Cidades em Portugal mantêm padres suspeitos de abusos em dioceses

Bispo do Porto afirma que haverá suspensão de clérigos em caso de confirmação de suspeitas; Lisboa diz aguardar mais dados

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Natália Faria Daniela Carmo
Público

A Comissão de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis de Lisboa recebeu uma lista com 24 nomes de padres acusados de terem abusado sexualmente de menores, enviada pela Comissão Independente ao cardeal-patriarca de Lisboa, dom Manuel Clemente, informou nesta sexta-feira (10) o patriarcado em comunicado.

Da lista, oito padres já morreram, dois estão doentes e retirados de suas funções, três referem-se a padres "sem qualquer nomeação" e cinco são de padres na ativa. O patriarcado afirma que desconhece outros quatro nomes, além de um leigo e de um padre que "já abandonou o sacerdócio".

Por enquanto, e ao contrário do que se verifica noutras dioceses, que já somam cinco padres que foram preventivamente afastados de suas funções, nenhum dos padres implicados no patriarcado de Lisboa foi alvo de qualquer medida cautelar.

a fotografia, tirada contra a luz, mostra a fachada escura de uma igreja histórica
Fachada de igreja em Lisboa, Portugal - Patricia de Melo Moreira/AFP

"Esta comissão diocesana solicitou de imediato à comissão independente os dados que dizem respeito à lista nominal, de forma a tornar possível a entrega ao cardeal-patriarca das recomendações que lhe permitam fundamentar a proibição do exercício público do ministério dos sacerdotes atuantes e adotar as devidas responsabilidades no apoio e respeito pela dignidade das vítimas", lê-se no referido comunicado. O texto acrescenta que Lisboa "aguarda em caráter de urgência" a resposta da comissão que foi coordenada pelo psiquiatra da infância Pedro Strecht.

A diocese do Porto também divulgou nesta sexta-feira que recebeu uma lista com 12 nomes de padres que teriam cometido abusos sexuais contra menores, entregue ao Ministério Público. Dos nomes listados, quatro já morreram e um já não pertence à diocese.

De acordo com o comunicado da entidade, "por informação oral do Grupo de Investigação Histórica, ficou-se a saber que as denúncias se reportam às décadas de 1970 e 1980".

Nenhum dos clérigos foi afastado de suas funções. No entanto, foi iniciada uma "investigação prévia a respeito dos sete clérigos vivos". "Se, entretanto, aparecerem indícios confiáveis, o bispo diocesano não hesitará em suspender preventivamente o clérigo em causa", informa a diocese.

"Nos arquivos diocesanos, não se encontra qualquer indício de possíveis crimes de abusos, tal como, aliás, o Grupo de Investigação Histórica já tinha verificado. Também não foi encaminhada qualquer denúncia relativa a estes nomes à Comissão Diocesana para o Cuidado dos Frágeis", diz o comunicado.

Na sequência do que foi proposto pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o bispo auxiliar dom Américo Aguiar deixou o cargo de coordenador da Comissão Diocesana de Lisboa, que será assumido interinamente pelo antigo procurador-geral da República José Souto de Moura.

A CEP quer ver os clérigos afastados dessas comissões, numa tentativa de recuperar a confiança e a tranquilidade das vítimas, fomentando assim a apresentação de denúncias.

Moura é também o coordenador nacional das diferentes comissões diocesanas, criadas em 2020 por imposição do Papa Francisco, que quis garantir a existência, em cada diocese do mundo, de estruturas seguras de acolhimento às vítimas de abusos sexuais por membros da Igreja.

Possíveis indenizações

Nesta quinta (9), o então coordenador da comissão diocesana de proteção a menores, dom Américo Aguiar, citou a possibilidade de a Igreja pagar indenizações às vítimas, considerando possíveis casos de encobrimento.

"Se a pessoa condenada não tiver condições para pagar a indenização imposta, a Igreja deve suprir. Se ficou claro e evidente, sem dúvidas para ninguém, que da parte da Igreja houve encobrimento, colaboração ou silêncio, defendo que, nesse caso, a Igreja deve assumir a indenização a essa vítima", declarou aos jornalistas.

"A pessoa que cometeu o crime deve ser condenada, com todas as consequências quer para a sua liberdade quer para o seu patrimônio, mas defendo que a Igreja deve suprir, não como favor, mas como obrigação sua, se um agente seu que foi condenado não tiver condições para o fazer", explicitou, ressalvando que essa, entretanto, não seria a obrigação legal da Igreja. Porém, "como cristão e como bispo", Aguiar diz sentir que "a Igreja deve fazê-lo".

A posição destoa do que foi defendido dias antes pelo cardeal-patriarca de Lisboa, dom Manuel Clemente, para quem falar em indenizações é "insultuoso" para as vítimas.

Anteriormente, pouco tempo depois do presidente da Conferência Episcopal, dom José Ornelas, ter preconizado que o eventual pagamento de indenizações compete ao abusador e não à Igreja enquanto instituição, o arcebispo de Évora, dom Francisco Senra Coelho, disse, numa entrevista ao Público e à Rádio Renascença, que pode haver responsabilidade da Igreja enquanto instituição no caso dos abusos sexuais cometidos por clérigos. Logo, poderá haver lugar ao dever de indenização.

"Imaginemos que [a Igreja] falhou na formação. Imaginemos que esse senhor já era reincidente. Essa tal questão da ocultação. Imaginemos que se prove que existiu. Foi um senhor que teve um problema na paróquia A, B, X e foi colocado na paróquia Z. Imaginemos, por exemplo, que a situação do sacerdote era uma situação doentia, de tal modo que não teria possibilidade de ser pároco e foi nomeado pároco. Imaginemos que o lugar onde ele confessava não tinha dignidade nem condições e nunca a autoridade eclesiástica viu que aquilo era, de fato, um recanto de escuridão. Então, a Igreja terá também como instituição as suas responsabilidades e a Igreja terá de indenizar no contexto da legislação portuguesa", declarou.

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