos. "Há um plano de construir um trem de alta velocidade entre Orlando e Tampa, com uma parada em Polk, mas a Disney não quis ter uma estação perto dos parques", comenta Bohde. Não há prazo para que a ideia saia do papel.

Assim, o crescimento da Flórida reforça um modelo de cidade típico dos EUA: amplas áreas residenciais distantes de opções de lazer, comércio e trabalho. Com isso, é preciso usar o carro para quase tudo. Isso gera estradas cheias e ruas onde praticamente ninguém anda a pé. As calçadas de cidades como Lakeland, a maior da região de Polk, passam o dia desertas.

O curioso, no entanto, é que apesar das críticas de ambientalistas e de urbanistas, o modelo funciona ali, por várias razões. Primeiro, há espaço para construir mais vias. Segundo, há relativamente menos carros em circulação. O estado da Flórida (170 mil km² de área, um pouco menor do que o Paraná) tem cerca de 23 milhões de veículos registrados, enquanto apenas a cidade de São Paulo soma 8,8 milhões de emplacamentos. O terceiro ponto é que os automóveis têm preços mais acessíveis e podem ser financiados com mais facilidade.

No entanto, a alta procura por carros tem gerado distorções no mercado: modelos usados estão mais caros do que os novos, pois os veículos zero estão demorando muito para serem entregues.
"Um Corolla novo, 2022, custa US$ 19,5 mil [R$ 105,4 mil] na tabela. E um de 2018 está saindo por até US$ 22 mil [R$ 119 mil], mesmo com 40 mil milhas [64 mil km] rodadas", compara Jean Paulo Oliveira, 36, que atua no setor de compra e venda de carros.

Sua esposa, a produtora de conteúdo Dunia Apas, 36, comenta que o preço dos imóveis também vem subindo. "Antes da pandemia, a gente alugava um apartamento de dois quartos por US$ 1.300 [R$ 7 mil]. Hoje não sai por menos de US$ 1.700 [R$ 9.100]. O custo de vida aumentou, mas o salário não subiu como no norte [dos EUA]", comenta. "Com mais gente, as escolas começaram a ficar muito cheias. Em alguns bairros, como onde eu moro, foi preciso abrir mais unidades para atender aos alunos."

Por outro lado, com mais moradores, a captação de impostos também subiu, deixando os governos em situação confortável. "Tivemos tanto crescimento de arrecadação, com a vinda de novos moradores, que vamos cortar o imposto sobre propriedades para o próximo ano em 3%", conta Bohde, do condado de Polk.

O diretor de planejamento diz que o risco de uma recessão nos EUA nos próximos meses pode conter o ritmo de crescimento, mas sem gerar uma crise. "Mesmo nos anos depois da crise de 2008, o aumento de moradores e de novas casas ficou mais lento, mas nunca parou por completo."

Athaíde, da WRA, avalia que a vinda da recessão é questão de tempo, o que deve aumentar a vantagem para quem busca moradia. "Estamos tendo uma mudança, de um mercado bom para quem vende, com inventário baixo e muita demanda, para um cenário bom para quem compra, com muitos produtos no mercado. Como construtor, eu vou ter de desacelerar um pouco, porque há uns três meses eu estava indo a 100 por hora. Não quero ficar com muita casa no estoque."

Outro obstáculo ao futuro da Flórida é que o estado corre risco de deixar de atrair empresas por questões políticas. Neste ano, o governador DeSantis teve um embate público com a Disney porque a empresa se posicionou contra uma lei apelidada de "Don't Say Gay", que impede professores de citarem questões de sexualidade nas escolas.

Em represália, DeSantis decidiu retirar o status especial da região dos parques. Um dos acordos que a Disney fez, há cinco décadas, foi a criação do distrito de Reedy Creek, onde ficam os parques, alguns hotéis e condomínios. Pelo acordo, a empresa atua como uma prefeitura: fica responsável pelos serviços públicos, pode cobrar impostos e captar empréstimos.

Em abril, DeSantis assinou uma lei que dissolve o distrito de Reedy Creek, a partir de junho de 2023. No entanto, ainda não foi definido o que acontecerá em seguida. Uma das questões é que Reedy Creek tem cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,4 bilhões) em títulos de dívida, que circulam no mercado. Caso ele seja dissolvido, não se sabe quem ficaria responsável por pagar isso, e a conta pode acabar sobrando para os condados próximos. A história de amor entre Disney e a Flórida poderá não ter um final feliz.


Esta reportagem foi produzida pela Folha em julho, portanto antes da passagem do furacão Ian. Parte do estado da Flórida, incluindo o condado de Polk, foi duramente atingida pelo fenômeno extremo.

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