Condado de Miami-Dade, historicamente democrata, pode ter virada republicana nas midterms

Partido de Trump avança sobre eleitorado latino na Flórida e ameaça hegemonia e planos da sigla de Biden

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Patricia Mazzei
Miami | The New York Times

Os republicanos acreditam que nesta terça-feira (8) têm boas chances de capturar o condado de Miami-Dade na eleição para o governo da Flórida, pela primeira vez em duas décadas. É uma façanha que teria sido quase impensável seis anos atrás, quando Hillary Clinton, disputando a presidência com Donald Trump, venceu no condado importantíssimo por nada menos que 29 pontos percentuais.

"Os republicanos vão levar o condado de Miami-Dade em 8 de novembro", previu a vice-governadora Jeanette M. Núñez no mês passado, dizendo em voz alta algo que analistas políticos haviam começado a prever reservadamente a respeito da chapa que ela forma com o governador Ron DeSantis.

Os democratas também acreditam nessa possibilidade.

Biden segura as mãos de homem branco grisalho e mulher negra diante de plateia
O presidente Joe Biden participa de comício com candidatos democratas em Miami Gardens, na Flórida - Joe Raedle - 1º.nov.22/AFP

"Do jeito que os números estão indo, eles [os republicanos] podem vencer, sem sombra de dúvida", disse a senadora estadual Annette Taddeo, democrata de Miami que é candidata a uma vaga no Congresso representando um distrito que recentemente era um dos mais competitivos do país, mas agora tende ao lado republicano.

O fato de a possibilidade de o condado urbano mais populoso da Flórida mudar de lado estar sendo discutida abertamente revela muito sobre a derrota arrasadora que democratas nervosos receiam e republicanos confiantes preveem nas midterms da próxima terça, que provavelmente vão encerrar a era da Flórida como estado roxo, de tendência política indecisa, e convertê-lo em pelo menos uma tonalidade de rosa.

Na quarta (2), um dia depois de o presidente Joe Biden ter participado de um comício em Miami Gardens com candidatos democratas, o número de eleitores republicanos registrados que votaram antecipadamente em Miami-Dade superou o de eleitores democratas que haviam feito o mesmo.

Os democratas, que ainda superam amplamente os republicanos nos dados de registro de eleitores no condado, geralmente fazem sua maior investida de eleição antecipada no fim de semana anterior à eleição. Mas o comparecimento grande de eleitores republicanos até agora está deixando a sigla de Biden temeroso. Mesmo que os democratas vençam por margem estreita em Miami-Dade, a matemática do partido no estado inteiro quase certamente não resultará em sua vitória.

As repercussões de uma vitória republicana em Miami-Dade podem extrapolar a Flórida. Os democratas preveem que os republicanos repitam o que fizeram no passado, levando as estratégias e mensagens que deram certo aqui para outras comunidades com muitos eleitores hispânicos em áreas que hoje são campos de batalha mais fortemente disputados. De acordo com dados do censo, dos 2,7 milhões de habitantes de Miami-Dade, mais de dois terços se identificam como hispânicos.

"Os republicanos se sentirão encorajados e usarão o que fizeram aqui como modelo a ser seguido em comunidades de todo o país, desde Nevada e Califórnia até Virgínia e Pensilvânia", disse o consultor político democrata Christian Ulvert, em Miami. "Isso precisa ser um grande sinal de alerta para líderes democratas em todo o país."

Trump deve comandar um comício neste domingo (6) no condado de Miami-Dade com o senador Marco Rubio e outros candidatos republicanos. Mas o governador DeSantis, provável rival de Trump para a indicação presidencial republicana em 2024, se fará notar por sua ausência.

DeSantis, que perdeu em Miami-Dade por 21 pontos percentuais em 2018, pretende fazer campanha na segunda-feira (7) em Hialeah, cidade a noroeste de Miami com grande presença cubano-americana e republicana.

O último candidato republicano a governador a vencer em Miami-Dade foi Jeb Bush, que era residente de longa data no condado, em 2002. Marco Rubio, que também vive no condado, conquistou uma pluralidade do voto do condado em 2010, mas o perdeu por 11 pontos em 2016.

No passado, os democratas confiavam em alguns poucos grandes condados urbanos da Flórida, como Miami-Dade, para reforçar a participação dos eleitores, cientes de que inevitavelmente sofreriam perdas nos muitos condados rurais e suburbanos do estado. O ex-presidente Barack Obama venceu na Flórida em 2008 e 2012 ao mobilizar a participação dos eleitores democratas das cidades e minimizar as margens de perda do partido no restante do estado. Desde então, porém, apenas um candidato democrata foi eleito para um cargo estadual.

As pesquisas de opinião sugerem que DeSantis tenha até dez pontos percentuais de vantagem sobre seu rival democrata, Charlie Christ, ex-governador e deputado que não vem gerando grande entusiasmo. Marco Rubio está à frente da deputada democrata Val Demings, de Orlando, por uma margem menor, mas ainda confortável. Não faz muito tempo, vantagens tão amplas teriam sido inconcebíveis em eleições estaduais na Flórida.

Dois anos atrás, depois de Trump derrotar Biden na Flórida por três pontos percentuais, ocorreu uma virada para a direita. O condado de Miami-Dade foi fundamental para a vitória de Trump: Biden venceu nele por meros sete pontos percentuais quando o voto hispânico mudou de lado e foi para Trump, num soco no estômago dos democratas em termos nacionais.

Democratas e republicanos concordam que a pandemia de coronavírus marcou uma virada que atraiu mais eleitores para o lado republicano no sul da Flórida, onde a economia local é fortemente baseada em pequenas empresas e na indústria de turismo. DeSantis vem baseando sua campanha em suas decisões de reabrir escolas e estabelecimentos comerciais numa fase inicial da pandemia.

"Os democratas não conseguiram ganhar a adesão de muitas famílias latinas", disse o ex-deputado Carlos Curbelo, republicano moderado que perdeu sua cadeira no Congresso em 2018. "São trabalhadores que muitas vezes dependem de gorjetas para ganhar a vida. Muitos de seus filhos ainda estão aprendendo o inglês, de modo que deixarem de ir à escola significa que eles ficarão atrasados nos estudos."

Curbelo e outros, incluindo vários democratas, também apontaram para uma mensagem democrata vista por pelo menos alguns hispânicos como sendo excessivamente focada em questões sociais, identitarismo e problemas como racismo e desigualdade. DeSantis se retrata como guerreiro cultural contra a esquerda "woke" e também como alguém que se concentra em manter a economia do estado funcionando bem.

Miami-Dade está longe de ser o único problema dos democratas na Flórida. Até o ano passado, o número de eleitores ativos no estado que se registraram como republicanos havia superado o de democratas, pela primeira vez na história. Até a semana passada, em mais um sinal de perigo para os democratas, o número de republicanos registrados na Flórida que já haviam votado pelo correio na eleição da semana que vem já ultrapassara o de democratas registrados.

Nos ciclos eleitorais recentes, democratas acumularam votos antecipados feitos por correio e presencialmente, com a esperança de que os republicanos não conseguiriam superá-los com seu índice de comparecimento no dia da eleição, tradicionalmente enorme.

Enquanto os democratas vêm falhando, o Partido Republicano, apesar de ser prejudicado pela participação crescente da ultradireita, tem mantido uma presença durante o ano inteiro em Miami-Dade, onde há décadas tem conseguido persuadir hispânicos a votar em candidatos republicanos e candidatar-se a cargos eletivos. No ano passado o Comitê Nacional Republicano abriu um centro comunitário hispânico que, entre outras coisas, oferece aulas preparativas para a parte de educação cívica do exame de cidadania americana.

Durante anos, Annette Taddeo, a senadora estadual democrata que disputa uma vaga no Congresso com a deputada republicana Maria Elvira Salazar, tem criticado seu partido por não manter uma operação no sul da Flórida comparável à dos republicanos após o dia da eleição.

"Não sei quantas vezes eu já não falei ‘isso está acontecendo, pessoal’", disse Taddeo esta semana, aludindo ao crescimento republicano em Miami-Dade. "O problema é não estarmos presentes sempre, e não apenas na época das eleições. É a falta de infraestrutura e planejamento. E também a falta de candidatos que realmente mobilizem as pessoas. Isso é realmente importante."

Tradução de Clara Allain

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