Descrição de chapéu The New York Times

Ofensiva de DeSantis contra imigração inclui leis que podem agravar viés racial

Proposta dá à polícia autoridade, sem critério objetivo, para abordar qualquer pessoa suspeita de irregularidade migratória

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Miriam Jordan
Tallahassee (EUA) | The New York Times

Liderada pelo governador Ron DeSantis, republicano com ambições de chegar à Presidência, a legislatura da Flórida está analisando um pacote amplo de medidas sobre imigração que representaria a repressão mais dura contra a imigração ilegal adotada por qualquer estado em mais de uma década.

Previstas para serem aprovadas em questão de semanas porque os republicanos têm supermaiorias nas duas Casas, as leis são parte do que DeSantis descreve como uma resposta à "política de fronteiras abertas" do presidente Joe Biden, que segundo o governador permitiu a entrada de um fluxo descontrolado de imigrantes vindos do México.

Governador da Flórida e provável candidato presidencial republicano em 2024, Ron DeSantis fala em Pinellas Park, na Flórida
Governador da Flórida e provável candidato presidencial republicano em 2024, Ron DeSantis fala em Pinellas Park, na Flórida - Scott Audette - 8.mar.23/Reuters

As leis devem expor pessoas a acusações criminais por abrigar, contratar ou transportar imigrantes que estão no país sem autorização legal; exigir que hospitais perguntem a pacientes qual é seu status migratório e repassem a informação ao Estado; invalidar carteiras de motorista emitidas em outros estados a imigrantes que estão no país sem permissão legal; impedir a admissão de imigrantes em situação irregular na ordem dos advogados da Flórida e instruir o departamento de polícia a prestar assistência às autoridades federais na implementação das leis de migração nacionais.

Separadamente, DeSantis já propôs eliminar o pagamento das mensalidades de faculdade de estudantes que estão no país sem autorização legal e para beneficiários do Daca, programa que impede a deportação de imigrantes que entraram no país quando eram crianças, da era Obama. A lei sobre as mensalidades foi promulgada em 2014 por seu predecessor Rick Scott, hoje senador republicano.

As novas medidas representam a legislação imigratória estadual de maior alcance desde 2010, quando o Arizona, estado situado na fronteira e que na época era o maior corredor americano de tráfico de pessoas, aprovou uma lei exigindo que a polícia pedisse comprovante de status migratório às pessoas que abordavam se houvesse motivos para desconfiar que estavam no país de maneira ilegal.

"Temos que fazer tudo que está ao nosso alcance para proteger a população da Flórida do que está acontecendo na fronteira", disse DeSantis em entrevista coletiva em fevereiro, na qual anunciou suas propostas e discursou em um pódio estampado com a frase "a crise da fronteira de Biden".

Apoiadores das novas leis dizem que elas não se opõem à imigração, mas visam a garantir que migrantes obedeçam as leis. "Há uma maneira certa e uma maneira errada de vir para cá", disse a senadora estadual republicana Debbie Mayfield em audiência sobre um dos projetos de lei. "Temos um processo neste país. Nossa intenção não é prejudicar pessoas que estão aqui legalmente."

A adoção de controles mais rigorosos tem sido um ponto-chave para os republicanos, incluindo muitos eleitores hispânicos nas regiões de fronteira que vêm expressando preocupação com o grande número de travessias não autorizadas –cerca de 2,5 milhões em 2022. Também há apoio republicano amplo para o aumento das deportações de imigrantes que estão no país de modo ilegal. Segundo pesquisa do Pew Research Center, oito em cada dez republicanos dizem considerar importante aumentar as deportações.

Uma onda de migrantes de Cuba e do Haiti chegou à Flórida de barco neste ano, sobrecarregando os recursos locais no arquipélago de Florida Keys e elevando a população de imigrantes não autorizados no estado, já estimada em 800 mil pessoas.

A assistência de saúde a imigrantes em situação irregular na Flórida custou quase US$ 313 milhões no ano fiscal de 2020-21, segundo cifras estaduais, e DeSantis afirmou que a chegada contínua de migrantes pode elevar a criminalidade, reduzir empregos e salários e onerar o sistema de ensino.

Mas críticos alertam que a nova legislação proposta vai semear o medo, promover o perfilamento racial e prejudicar a economia. Alguns empresários republicanos se manifestaram contrários a ela.

O esforço legislativo na Flórida contraria a tendência vista em outras partes do país de integrar a população existente de imigrantes em situação ilegal, estimada em mais de 10 milhões de pessoas.

Nos últimos dez anos, e especialmente desde a pandemia, até mesmo alguns estados liderados por republicanos têm adotado políticas para oferecer a residentes com status irregular no país acesso a saúde, ensino superior, carteiras de motorista e proteções trabalhistas.

Em 2022, eleitores do Arizona rejeitaram restrições ao ensino superior para imigrantes que estão no país sem permissão legal e estenderam a ajuda com as mensalidades a todos os alunos do ensino médio. A legislatura estadual está analisando uma proposta de oferecer assistência financeira a esses imigrantes.

De acordo com Tanya Broder, advogada sênior do Centro Nacional de Direito da Imigração, "há um aumento constante das políticas inclusivas em todo o país e em todo o espectro político".

Os governadores Eric Holcomb, de Indiana, e Spencer Cox, de Utah, ambos republicanos, pediram recentemente ao Congresso que aprove uma reforma ampla da imigração, citando o valor dos trabalhadores estrangeiros para seus estados. Em março, Cox assinou uma lei estendendo a cobertura de saúde a todas as crianças de baixa renda, independentemente de seu status imigratório.

O Texas vai em sentido oposto, ao menos no que diz respeito à fronteira. Legisladores locais republicanos aprovaram uma ampliação importante do programa de controle da imigração proposto pelo governador, também republicano, Greg Abbott. Um projeto de lei apresentado em março prevê que o estado assuma parte da autoridade hoje exercida pelo governo federal, criando uma força de polícia da fronteira e convertendo a travessia ilegal no Texas em crime estadual passível de pena de até dez anos de prisão. O Texas já enviou tropas da Guarda Nacional para a fronteira e, como o Arizona, tem colocado migrantes recém-chegados em ônibus interurbanos e os enviado a cidades em todo o país

Os dois governadores republicanos acusam Biden de ter perdido o controle. "Quando ele segue ignorando suas responsabilidades legais, intervimos em apoio às nossas comunidades", disse DeSantis em janeiro.

No ano passado, ele fretou dois aviões particulares para levar migrantes venezuelanos do Texas para Martha’s Vineyard, em Massachusetts, sem o conhecimento deles, suscitando indignação e ações na Justiça. Em janeiro, declarou estado de emergência e ativou a Guarda Nacional quando embarcações com migrantes cubanos e haitianos atracaram em Florida Keys.

Nem o governo estadual nem o federal têm dados sobre o número de imigrantes que chegaram à Flórida na onda mais recente do ano passado, mas há sinais de que o estado foi fortemente afetado. Em 31 de março, os tribunais de imigração da Flórida estavam com 296.833 casos pendentes, mais que qualquer outro estado e superando de longe os 187.179 casos de Nova York e 184.867 do Texas.

Pelas novas leis propostas, uma pessoa pode ser acusada de crime, punível com até cinco anos de prisão, por transportar, ocultar ou abrigar imigrantes que estão no país ilegalmente. Embora os proponentes da legislação digam que a intenção não é visar a cidadãos comuns do estado em sua vida cotidiana, suas aplicações potenciais são amplas, dizem analistas legais.

Por exemplo, um adulto americano, filho de um imigrante que vive no país sem permissão legal e que esteja conduzindo seu pai ou mãe num carro, um advogado que esteja levando um cliente ao tribunal de carro ou alguém que esteja conduzindo um time esportivo que inclui um jogador sem status legal regularizado nos EUA; todos podem ser expostos a acusações criminais. A lei também poderia visar um proprietário que aluga um imóvel a uma família que está no país em situação irregular ou alguém que tem uma pessoa em situação ilegal, como um empregado ou uma cuidadora, vivendo em sua casa.

Críticos disseram que a implementação dessas medidas abrirá a porta ao perfilamento racial, na medida em que policiais serão encarregados de determinar quem é ou não documentado.

"É uma lei que cria um ambiente em que uma pessoa pode ser visada, quer seja imigrante, cidadã ou turista", disse Felipe Sousa-Lazaballet, diretor-executivo do Hope Community Center, organização sem fins lucrativos de Apopka, na Flórida, que presta vários serviços sociais a imigrantes. "Não é possível saber o status imigratório de uma pessoa simplesmente olhando para ela."

Mais de um em cada cinco moradores da Flórida é imigrante, e 722 mil cidadãos americanos no estado vivem em famílias com um ou mais imigrantes que estão no país sem permissão legal.

Tradução de Clara Allain 

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