Israel e Líbano chegam a acordo histórico sobre fronteiras marítimas

Pacto mediado pelos EUA foi aceito após 2 anos de negociação; região tem campos de gás natural

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jerusalém | AFP e Reuters

Israel e Líbano chegaram nesta terça (11) a um acordo histórico, intermediado pelos Estados Unidos, para resolver uma antiga disputa sobre suas fronteiras marítimas, que pode desbloquear a exploração de campos de gás natural no mar Mediterrâneo.

O pacto, que se dá em meio a rodadas de aproximação diplomática de Israel com países árabes como Bahrein, Marrocos, Sudão e Emirados Árabes, abre uma nova etapa para duas nações que tecnicamente ainda estão em guerra e não têm relações formais —embora seja de escopo bem mais limitado e dependa de ratificação nos dois lados.

A negociação sobre o tema sofreu vários reveses desde que foi iniciada, em 2020. Entre uma série de provocações, neste ano Israel chegou a abater drones enviados pelo grupo Hizbullah a uma plataforma no campo de Karish. Nas últimas semanas, porém, o diálogo voltou a avançar, com uma proposta sugerida pelo enviado americano Amos Hochstein.

Navio britânico no campo de gás natural de Karish, um dos que estavam em disputa - Ari Rabinovitch - 9.mai.22/Reuters

O primeiro-ministro israelense, Yair Lapid, e o presidente libanês, Michel Aoun, anunciaram o acordo separadamente. Na prática, inclusive, ele será composto de dois pactos —com cada país assinando o seu com Washington, segundo uma autoridade revelou ao jornal The New York Times.

Do lado israelense, o texto deve ser apresentado nesta quarta-feira (12) ao conselho de segurança local e depois a todo o governo e ao Parlamento. "É um marco histórico que fortalecerá a segurança de Israel, injetará bilhões na economia e garantirá a estabilidade de nossa fronteira norte", disse Lapid.

Aoun, por sua vez, afirmou que a proposta final apresentada por Hochstein era "satisfatória para o Líbano" e que esperava oficializar os limites acordados "o mais rápido possível".

O mandatário recebeu um telefonema do presidente dos EUA, Joe Biden, que disse que o pacto deve "marcar um novo capítulo para o povo libanês" e que os americanos ajudarão a resolver eventuais questões que possam surgir relacionadas ao tema.

Segundo comunicado da Casa Branca, o democrata celebrou o acordo dizendo ser "essencial que as partes mantenham seus compromissos e trabalhem para sua implementação".

O acordo estabelece, pela primeira vez, uma fronteira entre as águas libanesas e israelenses. Ao definir a zona econômica exclusiva de cada um, também prevê um mecanismo para que ambos os países obtenham royalties de campos de gás offshore no Mediterrâneo. Não há menções no texto à fronteira terrestre, que hoje é patrulhada pelas Nações Unidas.

O grupo radical Hizbullah, apoiado pelo Irã, afirmou que endossaria a posição oficial do governo libanês, concordando com os termos do pacto quando ele for ratificado, mas disse que "permanecerá vigilante" para o caso de Israel não garantir os direitos de Beirute.

Pela proposta, o campo de gás de Karish ficará sob controle israelense, enquanto o de Qana, mais a nordeste, será cedido ao Líbano. Parte deste depósito, porém, ultrapassará a linha de fronteira entre os dois países ora definida; com isso, Israel terá direito a uma compensação.

O percentual desses royalties será definido em conjunto com a francesa TotalEnergies, que fará a exploração.

"Todas as nossas demandas foram atendidas, as mudanças que pedimos foram corrigidas. Protegemos os interesses de segurança de Israel", disse o principal negociador de Israel, Eyal Hulata, em nota nesta terça. Do outro lado, Elias Bou Saab disse à Reuters que a versão final "leva em consideração todos os pedidos do Líbano —e a outra parte deve pensar o mesmo".

Segundo o premiê interino Najib Mikati, quando o acordo for formalizado a Total poderá iniciar imediatamente a produção de gás em águas libanesas —o que Beirute vê como providencial para atenuar a gravíssima crise econômica enfrentada desde 2019, com desdobramentos em quase todas as camadas possíveis, da política à social.

Israel, que já explora esses recursos na região, espera poder ampliá-la, em um contexto de escassez de gás na Europa devido à Guerra da Ucrânia —a Rússia fez de sua produção uma arma de pressão geopolítica.

A repercussão do acordo nos dois países, porém, dá a dimensão de desafios que ainda podem vir. A oposição no Líbano afirmou que Aoun "fez concessões demais", enquanto o ex-premiê israelense Binyamin Netanyahu disse que Lapid "se curvou".

Israel vive um momento pré-eleitoral, com o atual chefe de governo cumprindo uma espécie de mandato-tampão. Por isso, segundo a oposição, ele não teria legitimidade para fechar um pacto assim. O pleito está convocado para 1º de novembro, e Lapid espera ratificar o texto em até três semanas.

Uma cerimônia que formalize o pacto, porém, é improvável. Como lembrou Aoun, nada disso "significa uma parceria" com Israel.


Linha do tempo do conflito

1948 Líbano luta ao lado de outros Estados árabes contra o nascente Estado de Israel.

1949 Líbano e Israel concluem um acordo de armistício sob a supervisão da ONU.

1968 Comandos israelenses destroem uma dúzia de aviões de passageiros no aeroporto de Beirute, em resposta a um ataque a um avião israelense por um grupo palestino baseado no Líbano.

1978 Israel invade o sul do Líbano e monta uma zona de ocupação em uma operação contra guerrilheiros palestinos.

1982 Israel invade todo o caminho até Beirute. O Exército sírio é expulso da capital libanesa e milhares de combatentes palestinos são retirados por mar após um cerco sangrento de dez semanas. A Guarda Revolucionária do Irã estabelece o Hizbullah no Líbano.

1983 O governo libanês assina um acordo com Israel. Os termos incluem o fim das hostilidades e o reconhecimento mútuo da independência, mas a implementação depende de uma retirada síria do Líbano. Damasco e seus aliados libaneses rejeitam o acordo.

1985 Israel estabelece uma zona de ocupação no sul do Líbano e controla a área com uma força de procuração, o Exército do Sul do Líbano.

1996 Com o Hizbullah atacando regularmente forças israelenses no sul e disparando foguetes no norte, Israel monta ofensiva de 17 dias que mata mais de 200 pessoas no Líbano, incluindo 102 que morrem quando Israel bombardeia uma base da ONU.

2000 Israel se retira do sul do Líbano, encerrando 22 anos de ocupação.

2006 Em julho, o Hizbullahcruza a fronteira com Israel, sequestra dois soldados israelenses e mata outros, provocando uma guerra de cinco semanas.

2020 Os EUA, que já haviam mediado, sem sucesso, conversas entre os dois países relativas à disputa pela fronteira marítima, retoma as negociações, com o objetivo de facilitar a exploração de petróleo e gás.

2022 Os dois países chegam a um acordo com a mediação dos EUA.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.