Turcos se enfurecem com resposta de Erdogan ao terremoto; mortes passam de 15 mil

População turca se queixa de demora em chegada de socorristas e de falta de assistência em meio ao frio e à fome

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São Paulo

À medida que cresce o número de mortes após o terremoto de magnitude 7,8 na Turquia, atualizado para 12.391 nesta quarta (8), aumenta também a insatisfação da população frente à reação do governo ao desastre —que totaliza mais de 15 mil óbitos quando somadas as 2.992 mortes registradas na Síria.

O sismo atingiu uma zona remota e pouco desenvolvida do país, o que agravou o desafio das equipes de emergência. Os impactos em rodovias e as condições climáticas desfavoráveis, de neve e chuva, também dificultaram a atuação dos socorristas, trazendo pessimismo à perspectiva de encontrar sobreviventes.

Homem caminha entre destroços em rua de Hatay, no sul da Turquia, após área ser atingida por terremoto de 7,8 de magnitude - Bulent Kilic - 7.fev.22/AFP

A situação de calamidade fez o presidente Recep Tayyip Erdogan decretar estado de emergência em dez províncias. Sobreviventes nas regiões mais atingidas reclamam, porém, de jamais terem visto sinais de equipes de resgate, além de passarem frio e fome. "Não vimos nenhuma distribuição de comida, ao contrário do que houve em desastres locais anteriores. Sobrevivemos ao terremoto, mas vamos morrer de fome ou de frio", queixou-se Melek, 64, em Antakya, no sul do país.

Relatos de pessoas que se viram obrigadas a escavar os destroços em busca de familiares soterrados com as próprias mãos, sem equipamentos adequados ou mesmo roupas para o frio, também se multiplicaram nos primeiros dias após o desastre —o tremor se deu de madrugada, e muitos dos sobreviventes fugiram de suas casas sem nem sequer calçar sapatos.

Em Gaziantepe, no sudeste, os cães farejadores e escavadeiras só chegaram um dia e meio após o terremoto. "É tarde demais. Agora esperamos os nossos mortos", resumiu à AFP uma mulher que tinha perdido a tia.

Na mesma cidade, Celal Deniz, 61, afirmou que moradores chegaram a ensaiar um protesto pela manhã da terça, mas a polícia interveio. Ele questionou o que foi feito do dinheiro recolhido com a chamada "taxa de terremoto", imposto implementado no país após o tremor de 1999 que matou mais de 17 mil pessoas. Suas receitas, estimadas em US$ 4,6 bilhões (cerca de R$ 24 bilhões), supostamente foram revertidas na prevenção de catástrofes como a de agora e na promoção de serviços de resgate.

A situação narrada por parte da população foi ecoada por Ugur Poyraz, secretário-geral do partido de oposição Iyi (Partido do Bem). "A ajuda definitivamente não está sendo coordenada de modo profissional", afirmou ele. "Cidadãos e equipes locais estão se unindo às operações de resgate por conta própria para salvar as pessoas nos escombros."

As autoridades afirmam que mais de 12 mil socorristas atuam na busca e no resgate de vítimas, e que outras 9.000 tropas foram mobilizadas —o governo estima que 13,5 milhões de pessoas foram diretamente atingidas pelo sismo. Segundo o New York Times, 8.000 pessoas foram socorridas.

Em visita à província de Kahramanmaras, próxima do epicentro do terremoto, nesta quarta, Erdogan admitiu que houve problemas na resposta inicial ao tremor, em especial devido aos danos a rodovias e aeroportos. Mas afirmou que as operações haviam se normalizado e que a população deveria ignorar declarações de "provocadores" e se ater à comunicação oficial do governo.

"Estamos melhor hoje e vamos melhorar amanhã. Ainda temos problemas de combustível, mas também os superaremos", afirmou o presidente a jornalistas, com sirenes de ambulâncias como pano de fundo.

Depois, ao chegar a Hatay, outra das províncias mais atingidas pelo tremor, afirmou que o momento era de "unidade e solidariedade", e que não conseguia conceber "campanhas negativas com interesses políticos". O líder populista enfrenta os desafios de dar assistência à população e reconstruir o país dois meses antes de uma das eleições mais disputadas nas duas décadas em que está no poder.

A NetBlocks, organização que monitora a internet livre pelo mundo, afirmou que o Twitter foi bloqueado no país por diversas provedoras, mas não esclareceu se a ação foi ordenada pelo governo. Ancara aumentou o controle sobre plataformas em 2020, obrigando as redes sociais a terem representantes legais no território turco e forçando as empresas a remover conteúdos considerados problemáticos em 48 horas.

"Como é que o Twitter é restrito em um dia em que a comunicação salva vidas?", questionou Ali Babacann, líder do partido de oposição DEVA. A plataforma vinha sendo utilizada por familiares das vítimas em busca de informações sobre desaparecidos e para coordenação de redes de ajuda.

Corpos de vítimas do terremoto na Turquia são enfileirados em ginásio esportivo em Kahramanmaras, no epicentro do sismo, na Turquia - Dilara Senkaya/Reuters

Mesmo com os trabalhos de resgate avançando lentamente, as dimensões da catástrofe, já considerada um dos piores desastres naturais do século, vêm se tornando mais visíveis. Nesta quarta, estádios e estacionamentos do sudeste do país amanheceram inundados por fileiras de corpos. Familiares em busca de entes queridos levantavam com delicadeza as mantas que cobriam seus rostos para tentar identificá-los. Quando os reconheciam, recebiam do promotor local certificados de óbito e permissão para enterrá-los, em seguida os levando para os próprios carros.

Erdem, 36, socorrista que atuava num estacionamento em Hatay, disse que os necrotérios estavam cheios e que os responsáveis aguardavam a chegada de um caminhão refrigerado para armazenar os cadáveres.

Cenas semelhantes foram vistas na Síria, que teve sua porção norte fortemente atingida pelo terremoto. Equipes de emergência têm tentado chegar a algumas das áreas em que os danos foram mais críticos, mas experimentam os mesmos obstáculos que seus vizinhos turcos: estradas comprometidas, condições climáticas desfavoráveis e ausência de equipamento próprios para resgate. Algumas localidades estão sem combustível e eletricidade desde o terremoto.

O embaixador de Damasco na ONU admitiu que o regime de Bashar al-Assad não tem sido capaz de responder à situação de forma adequada, mas creditou seu fracasso à guerra civil que assola o país há quase 12 anos e às sanções ocidentais sobre a ditadura, isolada internacionalmente.

Autoridades sírias afirmam ter aberto 180 abrigos para acolher os que perderam suas casas durante o desastre —as estimativas são de 298 mil desabrigados. Os números aparentemente se referem às áreas sob controle de al-Assad.

Além disso, vários dos mortos em decorrência do tremor na Turquia eram refugiados da Guerra da Síria. Seus corpos chegam agora à fronteira em táxis ou empilhados em caminhões e vans antigas, para serem enterrados em sua antiga pátria.

Ainda nesta quarta, o papa Francisco ofereceu suas preces às vítimas do terremoto e pediu que a comunidade internacional continue a apoiar os esforços de resgate e de reconstrução nos dois países. Mais de 25 países e organizações, incluindo o Vaticano, anunciaram envio de ajuda humanitária à região.

Com AFP e Reuters

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