Descrição de chapéu Folhajus

Parlamento de Israel aprova lei que impede afastamento de premiês pela Justiça

Projeto favorece Binyamin Netanyahu, que, em aguardado discurso, diz querer aprovar reforma judicial na próxima semana

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Em ebulição social, Israel assistiu nesta quinta (23) a mais um capítulo com potencial de alavancar o descontentamento popular. O Parlamento do país aprovou uma lei que protege primeiros-ministros de ordens judiciais que os obriguem a deixar o cargo.

Agora, um premiê só pode ser afastado do posto caso ele mesmo ou três quartos de seus ministros abram uma petição nesse sentido —e, mesmo assim, só em razão de problemas de saúde.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, deixa seu gabinete no Knesset, o Parlamento de Israel, em Jerusalém - Ronen Zvulun - 15.mar.23/Reuters

O projeto —que recebeu 61 votos a favor e 47 contra, em uma sessão que atravessou a madrugada— integra a controversa reforma judicial promovida pelo governo mais à direita da história do país. E é visto como tendo sido feito sob medida para livrar o atual premiê, Binyamin Netanyahu, de possíveis obstáculos legais.

Ainda nesta quinta-feira, Bibi, como Netanyahu é conhecido, fez um aguardado discurso sobre sua reforma judicial. Aos que aguardavam um recuo nas pretensões do governo, que têm levado milhares às ruas, veio a frustração. O premiê apenas confirmou a defesa da reforma.

Disse, ainda, que pretende aprovar seus principais elementos já na próxima semana. Em tom que parecia tentar diluir o descontentamento, pediu que opositores deixem de ser chamados de traidores —e que sua base governista deixe, por óbvio, de ser adjetivada de fascista.

"Não podemos deixar que qualquer divergência, por mais feroz que seja, coloque em risco nosso futuro conjunto", afirmou Bibi. "Um regime democrático adequado deve garantir o governo da maioria e, ao mesmo tempo, proteger os direitos individuais."

Ecoando seus correligionários, ele afirmou que a Suprema Corte tem poderes em excesso e que, na prática, governa Israel. Como argumento, disse que a instância interveio sem justificativa em considerações sobre a luta do país contra o terrorismo, impediu a deportação de imigrantes e prejudicou cidadãos financeiramente.

"Sem direito, derrubou leis, impediu nomeações e interveio em muitas áreas onde não tinha direito", alegou o primeiro-ministro.

As declarações, televisionadas, ocorreram após um mal-estar público de Bibi e seu ministro da Defesa, Yoav Gallant. Segundo a imprensa local, Gallant, membro do Likud, partido conservado de Netanyahu, teria pedido a suspensão da reforma frente à pressão das ruas. O premiê chegou a convocá-lo em seu gabinete.

A confusão em torno das declarações sugere uma tensão na coalizão governista. O ministro da Segurança Nacional, o extremista Itamar Ben-Gvir, acusou Gallant de ter "se retirado da direita". Gallant, aliás, faria um pronunciamento público, mas o cancelou após se encontrar com Bibi.

Rumores difundidos no mês passado e negados desde então davam conta de que a procuradora-geral do país, Gali Baharav-Miara, avaliava abrir uma ação pedindo o afastamento do primeiro-ministro por conflito de interesses. Um dos projetos de lei da reforma promovida por sua gestão defende que o governo tenha poder quase absoluto sobre a indicação de juízes, inclusive para a Suprema Corte.

Bibi é réu por corrupção em três diferentes casos. Ele nega as acusações e afirma que os processos são uma manobra política para obrigá-lo a renunciar. Seja como for, as mudanças na atual legislação sobre a composição do Comitê de Seleção Judicial poderiam afetar futuras apelações do premiê nos julgamentos hoje em curso.

A ONG Movimento por um Governo de Qualidade encaminhou à Suprema Corte um recurso contra a lei aprovada nesta quinta. Em comunicado, afirmou que o premiê e sua "coalizão de corruptos fazem uso de todas as manobras possíveis para escapar da Justiça".

O líder da oposição, o ex-premiê Yair Lapid, também condenou a nova legislação e afirmou que os integrantes da coalizão no poder no país se comportaram como "ladrões na calada da noite" para aprovar "uma lei personalista, corrupta e obscena".

Como os demais projetos de lei propostos dentro da reforma judicial, também este era uma "lei básica", funcionando como uma espécie de emenda à Constituição, já que Israel não tem uma Carta Magna.

Além de modificar a forma como a nomeação de juízes se dá no país, a reforma ainda propõe três grandes mudanças: que o Parlamento possa rejeitar decisões da Suprema Corte com maioria simples; que o tribunal não revise legislações aprovadas pelos congressistas; e que os assessores jurídicos dos diferentes ministérios sejam indicados pelos próprios ministros.

Para especialistas, a reforma ameaça a independência do Judiciário, pondo em risco o equilíbrio de Poderes, um dos pilares do Estado de Direito. Já a coalizão governista argumenta que ela é necessária para tirar a Justiça das mãos de "magistrados elitistas e tendenciosos".

O projeto motiva atos por parte da população há meses e foi atacado não só por instituições financeiras e empresários da área de tecnologia de ponta, que alertaram o governo de que o plano pode provocar prejuízos à economia israelense, como também por aliados estrangeiros do país no Oriente Médio.

Um telefonema do presidente dos EUA, Joe Biden, para Bibi nesta semana levou sua gestão a apresentar uma versão mais branda da proposta de modificação do Comitê de Seleção Judicial —mantendo, no entanto, a prevalência do governo nas indicações dos juízes.

Mais protestos contra a reforma foram registrados nesta quinta-feira. Manifestantes bloquearam rodovias pelo país, incluindo a capital, Tel Aviv, e a polícia deteve dezenas por perturbações públicas.

A comoção ainda acontece em meio a uma escalada na violência entre israelenses e palestinos na Cisjordânia. Também nesta quinta —o primeiro dia do mês do Ramadã, sagrado para os muçulmanos—, o Exército de Israel matou um homem de 25 anos em uma incursão à cidade de Tulkarem, no norte do território ocupado.

Segundo um grupo que se autointitula Brigada de Tulkarem, o homem, Amir Abu Khadijeh, era um de seus fundadores. Tel Aviv diz que tropas infiltradas cercaram a casa de Khadijeh, suspeito de se envolver em ataques a tiros, e atiraram depois que ele as ameaçou com uma arma.

A incursão se dá menos de uma semana depois de um encontro no Egito em que autoridades de ambas as partes se comprometeram a diminuir tensões. Balanço da agência de notícias AFP indica que só este ano o conflito provocou a morte de 87 palestinos e 14 israelenses, além de uma ucraniana.

Com Reuters

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.