Descrição de chapéu China Coronavírus

China anuncia 'vitória decisiva' contra Covid, mas dados levantam dúvidas

País afirma ter registrado 83 mil mortes entre dezembro e fevereiro; projeções previam mais de 1 milhão

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São Paulo

A China declarou nesta sexta (17) o fim oficial do pico de casos de Covid no país. O anúncio, divulgado pelo Comitê Permanente do Politburo após reunião a portas fechadas, é feito cerca de três meses após o relaxamento da política de contenção do vírus que resultou em cenas de caos no sistema de saúde.

O anúncio foi alçado à manchete do jornal Global Times, alinhado ao Partido Comunista Chinês: "China alcança enorme e decisiva vitória contra a epidemia de Covid". Segundo o texto, o gigante asiático não só superou a doença, "um milagre na história da civilização humana" dado o seu contingente populacional, como manteve as menores taxas de mortes em decorrência do coronavírus no planeta.

Yoyo Liang, residente da China continental, recebe dose de vacina da BioNTech contra o coronavírus em uma clínica privada em Hong Kong
Yoyo Liang, residente da China continental, recebe dose de vacina da BioNTech contra o coronavírus em uma clínica privada em Hong Kong - Tyrone Siu - 12.jan.23/Reuters

Para especialistas, porém, a divulgação faz ressurgir questões até hoje sem resposta sobre o real impacto do vírus no país. Uma das perguntas é o total de mortes causadas pela Covid desde o início da pandemia.

O texto do Global Times não faz alusão ao número, optando em vez disso por registrar a quantidade de mortes entre 8 de dezembro e 9 de fevereiro, de 83 mil, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). A cifra contrasta com a estimativa de 1,4 milhão de óbitos por Covid no mesmo período enviada pela Airfinity, empresa de dados britânica, a pedido da Folha —e com outras projeções, que estimavam entre 1 milhão e 1,5 milhão de mortes decorridas da doença após o pico de infecções.

Uma série de fatores pode explicar essa diferença entre esses números. Um deles é que a cifra oficial chinesa de mortes só contabiliza aquelas ocorridas em hospitais. A título de comparação, entre 2018 e 2020, cerca de 80% de todas as mortes na China se deram em domicílios.

Além disso, logo após o fim da política de Covid zero, o regime impôs uma metodologia que determinava que só mortes decorridas de pneumonia ou insuficiência respiratória seriam contabilizadas como relacionadas ao vírus, o que excluiu óbitos vinculados a falência hepática, renal ou cardíaca, por exemplo.

Ainda há suspeitas sobre a confiabilidade dos dados sobre a doença que são de fato registrados pelo regime. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou, no início deste ano, para uma subnotificação generalizada dos casos do vírus no país, fosse em termos de mortes ou de internações hospitalares e em UTIs —Pequim deixou de enviar relatórios à organização no início de dezembro.

Em âmbito doméstico, dois dos principais órgãos de saúde, o CDC e a Comissão Nacional de Saúde (NHC), haviam anunciado que deixariam de divulgar informes diários sobre casos e mortes pelo vírus, num apagão que impossibilita um acompanhamento mais detalhado da evolução da epidemia. À época, alegaram que o fim de medidas mais restritivas impossibilitava o rastreamento da doença na prática.

Por fim, o panorama registrado pela mídia local e estrangeira ao fim das restrições foi de desordem, com hospitais lotados, funcionários trabalhando mesmo doentes e uma alta não totalmente explicada na demanda de serviços funerários. O Global Times descreve um cenário bem diferente disso e afirma que, segundo os líderes do partido, a transição para a abertura foi "acertada e suave".

Especialistas em saúde pública citados pelo texto do jornal estatal afirmam que a declaração da cúpula do Partido Comunista marcaria o fim oficial da pandemia no país e a transformação da Covid em uma doença endêmica, isto é, recorrente e com taxas gerais estáticas, que não aumentam nem diminuem.

Ainda assim, os membros do Comitê Permanente afirmam que agora é necessário implementar uma nova fase de controle, reforçando sistemas de monitoramento e de alertas e preparando a população idosa para uma nova campanha de vacinação.

O anúncio do Politburo é feito semanas antes do encontro anual do Parlamento do partido, em um momento no qual os dirigentes tentam reerguer uma economia arrasada por três anos da política de Covid zero. Nesta semana, uma reforma do sistema de saúde pública que provocaria cortes nos repasses para gastos médicos de aposentados levou centenas deles às ruas de Wuhan, no centro, e de Dalian, no sul.

Com Reuters e The New York Times

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