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Premiê da Espanha encara críticas por libertação 'sem querer' de criminosos sexuais

Lei repercute mal para Pedro Sánchez, mas apoiadores culpam juízes por 'aplicação incorreta da regra'

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Barney Jopson
Madri | Financial Times

O premiê espanhol, Pedro Sánchez, está em meio a uma tempestade política após a lei de comportamento sexual aprovada por seu governo resultar na libertação antecipada de agressores sexuais.

Ele enfrenta apelos para mudar a legislação batizada de "só sim significa sim", elogiada por tentar impedir que vítimas sejam pressionadas com perguntas sobre consentimento no tribunal. Mas a regra levou inesperadamente à redução das sentenças de prisão de criminosos, provocando indignação pública.

A capacidade de reação de Sánchez é limitada por seu aliado de coalizão, o grupo de esquerda Podemos, que vê a lei como uma das principais conquistas de seus ministros e resiste a alterações significativas.

O premiê espanhol, Pedro Sánchez, durante entrevista coletiva junto ao presidente francês, Emmanuel Macron, ao fundo, em Barcelona
O premiê espanhol, Pedro Sánchez, durante entrevista coletiva junto ao presidente francês, Emmanuel Macron, ao fundo, em Barcelona - Pau Barrena - 19.jan.23/AFP

As penas reduzidas transformaram a lei num problema em um ano eleitoral no qual o premiê busca outro mandato, alimentando ataques de críticos de direita que o acusam de minar o Estado de Direito. O Partido Popular, de oposição, afirma que mais de 250 criminosos sexuais tiveram suas penas diminuídas.

Na segunda-feira (30), Félix Bolaños, ministro do Partido Socialista, de Sánchez, deu o sinal mais claro de que o primeiro-ministro está pronto para apoiar as emendas. "Queremos corrigir [a lei] para mitigar os efeitos indesejados que ela gerou. Não queremos que eles se repitam", disse ele. Mas o Podemos, de cujos votos Sánchez precisa para aprovar a legislação no Parlamento, continuou atrapalhando, ao insistir que o problema não é a legislação, mas a forma como ela está sendo aplicada por juízes.

A lei do consentimento foi adotada após um escândalo sobre as sentenças brandas dadas a cinco homens que estupraram uma jovem de 18 anos na festa da corrida de touros em Pamplona em 2016.

Um tribunal de primeira instância os considerou culpados do crime de abuso sexual, que não envolve violência ou intimidação, depois de os advogados de defesa alegarem que a mulher havia consentido. A Promotoria disse que ela estava assustada demais para se mover. Por fim, a Suprema Corte anulou o veredicto e decidiu que os homens cometeram estupro, aumentando as sentenças de nove para 15 anos.

A nova lei afirma que o consentimento sexual deve ser claramente comunicado e não pode ser presumido quando a vítima permanece em silêncio. Como resultado, eliminou a distinção anterior entre abuso sexual e o crime mais grave de agressão sexual, que envolve violência. A mudança gerou sentenças mais duras para muitos delitos, mas, ao reclassificar os crimes, também abriu a porta para alguns tribunais determinarem que algumas sentenças existentes deveriam ser reduzidas. Isso levou dezenas de condenados a serem libertados da prisão porque já haviam cumprido a pena exigida.

Manifestantes protestam contra o governo de Pedro Sánchez na praça Cibeles, em Madri
Manifestantes protestam contra o governo de Pedro Sánchez na praça Cibeles, em Madri - Susana Vera - 21.jan.23/Reuters

Irene Montero, ministra da Igualdade da Espanha e membro do Podemos, disse que os juízes que tomaram essas decisões faziam parte de uma "ofensiva de direita contra um dos mais importantes avanços em políticas públicas do feminismo nos últimos 20 anos". Autoridades do Podemos afirmaram que não aceitariam nenhuma modificação que levasse a Espanha de volta ao tempo em que as mulheres tinham que provar que resistiram para serem consideradas vítimas de agressão sexual.

Pablo Echenique, porta-voz do Podemos, postou no Twitter que o Ministério da Justiça –encabeçado por um aliado de Sánchez– e o PP queriam voltar "ao modelo anterior que perguntava às vítimas: "Vocês fecharam bem as pernas? Quanto você tinha bebido? Você arriscou sua vida dando um soco nele?".

O conservador PP tenta manter a atenção na libertação de criminosos sexuais, com Borja Sémper, seu porta-voz de campanha, dizendo no domingo (29) que Sánchez "não queria confrontar o Podemos".

O PP se ofereceu para votar com os socialistas e promover o que definem como correção da nova lei. Mas Isabel Rodríguez, porta-voz do governo, disse que era "quase impossível imaginar" que os oposicionistas concordassem com qualquer coisa. "Esperamos por eles em tantas ocasiões ao longo desta legislatura e recebemos um 'não' como resposta", disse ela. "O que eles estão fazendo aqui é oportunismo político."

Antonio Barroso, vice-diretor de pesquisa da empresa de consultoria Teneo Intelligence, disse que o furor provavelmente não destruirá a coalizão. "Em geral, o Podemos abre frentes que criam problemas e tensões para Sánchez", afirmou. "Portanto, há muito barulho. Mas no final a coalizão não se desfaz."

Segundo Barroso, o primeiro-ministro prefere se concentrar no desempenho econômico da Espanha, reconhecendo que o país tem inflação baixa em comparação com seus pares da União Europeia e baixo desemprego para seus próprios padrões. "A Espanha está num lugar relativamente bom economicamente. Ele gostaria de falar sobre isso. As questões sociais são menos boas para ele."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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