França, berço de ideias feministas, encara sexismo persistente, aponta estudo

Para 93% dos franceses, mulheres e homens não recebem tratamento igualitário

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Toulouse (França)

Apesar de ser um importante berço do feminismo, a França, na visão dos próprios franceses, ainda é uma sociedade sexista. Pesquisa lançada neste ano pelo Alto Conselho de Igualdade entre as Mulheres e os Homens do país mostra que 93% avaliam que mulheres e homens não são tratados de forma igualitária.

O relatório apontou uma deterioração na percepção de paridade de gênero em diversas áreas, com impactos concretos na vida cotidiana e na trajetória profissional das mulheres. A França ocupa hoje a 15ª posição no ranking de igualdade de gênero elaborado pelo Banco Mundial, atrás de várias outras nações europeias como Islândia, Noruega, Suécia e Alemanha. O Brasil ocupa a 94ª colocação.

Manifestante com o símbolo do gênero feminino pintado no rosto durante protesto em Paris
Manifestante com o símbolo do gênero feminino pintado no rosto durante protesto em Paris - Alain Jocard - 20.nov.21/AFP

O país em que a escritora e filósofa medieval Christine de Pizan (1364-1430) defendeu, ainda no início do século 15, o direito das mulheres à educação e à vida intelectual vê hoje a avaliação de que 53% dos franceses enxergam que mulheres e homens são tratados igualmente em escolas, faculdades e estágios — queda de nove pontos percentuais em relação à mesma pesquisa realizada em 2021.

Em "A Cidade das Damas", de 1405, De Pizan refutou a ideia de que mulheres eram intelectualmente menos capazes do que homens ao apontar para as diferenças na educação recebida por elas como fonte dessas assimetrias. Ainda hoje, no entanto, muitas mulheres se sentem menos capacitadas para atuar em áreas dominadas por homens e estão sobrerrepresentadas em atividades precárias e mal remuneradas.

Segundo a pesquisa do Alto Conselho de Igualdade, 37% das francesas dizem ter sofrido discriminação sexista em suas escolhas profissionais, e 15% afirmam ter desistido de seguir carreiras nas áreas científicas ou digitais como gostariam —num contexto em que 41% dos franceses avaliam que as mulheres não são tão boas quanto os homens em profissões ligadas a tecnologia. Além disso, 35% das mulheres dizem que não ousaram pedir uma promoção ou aumento mesmo quando avaliavam merecê-lo.

Na mesma França em que a ativista e dramaturga Olympe de Gouges (1748-1793) denunciou a exclusão das mulheres das liberdades e dos direitos conquistados durante a Revolução Francesa de 1789, 14% das mulheres dizem hoje já terem sido submetidas a "ato sexual imposto", e 37% afirmam ter experimentado relações sexuais não consensuais. Ao mesmo tempo, apenas 12% dos homens admitem ter insistido numa relação sexual quando sua parceira não o desejava —ou seja, a conta não fecha.

Ao propor uma "Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã", em 1791, em oposição à carta revolucionária de direitos restritos aos homens e cidadãos, De Gouges já chamava a atenção para a necessidade de igualdade no tratamento de mulheres e homens. Na pesquisa, no entanto, 90% das francesas de hoje afirmam mudar seu comportamento para evitar situações em que possam ser alvo de sexismo: 55% delas evitam sair sozinhas, com medo de violência; 52% não se vestem como gostariam para evitar comentários; e 41% se esquivam de falar alto ou subir o tom em conversas com homens.

"Temos que entender que o sexismo comum —as pequenas coisas do cotidiano que parecem banais— leva ao sexismo mais violento", diz Sylvie Pierre-Brossolette, presidente do Alto Conselho, organização consultiva independente responsável por orientar a política governamental de igualdade na França.

A pesquisa indica ainda que entre esses sexismos comuns está o fato de 57% das francesas já terem sido submetidas a piadas ou comentários sexistas, enquanto 41% dizem ter experimentado desequilíbrio nas tarefas domésticas e 29% relataram terem sido alvo de comentários sobre seu vestuário ou sua aparência.

Outros dados indicam a persistência de estereótipos de gênero. Enquanto 35% dos homens consideram normal que mulheres cuidem melhor da aparência, só 17% das mulheres concordam com a avaliação. Há, ainda, o fato de 40% dos homens acharem normal que mulheres parem de trabalhar para cuidar dos filhos, contra 27% das mulheres. "O sexismo persiste e, infelizmente, ele é ainda mais prevalente na faixa entre os 25 e 34 anos de idade", apontou a presidente do Alto Conselho em entrevista à Radio France.

O relatório destaca o que chama de "ancoragem mais forte de clichês 'masculinistas'" nessa faixa etária, em que cerca de 23% dos homens consideram que às vezes é preciso ser violento para ser respeitado.

"Esta geração foi imersa em redes sociais, tecnologia digital e pornografia", afirma Pierre-Brossolette, destacando que nesses meios é recorrente a presença de "elementos banalizados da violência masculina".

Apresentados ao presidente Emmanuel Macron, os resultados da pesquisa do Alto Conselho de Igualdade entre as Mulheres e os Homens ensejaram o anúncio de uma série de medidas pelo líder francês.

Entre elas estão a priorização da educação em igualdade, a facilitação da rápida remoção de conteúdos degradantes e violentos das plataformas digitais e o reforço da Convenção de Istambul sobre o combate à violência contra as mulheres para encorajar a adesão de países não signatários.

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