Homem que acusou George Santos está foragido sob acusação de torturar criança

Gustavo Trelha teve ordem de prisão decretada pela Justiça brasileira em fevereiro do ano passado

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Lúcia Guimarães
Nova York

O brasileiro que acusa o deputado americano George Santos de ser o cabeça de uma quadrilha de clonagem de cartões de crédito e débito é foragido da Justiça do Espírito Santo sob a acusação de suposto crime de tortura.

O ex-comissário de bordo Gustavo Ribeiro Trelha foi destaque da imprensa dos EUA nas últimas semanas por ter denunciado o congressista republicano, filho de brasileiros, alvo de múltiplas investigações nos EUA e no Brasil.

Post de Trelha no Instagram em que ele aparece no Peru, em 2021 - Reprodução

Preso em flagrante manipulando um dispositivo de clonagem de cartões em Seattle, em 2017, Trelha foi indiciado e deportado para o Brasil no mesmo ano. Cinco anos depois, em fevereiro de 2022, ele teve ordem de prisão decretada depois de ser denunciado pela suposta tortura de uma criança de 2 anos, filho da namorada com quem vivia.

O pai do ex-comissário, Dimorvan de Mello Trelha, disse à Folha acreditar que o filho já havia fugido para a França meses antes de um oficial de Justiça bater à sua porta munido de mandado de prisão expedido pela Polinter (Delegacia de Polícia Interestadual) do Espírito Santo. Dimorvan afirmou que não tinha conhecimento do crime.

Em 2017, Trelha alugava um quarto no apartamento de George Santos, na Flórida. Nesse mesmo ano, o futuro deputado chegou a viajar a Seattle para depor em favor dele diante de um juiz, ocasião em que, como já foi divulgado, ele mentiu sobre ser executivo do Goldman Sachs. Naquele momento, Santos descreveu Trelha, que estava preso, como um amigo de sua família.

O site jornalístico americano Politico obteve uma gravação do depoimento de Santos durante a audiência de fiança para Trelha, que foi estabelecida em US$ 250 mil. O ex-comissário não conseguiu pagar esse valor e, depois de sete meses de detenção, foi deportado.

No dia 12 de junho de 2019, o menino de 2 anos foi internado na área de emergência do hospital Unimed de São Gonçalo (RJ). Segundo o advogado da família da criança, Felipi Martins, em relato à Folha, o hospital não dispunha de recursos de pediatria para atender o garoto, que apresentava hematomas e fraturas em três pontos do crânio, resultado de um ou múltiplos espancamentos.

Ainda segundo o advogado, o menino foi transferido para a unidade da Unimed de Niterói para uma cirurgia de crânio.

Martins se encarregou da investigação que resultou na denúncia de tortura e, posteriormente, nos mandados de prisão para Trelha e para a mãe do menino. Por se tratar de um menor, o processo segue em segredo de Justiça.

A Folha teve acesso aos autos. Martins agora foi declarado assistente de acusação, função que consiste em auxiliar o Ministério Público em ações penais públicas. A primeira audiência do julgamento de Trelha e da mãe da criança foi marcada para o dia 24 de abril na 2ª Vara Criminal de Vitória.

Segundo Martins, Trelha tem um passado violento. O advogado apresentou à reportagem uma ex-namorada do acusado, que não quis revelar sua identidade por temer o temperamento de Trelha. Ela diz ter sido vítima de estelionato e assédio quando o relacionamento acabou.

A Folha tentou entrar em contato com o advogado de Trelha por mais de um mês. Na quarta (22), a reportagem conseguiu um número de celular que seria do próprio Trelha, registrado como sendo da Holanda e fornecido por pessoas próximas dele. Como resposta, uma indicação que o número foi cancelado.

Numa conta do Instagram, atribuída a Trelha por conhecidos, aparecem imagens de países europeus. Não é possível dizer, no entanto, em qual país ele se encontra neste momento.

Semelhanças

Além do episódio da fraude bancária em 2017, Trelha compartilha com Santos outra predileção, criar mentiras sobre o próprio passado.

Segundo Martins, ele se fez passar por piloto quando era, na verdade, comissário de bordo. Dimorvan, o pai dele, confirma que Trelha completou apenas o primeiro estágio de um curso e tinha licença para pilotar apenas monomotor —nunca trabalhou como piloto comercial.

Dimorvan se diz perplexo ao saber que o filho teria se apresentado à Justiça Federal americana como informante contra George Santos e fornecido um telefone de contato às autoridades em Nova York. "Em vez de ficar quieto, vai colocar mais combustível no problema. Parece insanidade total", disse.

Post publicado por Trelha no Instagram em março de 2022 com foto de Annecy, na França - Reprodução

O pai, um teólogo metodista aposentado, conta ter recebido uma breve mensagem de texto do filho há cerca de um mês –foi o último contato entre eles. Dimorvan acredita que ele esteja na França. "Não estou dando as costas o meu filho," conta, dizendo que pode oferecer orações. "Procurei dar a melhor educação, mas se ele não aprendeu, perto dos 40 anos, não aprende mais."

Omissão

No começo deste mês, o Politico publicou uma declaração, que afirmou ter sido feita "sob juramento" por Trelha à Justiça dos EUA, por intermédio de um escritório de advocacia em Long Island, região vizinha a Nova York, que elegeu George Santos para o Congresso, em dezembro passado.

O escritório pertence a Grant Lally, publisher do North Shore Leader, um jornal local que afirma ter sido o primeiro a denunciar as inconsistências no currículo de Santos. Lally é um republicano que, no passado, concorreu pelo mesmo distrito que elegeu Santos.

"Estou me apresentando hoje para declarar que o responsável pelo crime de fraude com cartão de crédito quando fui preso era George Santos/Anthony Devolder", afirmou Trelha.

A condição de foragido da Justiça não foi mencionada pelo site ou pelo advogado Mark Demetroupoulos, que encaminhou o documento para o Departamento de Justiça e para o FBI (ambos investigam Santos) e também para o Serviço Secreto americano.

Post publicado por Trelha em março de 2022 mostra paisagem da cidade francesa de Annecy - Reprodução

Na declaração que foi redigida em inglês e traduzida para português para Trelha assinar, o réu fugitivo diz que Santos mantinha uma parafernália de clonagem de cartões e rachava os lucros com ele pela metade, mas acabou roubando todo o seu dinheiro.

No dia 10 deste mês, Santos disse à rede NBC que não era "líder de nada", colaborou como informante para a Justiça americana em Seattle e que já havia entrado em contato com o FBI após a publicação da reportagem pelo Politico.

Chama a atenção o fato de o advogado Mark Demetropoulos, de Nova York, ter procurado um foragido acusado de um crime violento e o oferecido como testemunha com credibilidade à Justiça americana, omitindo todo o processo judicial brasileiro.

Demetropoulos demonstrou nervosismo ao atender a ligação da Folha e disse que não poderia falar sobre o tema. Quando a reportagem perguntou se ele gostaria de saber quais fatos foram apurados sobre Trelha no Brasil, ele bateu o telefone.

Santos disse à reportagem por telefone que teve três ou quatro interações com Trelha, quando sublocou seu apartamento em Orlando. Também afirmou que nunca mais ouviu falar dele depois da deportação em 2017.

O deputado repetiu que jamais cometeu o crime de fraude bancária e cooperou com os investigadores americanos na época. Afirma que se prepara para acionar na Justiça o advogado Mark Demetroupoulos e o site Politico.

Quem é quem no caso Trelha

George Santos - Nova-iorquino filho de brasileiros, foi eleito em novembro de 2022 o primeiro deputado gay republicano eleito no estado. É investigado por disseminar uma série de mentiras durante a campanha. Em 2017, alugou um quarto em seu apartamento para Trelha

O deputado republicano George Santos em Washington em fevereiro deste ano - Aaron Schwartz 10.fev.2023/Xinhua

Gustavo Ribeiro Trelha - Ex-comissário de bordo, foi preso e deportado dos EUA para o Brasil por crime de fraude bancária, em 2017. Acusou Santos recentemente de ser o cabeça de uma quadrilha de clonagem de cartões. Está foragido da Justiça do Espírito Santo, acusado de ter supostamente espancado uma criança de 2 anos, em 2019.

Felipi Martins - Advogado de Niterói (RJ), contratado pela família do garoto para investigar os maus tratos sofridos por ele depois que o menino deu entrada em um hospital em São Gonçalo (RJ). Forneceu informações à Justiça que levaram ao mandado de prisão de Trelha e da mãe da criança.

Dimorvan de Mello Trelha - pai de Gustavo, é teólogo metodista e professor aposentado. Diz que só foi informado do caso de suposto espancamento quando um oficial de Justiça bateu à sua porta com um mandado de prisão para Gustavo. Acredita que o filho esteja na Europa.

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