Descrição de chapéu imigrantes

Migrantes do Líbano se arriscam no Mediterrâneo para fugir de crise devastadora

Volume de pessoas tentando deixar o país cresceu 73%; dezenas morrem em naufrágios de barcos improvisados

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Washington

Em meio à crise econômica que os empobrece dia após dia, libaneses têm fugido em números recordes. Tentam cruzar o mar inclemente rumo à Europa, aceitando o risco de afundar no Mediterrâneo em troca da possibilidade de escapar do naufrágio do país.

Segundo o Acnur, comissariado das Nações Unidas para refugiados, ao menos 1.826 pessoas tentaram escapar do país de janeiro a agosto deste ano. Esse número representa um aumento de 73% em relação ao mesmo período em 2021, em que foram registrados 1.058 passageiros.

Os números incluem não apenas cidadãos libaneses, mas também sírios e palestinos que vivem no país e passam por essas mesmas agruras econômicas.

Homem carrega corpo de criança morta em naufrágio de embarcação com imigrantes em Trípoli, no Líbano - Fathi Al-Masri - 25.abr.22/AFP

"São jornadas desesperadas feitas por pessoas que não veem nenhuma maneira de sobreviver no Líbano, enquanto a situação socioeconômica continua piorando", diz Dalal Harb, porta-voz do Acnur. As principais razões citadas pelos migrantes ouvidos pela agência incluem a falta de acesso a serviços básicos e a carência de empregos. Buscam também se reunir com familiares ou com conhecidos que já vivem nos países de destino —hoje, a maior parte deles tenta chegar ao Chipre.

No último 30 de agosto, as autoridades libanesas anunciaram ter interceptado duas embarcações deixando o país. É uma notícia recorrente no Líbano desde o início da crise. Segundo o governo, traficantes de pessoas cobram o equivalente a R$ 20 mil para a travessia pelo Mediterrâneo.

Num levantamento com dados garimpados desde meados do século 19, o Banco Mundial afirma que o Líbano vive uma das piores crises econômicas do mundo. A situação é mais grave do que durante a guerra civil de 1975-1990. O PIB per capita real caiu 37% de 2018 a 2021. A moeda perdeu mais de 90% do seu valor, devastando poupanças. Mais de três quartos dos habitantes vivem em situação de pobreza.

A culpa é de uma classe política corrupta que há décadas tem afundado o país em dívidas, dizem os analistas. O Líbano vinha tomando empréstimos para pagar empréstimos —em resumo, um esquema de pirâmide— e a situação chegou ao limite em 2019, levando a protestos convulsivos nas ruas.

A crise da Covid-19 agravou ainda mais a situação. Parecia não poder ficar pior, até uma explosão no porto de Beirute devastar porções inteiras da cidade em agosto de 2020, matando 218 pessoas e deixando um prejuízo de bilhões de dólares. Causado por negligência, o acidente destruiu os estoques de grãos, agravando a fome.

Os libaneses têm atualmente acesso esporádico a luz, combustível e água. Faltam também medicamentos no país, que grita no escuro por alguma ajuda.

Tamanho é o desespero que, em agosto, um homem armado entrou no Banco Federal do Líbano e tomou reféns. Ele exigia o direito de sacar o dinheiro da própria conta, congelada pelo governo, que só permite o saque do equivalente a R$ 2.000 por mês, para estancar a sangria. Foi recebido como um herói pela população e, em seguida, o banco retirou a queixa contra ele.

É esse o cenário que faz com que libaneses calculem que vale a pena cruzar o Mediterrâneo. Mas a viagem improvisada pelo mar tem um custo perverso. Em abril, um barco transportando 84 imigrantes naufragou no Mediterrâneo. Cerca de 40 deles não foram oficialmente encontrados até hoje. Em junho, uma embarcação com 60 refugiados com rumo à Itália estava prestes a afundar quando foi resgatada.

As autoridades libanesas dizem que o país, cujo governo está se esfarelando, já não é capaz de impedir a saída dos refugiados. A mensagem preocupa a Europa, continente que há uma década tem recebido ondas de imigrantes médio-orientais —e onde tem crescido a xenofobia.

O Líbano abriga uma vasta população de refugiados. São ao menos 1,5 milhão de sírios, fugidos da guerra civil que assola seu país desde 2011. Em comparação, a população total do Líbano é de em torno de 6 milhões de pessoas. O país é lar também de uma comunidade histórica de refugiados palestinos, que chegaram expulsos por Israel.

A situação ecoa, de certa maneira, o fim do século 19, quando dezenas de milhares de libaneses deixaram suas casas e se mudaram para o Brasil, formando uma das maiores diásporas árabes do mundo. Àqueles tempos, porém, os libaneses viajavam em barcos a vapor, não em embarcações precárias. E buscavam uma vida melhor, não só a mera possibilidade de sobreviver.

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