Mãe turca perde filho de vista no terremoto e chora há três dias sem conseguir falar

Depois de 96 horas desde a tragédia, parentes já assistem a resgate de forma resignada

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Gaziantepe (Turquia)

Adnan Korkut é um estudante de 17 anos que vivia com a família em um prédio residencial de quatro andares na região central de Gaziantepe, cidade próxima ao epicentro do terremoto que atingiu a Turquia e a vizinha Síria na madrugada da última segunda (6). Agora, o edifício está completamente destruído.

Nesta quinta (9), Nejat Ozkok, primo do adolescente, ainda aguardava ao lado de familiares o resgate de Korkut. Ele se postou em frente ao prédio e dorme há três noites ali mesmo, em uma pequena praça.

Familiares de pessoas desaparecidas no terremoto que atingiu a Turquia aguardam notícias em praça na cidade de Gaziantepe
Familiares de pessoas desaparecidas no terremoto que atingiu a Turquia aguardam notícias em praça na cidade de Gaziantepe - Ivan Finotti/Folhapress

"Minha tia conseguiu correr na hora do desastre. Meu primo ficou para trás", conta Ozkok, acrescentando que eles moravam no primeiro andar. Questionando se a mãe do rapaz poderia falar com a reportagem, ele afirma ser impossível. "Ela não fala há três dias. Apenas chora." Enfrenta a culpa de ter sobrevivido.

Ainda há esperança de vê-lo vivo, mas essa possibilidade cai de forma abrupta com o passar das horas. Em breve, completar-se-ão 96 horas desde que o abalo sísmico de magnitude 7,8 fez a cidade tremer.

A essa altura, sem comer ou beber, uma pessoa embaixo de escombros, ainda que esteja protegida por algum arranjo fortuito de vigas que lhe garanta respirar, provavelmente está muito próxima da morte.

Essa família não está sozinha na praça em frente ao prédio. Cerca de 60 outras pessoas estão na mesma condição, aquecendo-se em fogueiras montadas entre os bancos ou dentro de latões cortados ao meio.

Desde que o resgate começou, dizem eles, 12 pessoas foram retiradas vivas do prédio destruído. E cinco corpos. Ao se aproximar de um grupo de senhoras de lenço na praça, a reportagem é interrompida por um rapaz, que diz, em inglês e muito delicadamente, que "talvez tenhamos que falar com os maridos primeiro". "Pedir permissão, entende?" Mas os maridos não estão por ali naquele momento.

A Afad, agência de desastres turca, alvo de reclamações de ausência ou atraso em diversas regiões, está presente, mas não responde a perguntas. "Não é o momento propício", limita-se a dizer um dos agentes. São eles que compõem o grupo de resgate e fornecem tendas e comida aos que não saem de lá.

Leyla Cibele Koce é uma das voluntárias trabalhando na praça nos últimos dias. Professora de costura, ela serve comida na tenda principal montada pela Afad e não aceita não como resposta. Leva sopa, pão e chá para as famílias sentadas nos bancos e corre atrás das caras novas, para garantir que todos ali se alimentem a contento.

Todo dia por volta das 20h, ela volta para casa, nos arredores da cidade, para junto de seus dois filhos. Mas voltar para casa, aqui, é um eufemismo. A casa de Leyla é um apartamento e, apesar de o prédio estar aparentemente íntegro, ela não ousa entrar ali com as crianças. Desde o início da semana, a família dorme no carro.

Equipes de outros países ajudam na remoção dos destroços da destruição a três quilômetros da praça, no bairro de Ibrahimli, no extremo oeste de Gaziantepe. Ali não é possível ultrapassar o cordão de isolamento.

Dezenas de pessoas assistem a uma escavadeira amarela, no topo de uma montanha de escombros, direcionar sua pá para o que restou de mais um edifício residencial. Pedaços de azulejos, móveis, canos e caixas d’água caem do alto a cada movimento da máquina. Quando uma ou duas paredes despencam, levanta-se um pó que atravessa a rua e envolve as pessoas. Ao chegar mais perto, é possível entender que os escombros onde a escavadeira subiu não são apenas restos disformes.

São os dois primeiros andares de outro prédio, aparentemente tão recheados de detritos dos andares superiores que se tornam um platô suficientemente resistente para a enorme máquina transitar em cima. É estranho, pois as paredes desses dois andares próximos ao chão, assim como suas janelas, seguem ali.

Uma visita ao Castelo de Gaziantepe, no centro antigo da cidade, até a semana passada um local de visitação turística, permite ver as enormes pedras romanas que rolaram colina abaixo.

O castelo foi construído por Roma entre os anos 200 e 300 depois de Cristo, mas mesmo antes disso o morro já era usado como centro de observação da região pelo império hitita. Agora, a seus pés, algumas famílias acampam no estacionamento do local, em tendas improvisadas de plástico azul.

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