'Vídeo repugnante' de ação policial que matou homem negro preocupa autoridades nos EUA

Tyre Nichols, 29, foi morto em abordagem ainda não esclarecida; cinco ex-agentes, também negros, foram acusados de homicídio

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BAURU (SP)

Cinco policiais de Memphis, nos Estados Unidos, foram formalmente acusados de assassinato nesta quinta-feira (26) devido à morte de Tyre Nichols, um homem negro de 29 anos. Ele faleceu em decorrência de uma abordagem dos cinco agentes —todos negros— que vem sendo descrita como repugnante.

A ação ocorreu em 7 de janeiro, e Nichols morreu três dias depois. Ainda não há, no entanto, detalhes sobre por que ele foi parado pelos agentes e o que de fato ocorreu na abordagem policial —em parte porque as autoridades de Memphis estão agindo com cautela e algum grau de preocupação com a divulgação das imagens das câmeras presas às fardas dos agentes.

A expectativa é de que os vídeos sejam tornados públicos nesta sexta-feira (27), depois das 18h no horário local (21h de Brasília).

Memorial para Tyre Nichols, 29, homem negro morto em abordagem policial em Memphis, nos EUA - Scott Olson - 26.jan.23/Getty Images via AFP

"Estamos aqui hoje devido a uma tragédia que fere profundamente uma família, mas também a todos nós", disse Steve Mulroy, promotor distrital que apresentou as acusações.

Sem revelar detalhes, ele contou que Nichols foi parado pelos policiais e que houve "uma altercação", durante a qual os agentes jogaram spray de pimenta nele. O homem então fugiu a pé —e a descrição do que se seguiu foi imprecisa. "Houve outra altercação num local próximo em que o sr. Nichols sofreu ferimentos graves."

A autópsia oficial do caso ainda não foi concluída, mas advogados da família disseram em entrevista à CNN americana que um exame médico constatou que ele foi severamente espancado. "Nenhuma mãe deve passar pelo que estou passando agora —perder seu filho da forma violenta que eu perdi o meu", disse RowVaughn Wells em entrevista coletiva nesta sexta.

Os cinco policiais foram identificados como Tadarrius Bean, Demetrius Haley, Emitt Martin 3º, Desmond Mills Jr. e Justin Smith. Suas idades variam de 24 a 32 anos e seus tempos de serviço em Memphis vão de dois anos e meio a cinco anos. Eles faziam parte de uma unidade especializada que patrulhava áreas de alta criminalidade da cidade, a segunda maior do estado do Tennessee —e onde mais de 60% dos 630 mil habitantes são negros.

Além das acusações de homicídio, os cinco responderão por agressão e sequestro, ambos com agravantes, má conduta oficial e opressão oficial.

Todos foram demitidos no sábado (21), após investigação interna no departamento concluir que violaram os protocolos, usaram força excessiva, falharam na abordagem e não prestaram socorro. Eles também foram detidos na manhã de quinta, mas, segundo o jornal americano The New York Times, acabaram liberados nesta sexta-feira (27) depois de pagarem fianças que variaram entre US$ 250 mil (R$ 1,3 milhão) e US$ 350 mil (R$ 1,8 milhão).

O diretor do Escritório de Investigação do Tennessee, David Rausch, disse em entrevista coletiva que ficou enojado com o que viu nos vídeos das câmeras corporais. "Em poucas palavras, é absolutamente terrível. O que aconteceu não reflete de forma alguma o policiamento adequado. Foi errado. Foi criminoso."

A chefe do Departamento de Polícia de Memphis, Cerelyn Davis, publicou um vídeo em que pede à população que reaja com calma à divulgação das imagens, descritas como hediondas e desumanas. "Espero que nossos cidadãos exerçam o direito da Primeira Emenda [da Constituição] de protestar, exigir ação e resultados, mas precisamos garantir que nossa comunidade esteja segura. Espero que sintam o que a família Nichols sente. Que se sintam indignados com o desrespeito aos direitos humanos básicos", disse. À CNN ela completou: "Vocês verão imagens que desafiam o sentido de humanidade".

O presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou em comunicado que a morte de Nichols "é um lembrete doloroso de que devemos fazer mais para garantir que nosso sistema de justiça criminal cumpra a promessa de justiça justa e imparcial, tratamento igualitário e dignidade para todos".

O democrata também pediu protestos pacíficos e, reconhecendo que a violência policial afeta pessoas não brancas desproporcionalmente, voltou a cobrar do Congresso a aprovação da lei nomeada em homenagem a George Floyd, que prevê uma série de reformas policiais e ficou travada no Senado.

Na tarde desta sexta, Biden ligou para os pais de Nichols. "Ele era um garoto incrível", disse o presidente em uma conversa de dez minutos com a família. Segundo o relato do jornal The Washington Post, ele contou que estava olhando para o busto de Martin Luther King no Salão Oval durante a ligação e convidou a família a visitar a Casa Branca. Segundo a Presidência, ele não teve acesso ao vídeo.

O governador do Tennesse, Bill Lee, do Partido Republicano, disse em nota que "o abuso cruel e criminoso de força não será tolerado" e que Memphis e seu Departamento de Polícia "precisam examinar com atenção a má conduta e a falha que ocorreu na unidade."

A família Nichols assistiu às imagens da polícia no início da semana, acompanhada de seu advogado, Ben Crump —famoso por representar familiares de vítimas em outros casos notórios de violência policial e racismo nos EUA, como os de Floyd e Breonna Taylor.

Nesta sexta, o advogado afirmou à imprensa que um legado adequado a Nichols inclui mudanças na polícia, como uma legislação para exigir que o agente intervenha se presenciar outros policiais usando força excessiva.

Antonio Romanucci, que trabalha com Crump, afirmou que o vídeo mostra Nichols sendo espancado como uma "piñata humana" —referindo-se à tradição hispânica de arrebentar um recipiente cheio de doces em festas de aniversário. O espancamento teria ocorrido por cerca de três minutos, depois dos quais Nichols foi agredido com armas de choque. "Não foi apenas violento, foi selvagem", disse Romanucci.

"Esse jovem perdeu a vida de uma forma particularmente repugnante, que aponta para a necessidade desesperada de mudança e reformas, para garantir que essa violência pare de ocorrer", afirmou Crump.

O advogado comparou a morte de Nichols ao caso de Rodney King. Em 1991, quatro policiais foram filmados espancando o homem negro. Os agentes foram presos e, no ano seguinte, soltos, gerando uma onda de protestos em Los Angeles que acirrou tensões raciais e deixou mais de 50 mortos e 2.000 feridos.

Ainda segundo Crump, as últimas palavras de Nichols no vídeo dos policiais são dele chamando três vezes pela mãe. A abordagem que resultou em sua morte ocorreu a cerca de 100 metros da casa dela. Ele trabalhava na FedEx e costumava passar o horário de jantar na casa da mãe. Deixa um filho de quatro anos.

Com Reuters e The New York Times

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