Descrição de chapéu União Europeia

França tem atos violentos após decisão sobre Previdência; 310 pessoas são presas

Protestos registrados em 25 cidades reuniram mais de 50 mil pessoas, segundo balanço da polícia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Paris | AFP e Reuters

Mais de 50 mil franceses tomaram as ruas do país na noite de quinta-feira (16) em reação à decisão do governo Emmanuel Macron de impor a reforma da Previdência sem a chancela da Assembleia Nacional.

Protestos foram registrados em 25 cidades pelo país e, nesta sexta-feira (17), novos confrontos aconteceram na praça da Concórdia, perto do Parlamento, onde se reuniram cerca de 4 mil pessoas que gritavam contra o presidente e pela manutenção da idade de aposentadoria atual. Os manifestantes iniciaram um incêndio e jogaram pedras contra a polícia, que respondeu com gás lacrimogêneo. Horas depois, a praça foi desocupada, e 38 pessoas, segundo o jornal Le Figaro, foram presas.

"Recebemos esse anúncio como um insulto. Há semanas não somos escutados. Isso gerou muita raiva", afirmou Philippe Melaine à agência de notícias AFP, professor de uma escola de Rennes, no oeste da França, onde mais de 2.000 pessoas foram às ruas nesta sexta.

Lixo sobre calçada de Paris nesta sexta (17); sujeira por toda a cidade é consequência de paralisação dos garis, que se opõem à reforma da Previdência do governo Macron - Bertrand Guay/AFP

A manobra de Macron impulsionou a reivindicação nas ruas, que havia perdido força nos últimos dias após o maior protesto contra uma reforma social em três décadas, no dia 7 de março. Os embates contrastam com o caráter eminentemente pacífico dos atos que vinham ocorrendo desde o anúncio da reforma, em janeiro, e representam o maior desafio ao presidente desde o movimento dos coletes amarelos que marcou seu primeiro mandato.

O Ministério do Interior francês informou que 310 pessoas foram presas nos protestos —258 delas só em Paris, onde cerca de 10 mil manifestantes ocuparam a praça da Concórdia. Além do gás lacrimogêneo, as de segurança usaram jatos de água para dispersar a multidão, que ateou fogo a veículos e a latas de lixo. Ao menos 54 policiais ficaram feridos.

Nesta sexta-feira, um terço das pessoas detidas já haviam sido liberadas, segundo informou o Ministério Público de Paris à emissora francesa BFM —entre eles, Jerome Rodrigues, figura emblemática dos protestos dos coletes amarelos.

"A oposição é legítima, as manifestações são legítimas. A desordem não", afirmou o ministro do Interior, Gérald Darmanin, em entrevista à rádio RTL, antes de advertir que o governo não permitirá "manifestações espontâneas".

A despeito dos alertas, os atos continuaram. Na capital, quase 200 manifestantes bloquearam um anel rodoviário por meia hora durante a manhã. Várias escolas tiveram suas entradas bloqueadas, e sindicatos de professores convocaram novas greves para a semana que vem, às vésperas das provas específicas do Bac, o vestibular unificado francês. Sindicatos de setor industrial ainda programaram uma greve nacional para a quinta-feira (23).

Já a paralisação dos controladores de tráfego aéreo afetou as viagens: o governo pediu o cancelamento de 30% dos voos do aeroporto de Orly, na periferia de Paris, e 20% dos de Marselha-Provence, na próxima segunda-feira (20).

A decisão do governo de recorrer ao artigo 49.3 da Constituição para aumentar a idade de aposentadoria de 62 para 64 anos, sem submeter a medida ao voto dos deputados, só fez crescer a fúria da população, conhecida pela defesa ferrenha de direitos sociais, diante da reforma previdenciária. Um levantamento da Toluna Harris Interactive para a rádio RTL indica que oito entre dez franceses desaprovaram a estratégia, e 65% da população quer que greves e protestos continuem.

O dispositivo constitucional, visto como pouco democrático, foi uma aposta radical do governo diante das incertezas sobre a votação na Casa de uma reforma considerada crucial para as finanças públicas e para a agenda reformista de Macron, mas altamente contestada por deputados e pela população.

Desde que foi apresentado pela primeira-ministra, Elisabeth Borne, em janeiro deste ano, o projeto provocou a articulação de uma junta intersindical inédita nos últimos 12 anos —mesmo que a idade atual de aposentadoria na França seja uma das mais baixas da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube de países ricos.

Foi o gatilho para uma campanha de greves e manifestações contra o texto e levou milhões de franceses a protestar, paralisando serviços de coleta de lixo, educação, transporte público e geração de energia.

Uma aliança multipartidária que une siglas do centro e da esquerda apresentou na manhã da sexta uma moção de censura ao governo Macron, a ser votada no fim de semana ou, no mais tardar, na segunda-feira.

O instrumento tem o poder de derrubar a primeira-ministra e rejeitar o texto sobre o qual ela evocou sua responsabilidade ao impor aprovação automática —neste caso, a reforma da Previdência.

A moção precisa, no entanto, da aprovação da maioria absoluta dos parlamentares. E embora Macron tenha perdido essa maioria nas eleições passadas, as chances de que a medida avance são pequenas —ela exigiria a improvável união de deputados de todos os espectros, do mais à esquerda ao mais à direita.

Por fim, mesmo se a moção for aprovada no Parlamento, o presidente francês poderia em reação reconduzir a primeira-ministra ao cargo ou mesmo dissolver a Assembleia Nacional.

Desde 1958, moções de censura não têm obtido votos suficientes para serem efetivadas, de modo que se tornaram um meio simbólico de manifestação do repúdio de deputados à ausência de debate parlamentar.

Além de elevar a idade mínima para aposentadoria, a reforma da Previdência também prolonga os anos de contribuição dos franceses para acesso à pensão integral, de 42 para 43 anos, já a partir de 2027.

A reformulação também mexe nos chamados regimes especiais —aqueles dedicados a atividades consideradas mais penosas, como as de garis, bombeiros, policiais e enfermeiros, que podem se aposentar antes das demais categorias, teriam a idade mínima elevada de 57 para 59 anos.

Segundo o governo, a reforma vai representar uma economia de € 18 bilhões (cerca de R$ 101 bilhões). Ela representa uma aproximação da França aos parâmetros adotados por outros países da União Europeia, que já elevaram suas idades mínimas de aposentadoria. Este movimento é repudiado pelos franceses, que prezam a qualidade de seu sistema público de segurança social. Para virar a página rapidamente, membros do governo já preparam reformas mais populares.

Protesto na praça da Concórdia, em Paris, contra a reforma da Previdência do governo Macron na madrugada desta sexta (17) - Thomas Samson/AFP

A França tem o maior gasto governamental do planeta, equivalente a 55% do Produto Interno Bruto (PIB). Durante a fase mais crítica da pandemia, essa fatia chegou aos 60%, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). No Brasil, os gastos do governo são de 45%.

O gasto francês com o sistema de aposentadorias é o maior do mundo rico, atrás apenas de Itália e Grécia, e consome cerca de 14% do PIB —montante que se aproxima do desembolso brasileiro somando-se União, estados e municípios.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.