Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Exército da Ucrânia tenta criar granada ideal para a guerra de drones contra a Rússia

Experimentos são exemplo de como país invadido busca fazer frente a Moscou com tecnologia improvisada

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Natalia Iermak Thomas Gibbons Neff
Sloviansk (Ucrânia) | The New York Times

Objetos de aparência banal se espalham sobre duas mesas de madeira num galpão apertado no leste da Ucrânia: fita dupla face, luvas, chave allen (com ponta em formato hexagonal), um ferro de soldar, plástico impresso em 3D, rolamentos, balança digital. Ao lado, uma granada de fragmentação alemã DM51.

Todos os itens são cruciais para as tropas ucranianas, que tentam solucionar um quebra-cabeça: como criar uma granada que pese quase nada e possa ser lançada de um drone para destruir um tanque russo de 40 toneladas?

Soldado ucraniano modifica granada em oficina perto de Sloviansk, no Donetsk
Soldado ucraniano modifica granada em oficina perto de Sloviansk, no Donetsk - David Guttenfelder - 3.ago.22/The New York Times

"A guerra é um mercado. É dinheiro", afirma o soldado ucraniano Graf, corpulento e barbudo, encarregado da equipe de drones de sua unidade. "Se você destrói um tanque que custa US$ 3 milhões com um drone de US$ 3.000 e uma granada de US$ 200, fez um bom negócio."

Desde a invasão da Ucrânia, os avanços tecnológicos no campo de batalha estão em pequenos drones operados remotamente por ambos os países. Eles têm importância crescente em quase todos os aspectos da guerra –incluindo reconhecimento, correção de disparos de artilharia e ataques kamikaze.

Agora, Graf e sua equipe, que se especializaram em matar soldados russos com munições lançadas do ar, buscam aumentar a eficácia dos drones, usando-os para atirar o que consideram a granada perfeita.

O desafio é construir essa granada. "É o nosso principal objetivo", diz Graf em seu QG em Sloviansk, na região de Donetsk, cercado de componentes para transformar um brinquedo voador numa ferramenta letal no front. Como outros soldados ucranianos, ele usa seu nome de guerra para se identificar a repórteres.

Os testes na oficina são um exemplo de como o Exército do país invadido se adapta à medida que a guerra avança, buscando inovar tecnologicamente diante de uma Rússia superior em termos de número de tropas e de armamentos de longo alcance.

De acordo com Graf, a granada ideal pesaria cerca de 500 gramas, carga máxima que um drone DJI Mavic 3 pode carregar sem que o voo seja muito impactado. Para que ela tenha o peso desejado, a equipe vem usando uma impressora 3D, com a qual tenta criar um invólucro ao mesmo tempo leve e capaz de carregar os explosivos necessários. A árdua tarefa envolve experimentar granadas de diferentes formatos, presas a um torno na oficina, e trabalhar os mecanismos explosivos para ajustá-los.

A granada tem que conseguir penetrar no casco de um veículo blindado ou de um tanque –algo que hoje não é possível com uma munição que pesa cerca de 500 gramas, segundo Graf. Por enquanto, sua melhor granada é a DM51 fornecida pela Alemanha, um explosivo que, com o acréscimo de aletas estabilizadoras, pesa algo próximo desse limite. Mas a DM51 é fabricada para matar pessoas, não explodir tanques.

"Todos os dias, estudamos, fazemos experimentos com granadas, bombas e drones, e aperfeiçoamos nosso trabalho", diz Graf. Para ele e outros ucranianos especialistas em drones, a busca por uma granada aprimorada faz parte de uma corrida armamentista maior. Assim como o time da oficina, militares russos buscam tornar seus pequenos veículos não tripulados mais mortais, com níveis variados de sucesso.

0
Integrante de um batalhão voluntário testa um drone DJI Mavic - David Guttenfelder - 3.dez.22/The New York Times

O Mavic 3, de fabricação chinesa, tornou-se a espinha dorsal das forças de drone da Ucrânia. Pequeno e portátil, tem bateria e alcance decentes e pode ser rapidamente equipado para lançar granadas.

As forças russas também o utilizam. Os drones militares russos —incluindo o Shahed-136, produzido no Irã e muito lançado contra a infraestrutura ucraniana— são maiores e usados de forma diferente em comparação com os pequenos Mavics, lançados contra concentrações de tropas e trincheiras. Os Mavics são quadricópteros, ou seja, podem pairar como um helicóptero sobre o alvo antes de lançar sua carga.

A Ucrânia se manteve à frente na corrida armamentista dos drones da mesma forma que obteve sucesso no campo de batalha: comandantes de nível inferior têm mais liberdade sobre como e quando usá-los, e unidades de drones como a liderada por Graf enfrentam menos burocracia para testar e utilizar as armas.

"O esforço da Ucrânia no que se refere a drones é mais dinâmico, e os militares trabalham diretamente com eles", diz Samuel Bendett, especialista em drones russos e outras armas da CNA, organização de pesquisa e análise em Arlington (EUA). "Os russos só estão chegando lá agora." Isso significa que as invenções de Graf e seus camaradas podem ser rapidamente compartilhadas com outras unidades de drones em grupos de bate-papo antes de serem usadas em campo, sem muita supervisão.

Bendett afirma que a Rússia, por outro lado, adotou uma abordagem mais industrial, preferindo munições produzidas em massa, embora alguns grupos voluntários estejam progredindo nos testes e enviando drones para a linha de frente. O problema é que todos precisam navegar por uma burocracia remanescente da era soviética para enviar o equipamento certo a seus soldados. "Há muito desse vaivém", diz o especialista. "Um lado tem um avanço tecnológico, e o outro precisa alcançá-lo."

Escondidas numa prateleira da oficina de Graf estão evidências das tentativas industrializadas de Moscou para competir com Kiev: um OFSP russo produzido em fábrica –uma pequena granada de 40 mm destinada a ser lançada por um Orlan-10, drone de reconhecimento cujo ruído lembra o de um cortador de grama. A granada tinha a data de fabricação estampada na lateral: março de 2022.

"Eles estão lançando uma modificação padrão dessa granada", diz Iliia, um dos engenheiros que trabalham com Graf. "Nós estamos lançando tudo o que conseguimos encontrar." O principal a se considerar, diz ele, "é o peso da granada que um drone pode transportar".

Graf afirma que ninguém de seu time foi morto ao trabalhar nas granadas, mas que o processo é perigoso para as tropas na linha de frente. "Muitos morrem pois não entendem como essas coisas funcionam."

Apesar dos riscos, ele e sua equipe seguem trabalhando na oficina cheia de diferentes explosivos, aproximando-se cada vez mais da granada destruidora de tanques. Hoje, eles têm uma munição que, segundo dizem, pode penetrar na blindagem russa, mas pesa 220 gramas a mais do que o limite.

"Fazemos granadas a partir do lixo", brinca ele. "Mas se você conseguir destruir um tanque com um Mavic, você é o melhor nessa guerra."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.