Teste com renda básica na Finlândia teve pouco efeito no emprego, mas ganho de bem-estar

Proposta é citada na campanha eleitoral brasileira; experimento indicou economia futura com gastos de saúde pública

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Helsinque

A proposta de um programa de renda mínima, exigência de Ciro Gomes (PDT) para apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno da eleição deste ano, já foi testada na prática na Finlândia.

Entre janeiro de 2017 e dezembro de 2018, o país nórdico adotou uma espécie de renda básica universal para desempregados. No período, 2.000 finlandeses sem trabalho, em todas as regiões do país e sem ter de dar contrapartida ao Estado —como procurar emprego ou enviar documentos atestando que buscavam capacitação—, receberam € 560 (R$ 2.900 na cotação atual) por mês.

Trata-se do único país a testar esse tipo de benefício em âmbito nacional. Outras experiências com renda mínima se dão em geral em esferas municipais, como as adotadas por cidades da Califórnia, nos EUA.

Market Square, no centro de Helsinque, na Finlândia
Market Square, no centro de Helsinque, na Finlândia - Juho Kuva - 13.out.22/The New York Times

Os beneficiários finlandeses foram selecionados aleatoriamente entre quem recebia pagamentos do Estado por não ter trabalho em novembro de 2016. Mesmo que eles conseguissem emprego durante o experimento, o dinheiro extra continuaria a ser pago.

Dois anos depois, em 2020, o Kela, instituição que concentra os benefícios sociais na Finlândia, divulgou os resultados do teste. Quem recebeu o benefício trabalhou em média 78 dias entre novembro de 2017 e outubro de 2018 (o período avaliado), contra 73 do grupo de controle —todos os outros desempregados da Finlândia, que seguiram recebendo os benefícios regulares no período. A diferença, portanto, foi pequena.

"Queríamos ver se, cortando a burocracia necessária para receber os benefícios, os desempregados se sentiriam mais confiantes para procurar trabalho, sem ter de ficar reafirmando periodicamente a um órgão estatal que não tinham emprego", diz Minna Ylikännö, pesquisadora-chefe do Kela.

Ela, porém, diz que os resultados poderiam ser diferentes caso a amostra tivesse sido maior, e o programa, mais duradouro. "Alguns participantes tinham outros problemas, como de saúde, e estavam sem trabalho havia bastante tempo. Isso gera um estigma, leva-se mais tempo para conseguir emprego."

Hoje, com a pandemia de coronavírus e os impactos decorrentes da Guerra da Ucrânia, uma segunda tentativa não está na agenda. Discute-se, porém, um experimento de imposto de renda negativo, no qual cidadãos pobres recebem dinheiro do governo em vez de pagar o tributo.

As entrevistas com os beneficiários do teste de renda mínima, por outro lado, mostram que houve outras vantagens aos participantes. Os pesquisadores conversaram com cem membros de cada grupo e, dentre os participantes, 22 disseram perceber indícios de depressão, contra 32 da fatia de controle.

De 0 a 10, quem recebeu os pagamentos deu nota média de 7,2 para o quão satisfeito estava com a vida; no grupo de controle, 6,8. Por isso, Ylikännö afirma acreditar que, como efeito colateral positivo, esse tipo de programa a longo prazo poderia também ajudar a economizar em gastos de saúde pública.

A pesquisadora diz, ainda, que um programa de transferência de renda sem contrapartidas poderia ser vantajoso para o Brasil, inclusive por seu tamanho, dadas as distâncias que moradores de áreas isoladas precisam percorrer para buscar um órgão público e proceder com a burocracia necessária.

Guardadas as muitas diferenças, a Finlândia tem indicadores sociais bem melhores que os do Brasil: o PIB per capita é de US$ 49 mil, contra US$ 6.800, e o nível de desigualdade, pelo índice de Gini, marca 27,7 a 48,9. O país nórdico tem área inferior a 5% da brasileira e população de 5 milhões, ante 212 milhões.

Luiz Henrique Alonso de Andrade, pesquisador da Universidade de Tampere, terceira maior cidade da Finlândia, que já trabalhou com pesquisas no Kela, afirma que a redução da burocracia adotada no experimento será levada em consideração numa futura reforma do robusto sistema de benefícios do país.

"As pessoas acabam confiando mais no sistema se não têm que ficar provando toda hora que precisam de ajuda. Não se sentem cidadãos menores", diz. Para ele, na prática, uma espécie de renda básica, em forma de benefícios com fins predeterminados e cheia de burocracias, já existe na Finlândia.

"É até difícil explicar para quem não vive aqui, mas é muito raro que alguém com cidadania não receba algo, como auxílio-aluguel. Inclusive a classe média. Há uma premissa de universalismo no sistema."

Até por isso o teste de 2018 não gerou maiores discussões no país escandinavo. "As pessoas confiam no sistema quando se sentem parte dele porque recebem algum benefício", diz.

De acordo com Ylikännö, € 560 não são suficientes para viver bem em Helsinque, cidade cuja área metropolitana concentra quase um quinto dos habitantes do país. Ela estima que, para tal, seriam necessários cerca de € 2.000 para quem paga a metade desse valor em aluguéis, que são caros na região.

No Brasil, Ciro tinha no plano de governo uma proposta que pagaria em média R$ 1.000 a cerca de 24 milhões de famílias pobres. No montante estariam incluídos BPC (benefício concedido a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda), aposentadoria rural e Auxílio Brasil. Haveria pré-requisitos para receber o valor, como vacinação e frequência escolar dos filhos dos beneficiários.

O projeto do quarto colocado no primeiro turno, com 3% dos votos, leva o nome do ex-senador e deputado estadual eleito Eduardo Suplicy (PT-SP), defensor há muito tempo de uma política do tipo.

Na ideia do petista, todos, independentemente de renda, receberiam "valor suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do país e as possibilidades orçamentárias". Não há menção a contrapartidas.

O jornalista viajou a convite da embaixada da Finlândia no Brasil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.