Jornais de direita criticam DeSantis por lei que mira a imprensa e pode sair pela culatra

Lei na Flórida cria rara divisão entre o governador e a mídia que ajudou a fazê-lo crescer

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Ken Bensinger
The New York Times

O governador da Flórida, Ron DeSantis, há muito corteja os meios de comunicação de direita, ao mesmo tempo em que descarta os repórteres da corrente dominante e os chama de tendenciosos e inconfiáveis.

Mas a legislação que poderia restringir drasticamente a liberdade de imprensa na Flórida está criando uma rara divisão entre o governador e a mídia que ajudou a promover sua ascensão.

A legislação, elaborada a pedido de DeSantis enquanto ele busca lentamente a candidatura presidencial, visa a várias proteções contidas em leis estaduais e federais, incluindo um precedente de décadas da Suprema Corte que dificulta que figuras públicas ganhem processos por difamação. As propostas estão agrupadas em dois projetos de lei que tramitam no Legislativo controlado pelos republicanos

O governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, durante discurso ao Legislativo na capital Tallahassee
O governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, durante discurso ao Legislativo na capital Tallahassee - Cheney Orr - 7.mar.23/AFP

Embora a oposição pública venha em grande parte de grupos favoráveis à liberdade de expressão, de esquerda e apartidários, forças tradicionalmente alinhadas a DeSantis começaram a se manifestar nas últimas semanas. Elas estão advertindo que o governador e seus aliados no Partido Republicano não levaram em consideração como os projetos de lei afetariam repórteres e comentaristas de direita, não apenas os veículos da grande mídia que se tornaram sacos de pancadas para os políticos republicanos.

"A espada corta nos dois sentidos", disse Trey Radel, apresentador de um programa de rádio e ex-congressista republicano. Ele argumentou que os dois projetos de lei propostos poderiam levar a uma torrente de caros processos por difamação contra veículos conservadores como o que transmite seu programa, uma afiliada da Fox News em Fort Myers. Um litígio poderia fechar emissoras como a dele, acrescentou, "e vejam quem pagará o maior preço, politicamente: Ron DeSantis".

A legislação que está sendo considerada em Tallahassee procura contestar o antigo precedente da Suprema Corte conhecido como New York Times vs. Sullivan –que protege editores de processos por difamação, a menos que um erro seja considerado intencional ou resultado de negligência.

A legislação também eliminaria várias proteções a jornalistas da Flórida, restringiria a definição de "figura pública" e estabeleceria o pressuposto de que qualquer declaração de fonte anônima, incluindo denunciantes, seria automaticamente considerada falsa

Ao longo de sua carreira política, DeSantis contou fortemente com a mídia conservadora, oferecendo furos oportunos para veículos como Breitbart News e The Epoch Times e aparecendo frequentemente em programas no horário nobre da Fox News. Ele classificou a mídia tradicional de hostil e sugeriu que ela abusou da proteção oferecida pela Primeira Emenda. "No final das contas, é nossa opinião na Flórida que queremos defender os pequenos contra alguns desses grandes conglomerados de mídia", disse DeSantis durante uma mesa redonda sobre difamação que ele organizou em fevereiro.

Marc Randazza, um advogado especializado em liberdade de expressão que representou vários meios de comunicação de direita em processos por difamação, observa que a legislação provavelmente teria um efeito inibidor na imprensa. Os veículos poderão hesitar antes de cobrir assuntos delicados ou criticar figuras públicas se um erro inadvertido puder resultar em um julgamento caro; a lei também poderia aumentar as taxas de seguro, forçando algumas empresas a fechar as portas

Randazza, cuja empresa representou Alex Jones, o apresentador condenado a pagar US$ 1,4 bilhão em pedidos de indenização por difamar as famílias das vítimas do ataque a tiros em Sandy Hook, disse que está pedindo a seus clientes que escrevam cartas a DeSantis e aos patrocinadores dos projetos de lei pedindo a eles que desistam da legislação.

"Não sou um cara anti-DeSantis. Ele é minha melhor opção para presidente no momento, mas esta legislação está caminhando exatamente para o lado errado", diz. "Quando você cria uma arma que acha que pode ferir seus inimigos, não deve se surpreender se ela também ferir você."

Um porta-voz de DeSantis, Jeremy Redfern, não respondeu a perguntas sobre a crescente reação da direita. Redfern disse apenas que foi "encorajador ver o Legislativo abordar o importante tema da responsabilidade da mídia e participar da conversa que o governador iniciou no início deste ano".

Uma ampla gama de vozes entrou na conversa. Em 23 de março, o deputado Cory Mills, um republicano novato da Flórida, enviou uma carta aos líderes de ambas as casas do Legislativo estadual chamando as propostas de "antipatrióticas" e alertando que as leis "sufocariam todas as vozes da mídia –sejam liberais, conservadoras ou neutras– nas quais seus constituintes passaram a confiar"

William Barr, ex-secretário de Justiça do presidente Donald Trump, escreveu um artigo de opinião no Wall Street Journal no último fim de semana atacando as tentativas de restrição à liberdade de imprensa. "Existem poucos meios de comunicação conservadores", escreveu, sem se referir especificamente à lei da Flórida. "Por que torná-los mais vulneráveis à multidão de advogados de demandantes de esquerda?"

No sábado, The Gateway Pundit, site de notícias da ultradireita, publicou editorial opondo-se ao projeto da Câmara, afirmando que, se for aprovado, não há dúvida de que os meios de comunicação conservadores sofrerão. Até mesmo o fundador do Florida's Voice, um dos veículos mais amigos de DeSantis, foi contra a legislação, tuitando que ela permitiria que a esquerda a use "contra seus inimigos".

Os meios de comunicação nacionais não se manifestaram publicamente. A rede de direita Newsmax não respondeu a um pedido de comentário, nem o Salem Media Group, que produz programas de rádio e podcasts conservadores. Questionada, a Fox News –que pediu proteção sob o precedente do caso Sullivan em seu processo de difamação movido pela empresa de urnas eletrônicas Dominion Voting Systems– apontou para um discurso de Lachlan Murdoch na Austrália há um ano. "Devemos sempre ter cuidado com a supressão de informações", disse Murdoch, CEO do grupo. "A atual emoção de 'cancelar' alguém cuja opinião você não compartilha é apenas a mais recente forma insidiosa de censura."

As preocupações com a legislação não se limitam à imprensa. As provisões das leis aumentariam as indenizações aos queixosos, ao mesmo tempo em que tornariam mais caro para os réus enfrentar os litígios. Elas também permitiriam que ações por difamação fossem instauradas virtualmente em qualquer lugar da Flórida, permitindo que a escolha de foro aumentasse as chances de vitória dos queixosos.

Essas medidas parecem especialmente elaboradas para estimular processos contra pessoas físicas –em vez de veículos–, que também podem ser alvo de processos de difamação, mas têm muito menos probabilidade de ter cobertura de seguro para protegê-las ou de arcar com os custos do litígio.

A legislação, dizem os críticos, diminuiria a barreira para um restaurante processar um cliente por uma avaliação negativa num site, por exemplo, ou o presidente de uma associação de proprietários de imóveis abrir um processo contra um morador por postar uma reclamação.

Joe Cohn, diretor legislativo e de políticas da Fundação para Direitos Individuais e Expressão, que também recebe financiamento de Koch, disse acreditar que a legislação foi redigida com o objetivo de acertar as contas –reais ou imaginárias– com os meios de comunicação que criticaram DeSantis e outros republicanos na Flórida. "Há um ponto de partida de animosidade com a imprensa, e eles estão tentando usar o Poder Legislativo para retomar o território que acham que perderam", diz Cohn. "Mas eles não pensaram completamente nas consequências."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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