Idosos vão trabalhar mais tempo em mundo com 8 bilhões e maior desigualdade

Com aumento da longevidade, futuro demandará escolha entre ter menos dinheiro ou trabalhar mais alguns anos

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São Paulo

Em um planeta que chega a 8 bilhões de habitantes, a evolução demográfica global e as transformações do mercado de trabalho apontam para uma tendência: pessoas mais velhas tendo que se aposentar cada vez mais tarde em um mundo mais desigual na comparação entre países.

Homem caminha em rua de Atenas, na Grécia - Lefteris Partsalis - 6.out.22/Xinhua

Nas próximas décadas, haverá expressivo aumento do número de idosos nos países ricos e de renda média alta. Ao mesmo tempo, a taxa de crescimento populacional nessas nações vai desacelerar rapidamente.

Isso implicará uma mudança crucial da chamada razão de dependência. Ela indica quantas crianças e adolescentes menores de 15 anos e adultos acima de 60 dependerão de pessoas em idade ativa (entre 15 e 60 anos, aproximadamente) para manter, por exemplo, a atividade econômica e a arrecadação de impostos para programas sociais, educação e saúde públicas e Previdência.

A diminuição no ritmo de crescimento populacional global, no entanto, não será homogênea. Países africanos e do Sudeste Asiático, hoje relativamente mais pobres, continuarão aumentando a população em um mercado de trabalho global cada vez mais sofisticado, o que poderá deixá-los para trás, comparativamente, em termos de renda.

O resultado desses dois movimentos (razão de dependência maior nos países ricos ou de renda média alta e aumento da população nos de renda baixa ou média baixa) é o que tende a levar idosos a trabalhar por mais tempo e ao aumento da desigualdade de renda entre nações pobres e ricas.

Segundo especialistas, não será necessariamente negativo que os mais velhos trabalhem mais. Isso poderá ocorrer naturalmente à medida que a longevidade também cresce, levando idosos a quererem permanecer ativos e produzindo para preservar o padrão de vida —o que contribuiria para a economia.

Já nos países de renda baixa e média baixa, cuja população crescerá mais do que nos de renda alta ou média alta —ampliando a concentração de renda global—, o desafio será incorporá-los a um mercado de trabalho cada vez mais educado e de conhecimentos específicos.

Nos Estados Unidos, a AARP, entidade privada que estuda questões relacionadas a pessoas acima de 50 anos, estima que aqueles que começam a gastar recursos de suas aposentadorias aos 62 anos, em vez de esperarem os 67, acabarão diminuindo seus benefícios em 30% até o fim da vida.

Se, por um lado, o dinheiro ficará mais curto para os que optarem por se aposentar mais cedo, a vida se tornará mais longa. Será uma questão de escolha entre ter menos dinheiro no futuro ou trabalhar por mais alguns anos.

O desafio é que, segundo a AARP, três quartos dos idosos que procuram trabalho hoje dizem se deparar com dificuldades. Nesse contexto, o preconceito e os estereótipos associados à idade terão de ser revistos. Para Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria iDados e da FGV-Ibre, o combate ao etarismo deverá ser estimulado por empresas, que precisarão de mão de obra educada, e por políticas públicas, para requalificar profissionais seguindo a demanda do mercado.

"O fato de o futuro indicar que haverá mais idosos hoje menos qualificados para as novas necessidades colocará pressão sobre gastos sociais e Previdência, com custos para os governos", diz. "O Estado terá de fazer algo a respeito, via requalificação."

Nas economias de renda baixa ou média baixa, em que a população continuará aumentando em relação às mais ricas, Ottoni cita o desafio adicional do "reshoring". É um movimento inverso ao "offshoring", em que companhias empregavam mão de obra mais barata fora de suas fronteiras. Agora, elas internalizam a produção diante de ganhos com automação e aumentos de produtividade interna.

Para Fernando de Holanda Barbosa, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da FGV, a requalificação de mão de obra mais velha poderá ganhar espaço nos orçamentos públicos quando houver diminuição no total de crianças e jovens, reduzindo a necessidade de recursos para a educação básica.

"Mas as mudanças em curso demandarão novos tipos de treinamento em todas as idades, já que muitas atividades serão desempenhadas automaticamente. Crescerá, por exemplo, a demanda por profissionais de pós-venda e acompanhamento de comercialização de bens e serviços online", afirma Barbosa.

Estudo da OCDE (entidade que reúne 38 países e da qual o Brasil não participa) estima que cerca de 10% dos empregos nos EUA —e 12% no Reino Unido— poderão ser eliminados nos próximos anos por processos envolvendo inteligência artificial combinada à automação.

Haveria, porém, setores muito promissores para os mais jovens que hoje entram no mercado. Em áreas mais qualificadas, como tecnologia da informação, ou em cuidados pessoais e saúde, sobretudo na enfermagem. Para Marcos Hecksher, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, a demanda brasileira por esse tipo de atividade, difícil de ser automatizada, tende a beneficiar mais as mulheres, que têm hoje maior nível educacional que os homens.

Um dos desafios para o Brasil, segundo Gabriel Ulyssea, professor associado da University College London, é que o país nem sequer conseguiu atacar ainda a questão da carência de ensino técnico e de formação profissional —fundamentais para o mercado de trabalho do futuro. Segundo a OCDE, apenas 8% dos jovens brasileiros concluem esse tipo de curso, ante 40% na média dos 38 países do grupo.

Ulyssea afirma que, em alguns anos, o mercado de trabalho também deverá contar cada vez mais com plataformas que produzam "match" entre mão de obra disponível e demanda por serviços —à medida que as relações de trabalho tenderão a ficar cada vez mais informais.

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