Vídeos sugerem execução de soldados russos à queima-roupa na Ucrânia

Imagens mostram que combatente russo abriu fogo quando colegas já estavam rendidos; Moscou fala em crime de guerra

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The New York Times

Uma série de vídeos que circularam nas redes sociais na semana passada provocou uma discussão sobre a possibilidade de as forças ucranianas terem cometido crimes de guerra —ou de agirem em legítima defesa— quando tentaram capturar um grupo de soldados russos e os mataram em seguida.

Os vídeos mostram cenas brutais de antes e depois de um confronto ocorrido neste mês em que ao menos 11 russos, em sua maioria deitados no chão, parecem ter sido executados à queima-roupa depois que um de seus colegas repentinamente abriu fogo contra soldados ucranianos que estavam por perto.

Frame de vídeo mostra soldados russos deitados lado a lado após declararem rendição, durante combate na cidade de Makiivka, na Ucrânia
Frame de vídeo mostra soldados russos deitados lado a lado após declararem rendição, durante combate na cidade de Makiivka, na Ucrânia - Reprodução/@OMonteyne2 no Twitter

Os vídeos, cuja autenticidade foi confirmada pelo New York Times, oferecem um vislumbre raro de um momento violento entre muitos outros na guerra, mas não explicam como ou por que os soldados russos foram mortos. Em última análise, deixam um mistério que ambos os lados na guerra vêm usando para conquistar a adesão de pessoas online.

Os vídeos circularam inicialmente nas redes sociais e em canais ucranianos no YouTube, que os usaram para elogiar façanhas das Forças Armadas locais e divulgar a retomada de territórios perdidos para a Rússia no início da guerra. Em Moscou, porém, os vídeos provocaram uma reação furiosa de comentaristas pró-guerra linha dura, que pediram ao governo que solicite uma investigação internacional.

O vídeo a seguir contém imagens agressivas

Agora Moscou e Kiev acusam uma à outra de cometer crimes de guerra no mesmo incidente. Os russos dizem que as forças ucranianas "atiraram impiedosamente em prisioneiros de guerra russos desarmados", enquanto o comissário de direitos humanos da Ucrânia, Dmitro Lubinets, afirmou que soldados rivais abriram fogo no momento em que estavam se rendendo.

Desde que Moscou iniciou a invasão, no final de fevereiro, forças dos dois lados já foram acusadas de crimes de guerra —o número e a escala das denúncias envolvendo russos superam de longe os de Kiev.

As Nações Unidas afirmam que o episódio precisa ser investigado. "Estamos cientes dos vídeos e estamos investigando o caso", disse à Reuters na sexta uma porta-voz do alto comissariado para direitos humanos, Marta Hurtado. "Alegações de execuções sumárias de pessoas 'hors de combat' devem ser investigadas, completamente e com eficácia, e quaisquer responsáveis têm de ser responsabilizados."

O termo em francês "hors de combat", quando usado no direito internacional, refere-se a pessoas "fora de combate" por terem se rendido, estarem desarmadas, inconscientes ou incapazes de se defender.

As mortes ocorreram em meados de novembro, quando o Exército ucraniano recapturou o vilarejo de Makiivka, em Lugansk, infligindo baixas pesadas às forças russas. Comparando os vídeos com imagens de satélite, o New York Times confirmou que os vídeos foram gravados numa casa rural no vilarejo.

Alguns fazem parte de uma série de quatro vídeos filmados por drones que circularam em 12 de novembro num canal pró-Ucrânia do Telegram que noticiou a retomada de Makiivka. O jornal verificou que as outras imagens também foram filmadas recentemente na vila.

O vídeo a seguir contém imagens agressivas

O choque foi registrado por duas fontes: um soldado ucraniano não identificado, que gravava diários da luta por Makiivka, e vídeos de drone, provavelmente feitos por forças ucranianas que acompanharam a ofensiva a distância. Ao verificar que os vídeos foram captados no mesmo local e analisar o que eles mostram, o New York Times conseguiu traçar a sequência do que ocorreu.

O primeiro vídeo tem acompanhamento musical —um elemento comum em vídeos-diários nas redes sociais— e mostra um grupo de soldados ucranianos armados deitados num campo, disparando contra um alvo a distância. Os soldados soam como ucranianos e falam ucraniano e russo. Ouvem-se disparos, e a pessoa que está filmando mostra seu rosto.

O segundo vídeo traz uma vista aérea do mesmo grupo de soldados no quintal de uma casa de fazenda. A residência e as construções em volta estão fortemente danificadas pelos combates.

As imagens mostram um soldado ucraniano de bruços no chão, apontando uma metralhadora contra um galpão. Um segundo militar está em pé, atrás dele, outro anda de lado a lado do quintal segurando um fuzil e um quarto está no chão checando um corpo que parece ser de um soldado russo morto. Um segundo corpo, também aparentemente russo, está deitado ali perto, imóvel.

Outros soldados russos estão escondidos dentro de um dos galpões, mas ainda não são vistos. A cena seguinte é filmada pelo mesmo soldado ucraniano no quintal. Há lacunas no vídeo, mas não está claro por quê. As imagens mostram os quatro soldados ucranianos, e ao menos três deles estão armados.

Um deles, com o fuzil em punho, aproxima-se cautelosamente da estrutura onde os russos estão escondidos. O soldado com a metralhadora lhe dá cobertura. Ouvem-se vários disparos —sem ficar claro de onde vêm—, e ele recua lentamente, atraindo os russos para fora sob a mira de sua arma.

O vídeo é cortado. Quando recomeça, seis soldados russos estão de bruços no chão, um ao lado do outro. Pelo menos dois estão vivos, mexendo-se; os outros estão imóveis. O vídeo mostra quatro outros saindo do galpão lentamente, alguns com os braços para o alto. Eles vão se juntar aos que estão no chão.

Os russos usam capacetes e coletes a prova de balas. Seus uniformes têm marcas características: tiras vermelhas nas canelas e um deles com um objeto quadrado azul nas costas.

Dois dos ucranianos parecem estar descontraídos, com os fuzis apontados para o chão. Num primeiro momento, a captura ocorre de modo ordeiro e sem incidentes –mas de repente tudo muda.

Quando um 11º soldado russo emerge do galpão, ele abre fogo, mirando um dos ucranianos, que são pegos de surpresa. A câmera se afasta de repente quando o militar que está filmando se retrai. Uma análise mostra o soldado ao lado dele erguendo o fuzil e apontando-o para o atirador russo.

O vídeo a seguir contém imagens agressivas

O vídeo termina e não fica claro o que acontece a seguir. Mas uma segunda filmagem aérea mostra uma cena sangrenta. Os soldados russos estão deitados, imóveis, aparentemente mortos, a maioria na mesma posição em que estava na rendição. O sangue forma poças, e alguns parecem estar sangrando pela cabeça ou pela parte superior do corpo. Eles trajam uniformes com as tiras vermelhas e a marca azul.

O militar russo que atirou nos ucranianos parece ter sido abatido onde estava e aparece deitado na posição da qual abriu fogo. A parede branca de alvenaria ao lado da qual ele estava ostenta danos recentes, possivelmente causados pelos disparos dos ucranianos.

"Parece que a maioria foi baleada na cabeça", diz Rohini Haar, assessor médico da ONG Médicos pelos Direitos Humanos. "Há poças de sangue. Isso indica que eles foram largados ali, mortos. Parece que não foi feito nenhum esforço para erguê-los ou socorrê-los."

Iva Vukusic, especialista em acusação de crimes de guerra da Universidade Utrecht, afirma que é difícil determinar com base apenas nos vídeos se um crime de guerra foi cometido ou não. Para ela, o fator crítico é temporal –quando os russos foram fuzilados.

"Foram uma ou duas rajadas de balas no momento em que o último russo sai e atira nos ucranianos ou imediatamente depois disso?", diz. "Ou foi depois de a ameaça imediata ter sido neutralizada, como ato de vingança? Nesse caso o que ocorreu terá mais claramente sido um crime de guerra."

Segundo ela, se os russos foram fuzilados no calor do momento, não se trata de um crime inequívoco. "Se esses prisioneiros de guerra ainda não haviam sido revistados, então os ucranianos não sabiam se eles estavam armados, mesmo eles estando no chão."

As ações do atirador russo também são cruciais, segundo Vukusic, e podem ser caracterizadas como perfídia —fingir que estavam se rendendo ou que não eram combatentes como um estratagema contra os ucranianos, podendo dar lugar a um processo por crime de guerra sob a Convenção de Genebra.

"É muito possível que, se aquele homem não tivesse atirado, todos eles teriam sido capturados como prisioneiros de guerra e teriam sobrevivido."

Os vídeos de Makiivka provocaram indignação enorme entre comentaristas russos favoráveis à guerra. O ativista e blogueiro Vladlen Tatarski disse no Telegram que todo russo "precisa assistir a isso várias vezes para entender contra quem estamos lutando" e que "nem um único russo pode viver e dormir em paz" enquanto os perpetradores continuarem vivos.

O conselho de direitos humanos da Rússia disse que vai enviar o vídeo a organizações internacionais. O comitê investigativo do país abriu uma investigação criminal sobre o caso.

Malachy Browne , Stephen Hiltner , Chevaz Clarke-Williams e Taylor Turner

Tradução de Clara Allain

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