Pandemia e guerra adiam extinção da pobreza extrema, explica Banco Mundial em podcast

Economistas da instituição debatem relatório que faz raio-X do consumo das famílias no mundo

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São Paulo

Desde 1990, o Banco Mundial diz poder reunir dados sobre o consumo das famílias em qualquer canto do planeta. E consegue, também por isso, saber se estão diminuindo ou aumentando a pobreza e a miséria.

Pois algo deu errado com os humanos depois da Covid e da Guerra da Ucrânia. A população vivendo na miséria saltou de 8,4% do total mundial, em 2019, para 9,3% em 2020. Um imenso grupo de 700 milhões de pessoas passou a engrossar o contingente da pobreza extrema. As informações estão em podcast da instituição e foram divulgadas em Washington, onde ela está sediada ao lado do irmão gêmeo FMI.

Os economistas do programa se basearam em relatório recém-publicado, um raio-X dos estragos que a pandemia e a guerra provocaram no mercado de trabalho e, por tabela, no padrão de consumo de famílias.

Mulher pede dinheiro em meio ao tráfego de carros em rua de Sidon, no Líbano - Aziz Taher - 15.nov.22/Reuters

Ruth Hill, especialista em renda, afirma que em 1990 cerca de 38% dos habitantes da Terra viviam em condições de miséria. Pois esse número decresceu até 2019 para apenas 8%, em razão sobretudo do desenvolvimento econômico no Sudeste Asiático e no Pacífico, regiões que mais combateram com sucesso a existência de barreiras ao bem-estar material.

Dentro desse mesmo processo, entre 1990 e 2014, período para o qual estão fechadas comparações mais precisas, pouco mais de 1 bilhão de pessoas abandonaram a miséria. Mais uma vez Sudeste Asiático e Pacífico foram as regiões que mais enriqueceram. O verbo não é bem esse, já que a população não ficou mais rica; em verdade, "desempobreceu" —e não é do Banco Mundial o neologismo.

Vieram então a crise sanitária e o conflito na Ucrânia, e o mundo ficou mais pobre, com a inflação desencadeada pelo aumento dos preços dos grãos e dos combustíveis fósseis.

Com isso foi preciso empurrar para frente a data de 2030 para que a pobreza extrema seja declarada mundialmente extinta —meta que chegou a ser definida pela tecnocracia do Banco Mundial. Ou então que essa forma mais aguda permaneça residual, só em alguns bolsões.

Apesar desse quadro, os participantes da discussão, como o economista Paul Blake, afirmam que a longo prazo o que ocorreu foi a diminuição da velocidade com a qual caíam a miséria e a pobreza. Não há, felizmente, reversão dessa tendência. Em termos mundiais, a pobreza não voltará a seus antigos e dramáticos patamares.

Mas, afinal, como é que esses tecnocratas de Washington definem o que é um cidadão extremamente pobre? O ponto de partida seria a subsistência com um padrão de consumo, em 1990, inferior a US$ 1 por dia. O valor foi sendo com o tempo atualizado, e hoje, em razão da inflação americana e de variações do poder de compra, chegamos a US$ 2,15.

Não é esse ainda, no entanto, o resultado de uma visão correta sobre a pobreza. Esses US$ 2,15 se referem ao que demógrafos e economistas do Banco Mundial consideram a linha média de pobreza para países com renda baixa. Para os localizados na outra extremidade, do padrão de EUA e Alemanha, a linha de pobreza se situa em US$ 6,85 por dia.

Mastiguemos esses dados com mais detalhes. Caso um pobre alemão vivesse com o mesmo poder de compra num país com custo de vida bem mais baixo, como Senegal ou Equador, os US$ 6,85 permitiriam um padrão de vida mais próximo ao da baixa classe média —ele não estaria perto da linha de pobreza.

Um detalhe importante. Falamos aqui de renda no geral, não apenas no salário. Por isso o documento do Banco Mundial cita o exemplo de uma mãe solteira colombiana, Sonia Cifuentes, uma das beneficiadas por um programa semelhante ao Bolsa Família. E sua condição de mulher pobre em Bogotá era dada como beneficiária dessa bolsa, não pelo salário —que ela perdeu ao ser demitida no início da pandemia.

Poderíamos nos perguntar, por fim, como o Brasil é retratado por esse relatório. Pois bem, o Banco Mundial não é como agências da ONU que, após um sobrevoo global, fornecem um perfil de cada país-membro. O relatório é mais lacônico, e o exemplo brasileiro surge de maneira periférica. Diz, por exemplo, que em 2020 a miséria diminuiu em razão do auxílio de emergência concedido pelo governo federal.

Mas em outro trecho o documento relata que esse auxílio foi "consideravelmente reduzido" em 2021, quando o mercado de trabalho não havia ainda se recuperado da crise da pandemia. Com isso, a pobreza brasileira aumentou em 6%, segundo cálculo de outro documento interno do Banco Mundial.

The Development Podcast - Por Que Testemunhamos o Maior Revés na Pobreza Global em Décadas?

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