Ucrânia faz gambiarras à la MacGyver em armas doadas e surpreende analistas militares

Estilo de adaptar armamentos permite a Kiev resistir à Rússia de formas pouco usuais

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Helene Cooper Eric Schmitt
Washington | The New York Times

Os bilhões de dólares em ajuda militar que os Estados Unidos enviaram à Ucrânia incluem alguns dos sistemas de armas mais avançados e letais do mundo. Mas a Ucrânia também alcançou grandes sucessos na guerra empregando essas armas e equipamentos de maneiras inesperadas e modificando algumas delas, segundo especialistas militares.

Desde o naufrágio do Moskva, navio-almirante da Rússia no mar Negro, em abril, até o ataque a uma base aérea russa na Crimeia neste mês, as tropas ucranianas usaram armas americanas e outras de maneiras que poucos esperavam.

Soldados ucranianos seguram armas em ponto estratégico
Soldados ucranianos guardam ponto estratégico na região de Donetsk, na Ucrânia - Ivor Prickett - 25.mai.22/The New York Times

Especialistas e autoridades do Departamento de Defesa dos EUA relatam que, ao montar mísseis em caminhões, por exemplo, as forças ucranianas os movimentaram mais rapidamente para o campo de tiro. Ao colocar sistemas de foguetes em lanchas, aumentaram sua capacidade de guerra naval. E, para espanto dos analistas, a Ucrânia continuou destruindo alvos russos com drones de ataque Bayraktar fabricados na Turquia e aeronaves de plástico baratas, modificadas para lançar granadas.

"As pessoas estão usando a metáfora do MacGyver", diz Frederick Hodges, ex-comandante do Exército dos EUA na Europa, em referência ao programa de TV dos anos 1980 em que o personagem principal usa engenhocas simples e improvisadas para se livrar de situações complicadas.

Após seis meses de guerra, o número de mortos dos dois lados é alto: embora as autoridades americanas estimem que até 80 mil soldados russos foram mortos ou feridos, os militares ucranianos, com menos armas, disseram estar perdendo de cem a 200 soldados por dia. Mesmo assim, a engenhosidade dos ucranianos contrasta claramente com a natureza doutrinária, arrastada e penosa do avanço russo.

No ataque ao navio Moskva, por exemplo, os ucranianos desenvolveram seu próprio míssil, chamado Neptune, baseado no projeto de um antigo míssil antinavio soviético, mas com alcance e eletrônica substancialmente aperfeiçoados. Eles montaram os Neptunes em um ou mais caminhões, segundo uma autoridade americana, e os deslocaram para o raio de alcance do navio, a 120 quilômetros de Odessa.

O ataque ao Moskva foi, em essência, a prova de conceito do Neptune; a nova arma foi usada pela primeira vez em uma guerra real e destruiu a nau-capitânia da Rússia.

"Com o Moskva, eles criaram, como MacGyver, um sistema antinavio muito eficaz, posto na traseira de um caminhão para poder movimentá-lo", diz Hodges, hoje consultor-sênior da Human Rights First.

As tropas ucranianas se saíram tão bem com o drone Bayraktar que o CEO da empresa, Haluk Bayraktar, elogiou sua capacidade de "extrair o máximo possível desses sistemas", numa entrevista recente à TV ucraniana.

Autoridades militares dos EUA continuam intrigadas com o motivo pelo qual os sistemas de defesa aérea de muitas camadas da Rússia não foram mais eficazes para deter os drones, que não possuem sistemas de autodefesa, são facilmente detectados por radar e voam a apenas 130 km por hora.

Um militar graduado do Pentágono disse que as forças ucranianas colocaram mísseis antirradiação HARM fornecidos pelos americanos em caças MiG-29 projetados pelos soviéticos —algo que nenhuma Força Aérea jamais havia feito. O míssil americano, projetado para buscar e destruir o radar de defesa aérea russo, geralmente não é compatível com essa ou outras aeronaves do arsenal de Kiev.

A Ucrânia conseguiu adaptar os sensores de mira. Nas palavras dessa fonte, que falou sob anonimato, o míssil foi integrado com sucesso. Autoridades dizem que ele pode atingir sistemas de defesa aérea russos a 150 km de distância —perícia que está sendo demonstrada na Crimeia; nas últimas semanas, a Ucrânia fez uma série de ataques à península do mar Negro, que a Rússia anexou em 2014.

No ataque à base de Moscou, as forças ucranianas destruíram oito caças. Dias depois, combatentes ucranianos clandestinos operando atrás das linhas inimigas atingiram vários alvos no território ocupado que a Rússia considerava seguros, incluindo depósitos de munição e linhas de suprimentos.

Em seguida, explosões atingiram um aeroporto militar nos arredores de Sebastopol, maior cidade da Crimeia e sede da Frota do Mar Negro russa. Moscou alegou que os estrondos do ataque eram o som de fogo antiaéreo bem-sucedido.

"Os ucranianos são capazes de explorar seu conhecimento da área", diz Dara Massicot, pesquisadora sênior de políticas da Rand Corp.

Soldados ucranianos pilotam tanque com camuflagem
Soldados ucranianos pilotam tanque em rodovia na região de Donetsk, na Ucrânia - Finbarr O'Reilly - 22.mai.22/The New York Times

Essa experiência está enraizada na história da Ucrânia, que foi o centro da indústria de defesa da extinta União Soviética; por décadas, o lugar onde a URSS –e depois a Rússia– desenvolveu turbinas para navios de guerra, tanques e aeronaves como o Antonov An-124, um dos maiores aviões de carga do mundo, usado pela Rússia para transportar armas para a Ucrânia.

Comandantes militares dos EUA que trabalharam com tropas ucranianas dizem que os militares do país estão sempre prontos para improvisar.

Os ataques na Crimeia ressaltam táticas militares cada vez mais agressivas, já que Kiev confiou em forças especiais e milícias locais para atacar além das linhas de frente, interromper rotas de suprimentos russas e compensar a desvantagem em armas e equipamentos.

Autoridades dos EUA dizem que seu país forneceu informações detalhadas para ajudar as forças ucranianas a atacar alvos russos durante a guerra. Mas Kiev realizou o primeiro dos recentes ataques na Crimeia —explosões no aeródromo militar de Saki em 9 de agosto— sem notificar antecipadamente os americanos e outros aliados ocidentais, disseram autoridades.

Um funcionário americano informado posteriormente sobre os ataques disse que comandos e combatentes ucranianos usaram uma série de armas, explosivos e táticas improvisadas nos ataques. Tudo caseiro e sem aviso prévio, conta.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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