Netanyahu faz recuo estratégico e adia reforma judicial em Israel

Premiê diz querer evitar guerra civil pelo diálogo; anúncio desmobilizou greve geral e atraiu elogios de aliados estrangeiros

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São Paulo

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, anunciou nesta segunda-feira (27) que adiará o trâmite de sua controversa reforma judicial no Parlamento.

A decisão se dá depois de um quase racha da coalizão de direita no comando do país —e em meio a uma das maiores mobilizações populares da história israelense. O dia começou com uma greve geral que suspendeu decolagens no aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv, e ganhou a adesão espontânea de várias outras categorias, e terminou com protestos reunindo cerca de 100 mil pessoas na sede do Poder Legislativo, em Jerusalém.

"Quando há a possibilidade de evitar uma guerra civil pelo diálogo, prefiro fazer uma pausa em favor do diálogo", afirmou o premiê em pronunciamento a nação. Bibi não mencionou, no entanto, um dos novos acontecimentos que serviram de gatilho para mais uma onda de manifestações, a demissão do ministro da Defesa, Yoav Gallant, que se posicionou contra a reforma judicial.

Manifestantes contra e a favor da reforma judicial protestam em Jerusalém, onde fica o Parlamento de Israel - Ronen Zvulun/Reuters

O recuo estratégico, na prática, apenas muda a data das próximas votações de um dos pontos mais polêmicos do projeto de reformulação do Judiciário: elas ficam para a próxima sessão do Parlamento, no final de abril. Netanyahu também buscou contornar outro ponto delicado da reação negativa à reforma judicial condicionando o adiamento da votação ao compromisso de que reservistas do Exército não se negarão a trabalhar. Centenas deles assinaram recentemente uma carta em que afirmavam que se recusariam a comparecer a exercícios militares e a servir o Estado caso o projeto controverso avançasse.

"Israel não pode existir sem suas Forças Armadas, e as Forças Armadas não podem existir com soldados que se recusam a servir", disse o premiê, acrescentando que negativas significariam "o fim do Estado".

O anúncio do primeiro-ministro foi amplamente saudado e, a princípio, surtiu os efeitos esperados pelo governo Netanyahu. O Histadrut, sindicato que reúne cerca de 800 mil trabalhadores de diversas áreas, desmobilizou a greve geral que havia convocado; aliados estrangeiros de Israel que vinham demonstrando preocupação com a ofensiva contra o Judiciário, como Estados Unidos e Reino Unido, aplaudiram a tentativa de chegar a um consenso; e líderes da oposição afirmaram estar abertos ao diálogo, desde que princípios democráticos fossem respeitados durante as negociações.

À greve também haviam aderido governos locais, responsáveis por alguns serviços básicos, e o sindicato de médicos, o que afetava o funcionamento de hospitais. Portos, bancos, escolas, lojas e empresas interromperam suas atividades em apoio às manifestações, e a Israel Electric Corporation, maior fornecedora de energia no país e de territórios palestinos, anunciou redução horário de operação. Até o McDonald’s se juntou à causa e fechou suas lanchonetes.

Por fim, o presidente de Israel, Isaac Herzog disse que a pausa estratégica era "a coisa certa a fazer". Mais cedo, ele havia feito uma rara intervenção política pedindo que o premiê suspendesse a reforma judicial em nome da unidade nacional. Há duas semanas, Herzog chegou a propor uma versão alternativa do projeto de reformulação do Judiciário, citando inclusive o argumento de risco de guerra civil ao qual Netanyahu recorreu nesta segunda —na ocasião, Bibi rejeitou a opção criada pelo presidente.

Agora resta saber se um mês é o suficiente para resolver a crise institucional em que a nação está mergulhada desde o anúncio da ofensiva do governo contra o Judiciário. A coalizão hoje no poder argumenta que ela é necessária para tirar a Justiça das mãos de "magistrados elitistas e tendenciosos". Especialistas apontam, no entanto, que as mudanças propostas podem comprometer seriamente o equilíbrio dos Três Poderes e, em última instância, pôr em risco o Estado de Direito no país.

A expectativa original era de que Netanyahu fizesse seu pronunciamento pela manhã. Mas o discurso, cujo conteúdo foi adiantado por um dos partidos da coalizão governista, Otzma Yehudit (poder judaico) horas antes, foi sendo adiado à medida que o premiê se viu obrigado a lidar com uma crise entre os partidos que compõem sua gestão.

Um dos maiores opositores ao adiamento da reforma era o líder do Otzma Yehudit, Itamar Ben-Gvir. No Twitter, ele ameaçou tirar seu partido da coalizão caso Netanyahu suspendesse o trâmite do projeto —o que tiraria de Bibi a frágil maioria que ele conseguiu formar no Parlamento depois de cinco eleições em três anos.

Ben-Gvir enfim concordou com a pausa estratégica, mas também usou-a como brecha para impôr duas condições. A primeira é que o Ministério da Segurança Nacional, que ele chefia, ganhe uma Guarda Nacional própria, em um movimento que opositores suspeitam que possa guarnecer o ultradireitista de uma milícia para chamar de sua. A segunda, que um dos principais pontos da reforma judicial, que ganhou o aval para seguir pelo Comitê Constitucional de Lei e Justiça nesta segunda, fosse à votação já na próxima sessão do Parlamento.

A iniciativa em questão prevê que o governo tenha poder quase absoluto sobre a indicação de juízes, inclusive para a Suprema Corte, enfraquecendo o sistema de pesos e contrapesos em se baseia a ideia dos Três Poderes. A oposição entrou com uma moção de desconfiança contra o governo, mas ela não avançou —hoje a coalizão liderada por Netanyahu controla 64 das 120 cadeiras do Knesset.

O outro grande pilar da reforma judicial buscar limitar a interferência da Suprema Corte sobre o Parlamento. Na semana passada, a Casa aprovou um projeto de lei nesse sentido. A legislação protege primeiros-ministros de ordens judiciais que os obriguem a deixar o cargo. Foi considerada como tendo sido feita sob medida para Netanyahu, que enfrenta três julgamentos por corrupção.

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