Maioria absoluta socialista em Portugal completa 1 ano cheia de desgastes

Disputas internas para substituir premiê António Costa e longo período no poder ajudam a erodir popularidade

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Lisboa

O primeiro ano da surpreendente maioria absoluta do Partido Socialista no Parlamento de Portugal, conquistada em eleições antecipadas em janeiro de 2022, foi marcado por uma sucessão de escândalos políticos e pela queda acentuada da popularidade do premiê António Costa.

A confortável vantagem legislativa, que permite a aprovação de quase todos os planos do Executivo sem necessidade de negociação com outros partidos, não se refletiu em tranquilidade política.

Premiê de Portugal, António Costa, durante sessão parlamentar em Lisboa - Patricia de Melo Moreira - 5.jan.23/AFP

Além de escândalos com membros do alto escalão, o governo enfrenta grande pressão social com a convocação de paralisações e protestos em diversos setores, incluindo uma greve de professores das escolas públicas que teve grande adesão popular.

O longo período do Partido Socialista no poder também contribui significativamente para o desgaste, afirma a cientista política Paula Espírito Santo, professora da Universidade de Lisboa. Costa governa o país desde 2015, tendo, antes da maioria absoluta, o apoio legislativo de outras legendas de esquerda na chamada "geringonça", uma aliança até então inédita em Portugal.

"Se esta maioria absoluta tivesse iniciado o período de governo do atual premiê, estaríamos diante de algum frescor. No caso de Costa, ele está no cargo há mais de sete anos, um tempo que acabou por ser erosivo no plano político", diz a especialista.

Os últimos meses foram marcados por uma série de demissões de figuras do alto escalão português, incluindo ministros e secretários de Estado, em meio a escândalos variados.

O recorde de menos tempo no cargo coube a Carla Alves, que permaneceu 25 horas no posto de secretária da Agricultura. A demissão ocorreu após o jornal Correio da Manhã revelar que ela tinha contas sob apreensão judicial devido a investigações envolvendo o marido, Américo Pereira, ex-prefeito de Vinhais.

Cerca de uma semana antes, em 27 de dezembro, a recém-empossada secretária do Tesouro, Alexandra Reis, também pediu demissão. O estopim foi a divulgação de que ela recebeu uma indenização de € 500 mil (cerca de R$ 2,8 milhões) após deixar o conselho de administração da companhia aérea TAP, que tem o Estado português como maior acionista.

A empresa passa por um plano de reestruturação e conta com uma injeção de € 3,2 bilhões (R$ 17,6 bi) dos cofres públicos. Embora prevista em contrato, a indenização —e a discussão pública sobre se o governo sabia ou não do vultoso pagamento à secretária– fez outras vítimas, incluindo o então ministro dos Transportes, Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, que pediu demissão.

Cotado como possível candidato à sucessão de Costa na liderança do Partido Socialista, Nuno Santos já havia passado por um processo de fritura política meses antes, quando anunciou a localização de um novo aeroporto para Lisboa e foi, pouco depois, desautorizado pelo primeiro-ministro.

"Não sei até que ponto isso não é resultado de uma disputa interna para a sucessão do premiê", afirma Francisco Pereira Coutinho, analista político e professor de direito na Universidade Nova de Lisboa, elencando a busca de poder e influência entre os socialistas como outro fator a contribuir para a crise.

A aparente fragilidade do Executivo já desperta pedidos, na oposição, para que o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, dissolva o Parlamento e convoque eleições antecipadas. O chefe de Estado usou o mecanismo, apelidado de bomba atômica, em dezembro de 2021, quando o então governo minoritário socialista falhou na aprovação do Orçamento.

Na avaliação de Espírito Santo, esse cenário deveria ser cogitado como último recurso, mas ela lembra que o presidente já afirmou que a maioria absoluta não é uma "condição ilimitada de poder".

O desgaste político se reflete nas pesquisas de opinião. No levantamento mais recente, o Partido Socialista teria, em caso de novas eleições, 27,1% dos votos —o que ainda seria suficiente para vencer o pleito, mas com um desempenho aquém até de uma maioria simples.

A pesquisa revela ainda que o maior partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata), de centro-direita, não conseguiu se estabelecer como alternativa e aparece com 25,1% dos votos.

Os partidos mais à direita, no entanto, seguem crescendo, apoiadas em um discurso crítico aos socialistas. A legenda de ultradireita Chega, cujo líder coleciona declarações discriminatórias contra minorias, aparece com 12,9% das intenções de voto.

No último fim de semana, durante a convenção que o reelegeu presidente da sigla, o deputado André Ventura sinalizou que o partido exigirá ministérios para viabilizar um futuro governo à direita.

"Esse é o grande xadrez político. Por enquanto, nenhum partido de direita quer assumir essa possibilidade de aliança com o Chega", diz Paula Espírito Santo.

Para Coutinho, a pergunta ainda sem resposta é como a direita conseguiria formar um governo estável com uma Assembleia da República em que eles terão uma representação parlamentar mais robusta.

Costa concedeu uma entrevista à RTP, a TV pública lusa, para assinalar o primeiro aniversário da maioria absoluta. Na ocasião, admitiu que o governo "cometeu erros", mas fez uma avaliação positiva do período.

O premiê, no entanto, atribuiu mais peso a problemas externos. "O maior tropeção que enfrentamos neste ano foi a guerra desencadeada pela Rússia na Ucrânia e a consequência brutal que teve no país."

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