George Santos volta a ser alvo de suspeitas após venda de iate de R$ 100 milhões

Transação é uma das pistas de investigação conduzida pelo FBI sobre arrecadação da campanha do deputado republicano

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Rebecca Davis O'Brien William K. Rashbaum
The New York Times | The New York Times

A venda de um iate de luxo por US$ 19 milhões (cerca de R$ 102,3 milhões) negociada pelo deputado George Santos entre dois de seus doadores mais ricos chamou a atenção de autoridades federais e estaduais americanas, que investigam as finanças da campanha e os negócios pessoais do congressista.

A transação, que não havia sido noticiada antes, é uma das cerca de uma dúzia de pistas seguidas pelo FBI, pelo escritório do procurador dos Estados Unidos no Brooklyn, em Nova York, e pelo escritório do promotor distrital do condado de Nassau, disseram fontes familiarizadas com a investigação.

Promotores e agentes do FBI tentaram nas últimas semanas questionar o novo proprietário do superiate de 42 metros –Raymond Tantillo, um revendedor de automóveis de Long Island– sobre o barco e seus negócios com Santos, incluindo seus esforços de arrecadação de fundos na campanha.

Tantillo comprou o barco de Mayra Ruiz, uma doadora republicana de Miami. Santos negociou o pagamento –US$ 12,25 milhões (R$ 65,9 milhões) à vista, com mais US$ 6,5 milhões (R$ 35 milhões) em parcelas– e assessorou os dois na logística de entrega do iate, segundo uma pessoa informada sobre a venda, que ocorreu algumas semanas antes da eleição de Santos, em novembro.

Não está claro quais leis podem ter sido violadas na transação. Vários especialistas em direito eleitoral disseram que, se a venda foi projetada para injetar dinheiro na campanha de Santos, pode estar violando a lei federal que rege os limites das contribuições de campanha. Também poderia ser ilegal se Santos vinculasse qualquer comissão que recebesse na venda a doações anteriores ou futuras.

Mas mesmo que Santos não tenha infringido nenhuma lei, o negócio serve como mais uma evidência de uma narrativa que vem sendo feita por pessoas em sua órbita política: de que Santos parecia usar sua campanha não apenas para ganhar cargos eletivos, mas também como um exercício de rede para cair nas boas graças de ricos doadores e enriquecer com esses contatos.

Santos nega irregularidades. Joe Murray, advogado que o representa em possíveis questões criminais, recusou-se a comentar, assim como porta-vozes do FBI, do escritório do procurador no Brooklyn e do promotor distrital de Nassau, que está trabalhando com as autoridades federais na investigação.

As finanças da campanha de Santos e os negócios pessoais estão sob escrutínio após as revelações do The New York Times em dezembro de que Santos havia inventado ou "enfeitado" a maior parte de seu currículo. Desde então, o Times noticiou curiosas omissões em seus arquivos de campanha, um fundo não registrado ligado a ele e outras irregularidades financeiras.

Um mistério central é o salto repentino e inexplicável da renda de Santos e onde ele conseguiu o dinheiro para emprestar a si próprio cerca de US$ 700 mil (R$ 3,7 milhões) ao longo de sua campanha em 2022.

Durante sua primeira candidatura ao Congresso, em 2020, ele relatou uma renda de US$ 55 mil (cerca de R$ 291 mil). Dois anos depois, informou um salário de US$ 750 mil (R$ 3,9 milhões) e mais de US$ 1 milhão (R$ 5,3 milhões) em dividendos de sua empresa, a Devolder Organization, com sede na Flórida, que Santos descreveu como um negócio de "introdução de capital".

Santos, um republicano, disse publicamente que sua empresa intermediou negócios entre clientes de alto patrimônio líquido. Em entrevista à Semafor, em dezembro, procurou explicar seu trabalho dizendo que, se um cliente quisesse vender um avião ou um barco, o colocava entre os seus contatos, acrescentando que tinha conseguido alguns contratos milionários.

"Se você está procurando um iate de US$ 20 milhões (R$ 107,7 milhões)", disse ele à Semafor, "minha taxa de indicação pode estar entre US$ 200 mil e US$ 400 mil" (algo entre R$ 1 e R$ 2 milhões). Acontece que havia, de fato, um iate no valor de quase US$ 20 milhões.

fotografia do superiate, grande barco de luxo, atracado num porto
O superiate Namastê, rebatizado de Neverland, atracado na cidade de Fort Lauderdale, na Flórida - Scott McIntyre - 7.mar.2023/The New York Times

Em 2019, como mostram os registros, John H. Ruiz, advogado e empresário de Miami, comprou um superiate feito pelo estaleiro italiano Mangusta. O iate, que estava cotado na época em € 18 milhões (R$ 99,2 milhões), acomoda 12 hóspedes e sete tripulantes e conta com piscina infinita, cachoeira e chuveiro ao ar livre. Chamava-se Namastê, uma saudação em hindi.

Ruiz, um advogado de Coral Gables, na Flórida, especializado em processos de saúde e imperícia, ganhou notoriedade no ano passado quando abriu o capital de sua empresa de análise de dados. A MSP Recovery teve avaliação recorde de quase US$ 33 bilhões (R$ 174,6 bilhões), tornando Ruiz um bilionário. Mas as ações despencaram imediatamente para um dólar por unidade e, em junho de 2022, ele e o cofundador da empresa emprestaram à mesma US$ 113 milhões (R$ 608,3 milhões) para cobrir o déficit.

Ruiz não doou para a campanha de Santos, mas sua mulher, Mayra, foi uma apoiadora particularmente generosa. Os registros financeiros da campanha mostram que, em 31 de março de 2022, Mayra Ruiz doou US$ 10.800 (R$ 57.151) ao comitê conjunto de arrecadação de fundos de Santos. Mais tarde, ela foi uma das primeiras a dar dinheiro a Santos depois que ele venceu a eleição.

Santos não revelou nenhum de seus clientes da Devolder. Mas, em dezembro, o Tantillo Auto Group –rede de concessionárias de carros de Tantillo, em Long Island– e duas organizações ligadas à família de Ruiz foram identificadas pelo The Daily Beast como clientes da empresa. O Daily Beast citou Mayra Ruiz dizendo que a família contratou a Devolder no início de 2022, mas não forneceu mais detalhes.

Mayra não respondeu a pedidos de comentários. Christine Lugo, advogada de Ruiz, disse que seu cliente "não está interessado em fazer nenhuma declaração além do que já divulgou publicamente, que não sabe quem é George Santos e que nunca contribuiu para suas campanhas, nem fez qualquer negócio com ele".

Santos, segundo muitos relatos, misturou arrecadação de fundos para campanhas com oportunidades de negócios pessoais. Vários doadores descreveram encontros com Santos em eventos de arrecadação de fundos nos quais ele citava acordos que poderia negociar com outros doadores em setores como seguros e farmacêuticos, ou contava a eles sobre doadores que procuravam vender empresas ou artigos de luxo.

Santos se oferecia para apresentar as pessoas, com o entendimento implícito de que aceitaria uma comissão, disseram. As ofertas eram frequentemente acompanhadas de pedidos de doações. Nenhum dos outros arranjos potenciais descritos ao Times parece ter resultado em negócios.

Entre os doadores que cortejou, Santos parece ter se aproximado de Tantillo, segundo fontes familiarizadas com o relacionamento entre eles.

Tantillo doou mais de US$ 17 mil (R$ 90 mil) para a campanha de Santos e comitês afiliados. Consta que sua ex-mulher deu pelo menos US$ 5.000 (R$ 26, 5 mil) a mais, assim como outra ex-mulher. (Os limites de contribuição nas disputas para o Congresso de Nova York em 2022 foram ligeiramente alterados depois que uma decisão do tribunal estadual derrubou um mapa eleitoral e forçou uma primária em agosto; a Comissão Eleitoral Federal sustentou que os candidatos poderiam arrecadar fundos adicionais.)

Em agosto, Santos abordou Tantillo com uma oferta para lhe vender o iate. O acordo foi firmado no final de setembro em Coral Gables, e Santos sugeriu mover o barco para uma zona de livre comércio no porto, disse a fonte. É comum que as vendas de barcos ocorram em uma zona de livre comércio antes de ir para o exterior –muitas vezes, as Bahamas– e retornar com um novo proprietário, segundo outra fonte familiarizada com a venda e com o sistema portuário de Miami.

Em 3 de novembro de 2022, o Namastê partiu para as Bahamas de seu cais em West Palm Beach, na Flórida. Quinze dias depois, mostram os registros do porto, o barco voltou para a Flórida sob uma nova bandeira –a das Ilhas Cayman–, com um nome diferente e um novo proprietário.

Tantillo rebatizou o barco de Neverland (Terra do Nunca).

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