Terremoto esmaga cidade na Turquia e transforma prédios em montes de areia

Nurdagi, vilarejo que tinha 40 mil habitantes, enfrenta falta de caixões para enterrar vítimas

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Nurdagi (Turquia)

Para chegar lá, a rodovia passa por belos morros nevados, repletos de arbustos escuros.

A estrada sinuosa exibe moinhos de vento e pequenos povoados até que, lá embaixo, revela-se um vale muito verde. No centro desse vale está Nurdagi. Na manhã do último domingo (5), ali era uma bela cidade com 40 mil pessoas, a cerca de 75 km de Gaziantepe, a capital da província no sul da Turquia.

Prédios de cinco ou seis andares dividiam as ruas com lojas e pequenos restaurantes. Um único semáforo comandava o trânsito na rotatória de entrada. Após a madrugada de segunda-feira (6), tudo havia mudado. Nurdagi era uma cidade esmagada. Centenas de prédios estavam no chão.

Segundo moradores e equipes de resgate, a população havia se reduzido a 20 mil. Quase todos os outros 20 mil estariam enterrados sob os escombros. O número não foi confirmado por autoridades.

Prédio destruído na cidade de Nurdagi, onde metade da população está desaparecida
Prédio destruído na cidade de Nurdagi, onde metade da população está desaparecida - Ivan Finotti/Folhapress

A Folha visitou a cidade na sexta-feira (10), e a desolação é estarrecedora. A região foi o epicentro do terremoto que matou até agora mais de 28 mil pessoas no país e na vizinha Síria na última semana.

Não há nem sequer ruas, pois os prédios caíram em cima delas. Não se pode dizer qual é o escombro de qual edifício, tudo se mistura como areia. Nenhuma loja possui vidros mais.

Milhares de tendas da Afad, a agência de desastres turca, espalham-se onde há espaço livre. Não há água nem energia. As pessoas se aquecem queimando madeira retirada das casas. Dezenas de equipes trabalham a cada cem metros, com tratores, escavadeiras. As ambulâncias se revezam quando há corpos.

No começo da tarde, surge a notícia de que uma pessoa foi encontrada viva em uma das escavações próxima à entrada da cidade. Será possível, após cinco dias enterrado? A equipe usa ferramentas que abrem concreto e cortam os vergalhões usados nas construções. Cerca de 40 pessoas sobem em uma montanha de detritos para tentar ver melhor a retirada. Há uma faixa que impede os curiosos de entrar.

Um bombeiro abre um cobertor metálico dourado e cobre o homem. Logo depois, ele é levado de maca até a ambulância. Descobrimos depois que não é um turco, mas um sírio de 55 anos, pai de seis crianças. A primeira coisa que ele pediu quando o resgate chegou até ele foi um cigarro.

Antes dele, os filhos já haviam sido retirados. Todos mortos. Todos, no entanto, aferram-se à vida salva. "Deus é bom", gritam os socorristas, assim que a porta da ambulância é fechada. "Deus é bom", respondem todos que acompanham. O mantra é repetido e respondido mais duas vezes.

Uma senhora que não teve forças para se levantar e acompanhar o salvamento está sentada em uma cadeira de plástico. Ela é entrevistada por uma jornalista canadense que trabalha para a TV chinesa.

Sua história é curta e imensa: o marido, a filha de 30 anos e mais três crianças de 5, 8 e 13 anos estão enterrados na pilha de escombros atrás dela. Ela toca a pilha vez ou outra. O socorrista Ihsan Dolor explica que o prédio onde a senhora vivia tinha dez apartamentos. "Estimamos que havia cerca de 40 pessoas quando caiu. Já extraímos 30 corpos." Há entre 600 e 2.000 socorristas atuando em Nurdagi.

O cemitério local não tem mais espaço. Durante o dia, uma procissão fúnebre de carros utilitários chega com cadáveres. Não há caixão para todos. Usam-se lonas ou sacos. Uma escavadeira abre covas.

O governo turco calcula 13,5 milhões de pessoas afetadas de alguma forma pela tragédia, num país de 85 milhões. Na sexta, o ministro do Urbanismo, Murat Kurum, afirmou que são 12.141 o número de edifícios que colapsaram. A cifra, no entanto, deve aumentar à medida que as inspeções continuarem.

De acordo com o Departamento de Engenharia Terrestre da Universidade do Bósforo, que estimou a destruição sofrida pela cidade de Kahramanmaras, com 670 mil habitantes, 2.192 edifícios ficaram completamente destruídos, e 20 mil, de um total de 50 mil, estão inabitáveis.

À imprensa local o governador Mahmut Demirtas disse que "cidadãos benevolentes se mobilizaram". "Chegou um grande carregamento aqui de alimentos e roupas. Equipes de busca e salvamento, além de voluntários, foram mobilizados. Houve uma coordenação sistemática em Nurdagi. Começamos a montar barracas para os nossos cidadãos ficarem. Criaremos áreas onde eles possam ficar com algum conforto."

As casas desses cidadãos, se não caíram inteiras, estão pela metade. Sem paredes, um quarto azul se revela a quem passa numa rua nos limites da cidade. Uma penteadeira, um espelho surpreendentemente inteiro, os travesseiros e o cobertor com motivos florais ainda estão em cima da cama de casal.

No cômodo ao lado, a mesa de jantar ainda tem a toalha posta. Duas poltronas e um sofá imaculados, brancos, resistem e parecem deslocados em meio aos buracos nas paredes.

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