Descrição de chapéu União Europeia machismo

Feministas denunciam 'reforma sexista' proposta por Macron para a Previdência

Terceira greve geral contra proposta do governo da França mobiliza mulheres e leva quase 2 milhões às ruas

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Toulouse (França)

"Reforma sexista, greve feminista", dizia o cartaz exibido pela servidora pública Kenza Ezzemzemi, 24, nesta terça-feira (7), em Toulouse, no sul da França, durante a terceira jornada de manifestações e greve geral contra a proposta de reforma da Previdência do governo de Emmanuel Macron.

O projeto, apresentado no início de janeiro pela primeira-ministra Elisabeth Borne e que agora passa pelas comissões do Parlamento sob forte resistência dos partidos de centro e de esquerda, pretende aumentar a idade mínima para a aposentadoria, de 62 para 64 anos, até 2030. A reformulação quer também prolongar os anos de contribuição, de 42 para 43 anos, já em 2027 para que se tenha acesso a uma pensão integral.

O terceiro dia de mobilização desde o anúncio de Borne reuniu quase 2 milhões de pessoas, segundo a junta intersindical, que reúne as oito maiores centrais sindicais do país pela primeira vez em 12 anos. De acordo com o ministério do Interior, foram 757 mil manifestantes em todo o país.

A servidora pública Kenza Ezzemzemi, 24, durante a terceira greve geral contra a proposta de reforma da previdência de Emmanuel Macron em Toulouse, na França
A servidora pública Kenza Ezzemzemi, 24, durante a terceira greve geral contra a proposta de reforma da previdência de Emmanuel Macron em Toulouse, na França - Fernanda Mena/Folhapress

As cifras são menores do que as dos protestos do dia 31 de janeiro, quando governo e sindicatos contabilizaram 1,3 milhão e 2,8 milhões de manifestantes, respectivamente. Mas são ainda um pouco maiores do que aquela da primeira chamada contra a proposta de reforma, em 19 de janeiro, com 1,1 milhão de pessoas, segundo o ministério. Uma nova mobilização foi marcada para o próximo sábado (11).

Em atos desta terça, foram grupos feministas que abriram as passeatas com cartazes como o de Kenza, gritos de guerra e paródias de hits da música pop que falam sobre baixos salários, trabalho doméstico, patriarcado e igualdade e anunciam: "C’est la greve feministe!" (é uma greve feminista).

"As mulheres terão de trabalhar dois anos a mais, sendo que já desempenham mais funções não remuneradas durante a vida do que os homens", diz Kenza, que afirma ser parte da aliança de movimentos sociais Revolução Permanente. "Se olharmos por essa perspectiva, a reforma é ainda mais injusta."

Ela se refere a cuidados com a casa, filhos e pessoas idosas, desproporcionalmente desempenhados por mulheres na França, assim como no Brasil. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos (Insee), enquanto 7% dos homens inativos afirmam estar sem trabalho formal por motivos familiares ou por executarem trabalhos domésticos, entre as mulheres inativas esse percentual é de 54%.

Esse dado está refletido na taxa de emprego de 2021, que também aponta para a disparidade de gênero. As francesas atingem o pico na faixa entre 35 e 40 anos, quando 88% dos homens estão empregados, contra 76% das mulheres. Para a professora Delphine Lannes, 46, o fato de as mulheres tirarem licença-maternidade ou interromperem o trabalho temporariamente para cuidar dos filhos torna impossível o pagamento das cotas necessárias à aposentadoria integral. "Queremos algo mais justo e que partilhe a riqueza que, de uma maneira ou de outra, ajudamos a produzir."

A assistente social Alina Rubio, 65, ilustra a observação da professora. Apesar de já ter idade para se aposentar segundo a regra ainda vigente, ela ainda não conseguiu cumprir as cotas de contribuição necessárias para receber o benefício integral. "Tive dois filhos, tirei licenças, trabalhei meio período por muito tempo. Agora, venho aqui por meus filhos e netos", diz.

Manifestantes contra a reforma da Previdência ocupam monumento na Praça da Bastilha, em Paris, no terceiro dia da jornada de protestos contra o projeto de Emmanuel Macron
Manifestantes contra a reforma da Previdência ocupam monumento na Praça da Bastilha, em Paris, no terceiro dia da jornada de protestos contra o projeto de Emmanuel Macron - Sameer Al-Doumy/AFP

A reforma da dupla Macron-Borne parece espelhar ou mesmo aprofundar as desigualdades de gênero na sociedade francesa. Hoje, as mulheres recebem pensão média de € 1.274 por mês, 24% menos que os homens (€ 1.674). Isso porque as mulheres ganham, em média, salários 16% menores do que os homens.

Elas são maioria em atividades menos valorizadas dos setores de educação, saúde e limpeza e também estão desproporcionalmente presentes nos trabalhos de meio período –28% das mulheres contra 8,3% dos homens têm esse tipo de arranjo de trabalho.

Um estudo de impacto sobre a proposta de reforma da Previdência apontou que as mulheres serão mais penalizadas pelo projeto. Enquanto os franceses terão que trabalhar cinco meses a mais para se aposentar segundo as novas regras propostas, as francesas precisarão de sete meses.

Quando questionado sobre o assunto, o próprio ministro das Relações com o Parlamento, Franck Riester, um tanto envergonhado, admitiu diante do Senado Federal, na semana passada, que "elas são, de certa forma, penalizadas pelo adiamento da idade legal". "Isso não se pode negar."

A primeira-ministra correu para consertar a situação. "Não posso deixar que se diga que nosso projeto não protegeria as mulheres. Pelo contrário", disse. Em uma tentativa de apagar o fogo, Borne propôs que pessoas em carreira longa, ou seja, que começaram a trabalhar antes dos 21 anos, possam antecipar a aposentadoria para os 63, não 64. Trata-se de uma medida que não fazia parte do primeiro texto proposto.

"A diferença entre as mulheres trabalhadoras organizadas e Borne é que ela é uma mulher burguesa, que não precisa se submeter a trabalhos violentos e mal pagos", diz Rozenn Kovol, 21, do coletivo feminista De Pão e de Rosas. "Essa é uma reforma antifeminista e patriarcal", afirma ela, antes de pegar seu megafone e puxar o coro de uma versão de "Freed from Desire", canção de Gala Rizzatto, rebatizada como "Sem a gente, o mundo para" por um grupo feminista de Rennes, no norte da França.

A letra, que se tornou um dos hinos do protesto, diz: "Nosso trabalho, assalariado ou doméstico, faz o capitalismo perdurar. Antes da corveia, é tempo de bloquear tudo. Revoltar-se! E isso vai explodir".

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