Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Oscar para 'Navalny' desagrada a russos e a ucranianos

Por motivos distintos, premiação de documentário sobre dissidente gera críticas de rivais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O Oscar de melhor documentário de 2022 para "Navalny", obra sobre o dissidente russo Alexei Navalni, seria objeto claro de críticas do Kremlin e da mídia estatal do país de Vladimir Putin. Ele o foi, mas as queixas mais vocais, ainda que por motivos distintos, vieram da Ucrânia, invadida por Moscou há pouco mais de um ano.

Não foi por falta de busca de empatia. O diretor do filme, Daniel Roher, repetiu um argumento usado por Navalni ao receber a estatueta na noite de domingo (12): o dissidente só está preso numa solitária devido "à injusta guerra de agressão russa na Ucrânia".

Iulia, mulher de Navalni, discursa ao lado do diretor Roher após a vitória do documentário sobre seu marido no Oscar
Iulia, mulher de Navalni, discursa ao lado do diretor Roher após a vitória do documentário sobre seu marido no Oscar - Carlos Barria - 12.mar.2023/Reuters

Ucranianos de relevo discordam. Um dos principais assessores do presidente Volodimir Zelenski, Mikhailo Podoliak foi ao Twitter para se queixar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. "Se o Oscar está fora da política, como nós devemos entender o documentário-manifesto 'Navalny', onde a política interna russa está transbordando?"

A lógica se repetiu entre outros membros da elite e da mídia ucraniana, e foi agravada pelo fato de que a Academia vetou um discurso de Zelenski por vídeo na cerimônia pelo segundo ano seguido, alegando que o Oscar não é uma festa política. Ao longo deste ano de guerra, o ucraniano usou esses pronunciamentos para reforçar sua persona churchilliana de líder de resistência.

Por evidente, a premiação da forma de soft power mais importante do mundo sempre será política, da apache Sacheen Littlefather recusando o Oscar em 1973 em nome de Marlon Brando à polarização estéril (do ponto de vista geopolítico, deixando os méritos artísticos de lado) sobre a premiação de "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" neste ano.

A Guerra da Ucrânia, aliás, estava presente até nos tons graves da trilha sonora do vencedor de melhor filme internacional, o libelo antimilitarista alemão "Nada de Novo no Front".

Isso dito, há outros temas subjacentes. Navalni, a pessoa, está longe de ser uma unanimidade mesmo na sua Rússia natal —ao contrário, sempre que seu nome era colocado em pesquisas de intenção de voto a presidente, mal saía do traço, além de acumular opacidade em sua operação política.

O ativista ganhou musculatura política na classe média russa ao liderar protestos de jovens mobilizados pela internet a partir de 2017, embora estivesse nas ruas desde os grandes atos contra a volta de Putin à Presidência em 2012.

Só que uma condenação judicial nebulosa, de desvio de dinheiro num rincão russo, acabou se tornando o centro de uma perseguição evidente promovida pelas cortes alinhadas ao Kremlin.

Navalni foi vítima de um envenenamento em 2020, sendo tirado do país para tratamento, tudo isso relatado no documentário. A ida à Alemanha em coma foi apontada como violação de liberdade condicional, levando a uma série de condenações que o colocaram na cadeia ao voltar à Rússia, em 2021.

Desde então, ele foi condenado novamente a mais nove anos de prisão e tem passado boa parte do tempo em confinamento solitário, evitando assim contatos para divulgar vídeos por meio de advogados. Mas esse calvário não isenta, aos olhos ucranianos, Navalni de seu passado.

Nele, o então ativista de redes sociais ficou conhecido por comentários xenófobos e racistas contra imigrantes muçulmanos, georgianos e ucranianos. Disse em 2014, após Putin anexar a Crimeia em reação à derrubada do governo pró-Kremlin em Kiev, que a península deveria permanecer russa pois historicamente o era.

Isso não lhe garantiu nenhuma simpatia no Kremlin, como a repressão duríssima aos protestos que se seguiram à sua prisão em 2021 prova, mas não foi esquecido. Navalni criticou a invasão russa desde o primeiro dia, adicionando complexidade ao enredo —há quem veja um convertido; outros, um oportunista.

Ao fim, a premiação de "Navalny", que repassa a história do envenenamento e mostra a investigação do site jornalístico Bellingcat, que apontou a culpa de agentes do governo no episódio, ironicamente permitiu um raro momento de alinhamento entre os governos de Moscou e Kiev.

Na segunda (13), o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, disse que não poderia comentar "os méritos artísticos" do filme por não tê-lo assistido. "Suponho que haja, é claro, um certo elemento de politização do tema", disse, quase emulando o comentário de Podoliak.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.