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Presidente da BBC renuncia após revelação de empréstimo milionário a Boris Johnson

Transação envolvendo o então premiê pode indicar conflito de interesses na nomeação de Richard Sharp

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Londres | Reuters

O presidente da BBC, Richard Sharp, renunciou nesta sexta (28) após a divulgação de um relatório segundo o qual ele violou normas de indicações para cargos públicos ao não informar que intermediou um empréstimo de quase US$ 1 milhão (cerca de R$ 5 milhões) ao então premiê Boris Johnson em 2020.

Tela na sede da BBC, em Londres, transmite comunicado de renúncia do presidente da emissora, Richard Sharp - Henry Nicholls/Reuters

Sharp, que chegou a ser chefe do atual primeiro-ministro, Rishi Sunak, quando esteve à frente do grupo Goldman Sachs, alega não ter se envolvido diretamente na transação. À época consultor da Secretaria do Tesouro, comandada justamente por Sunak, ele diz que apenas apresentou o chefe de gabinete de Boris, Simon Case, ao empresário canadense Sam Blyth, que então emprestou a quantia ao ex-premiê.

Em um email enviado a funcionários da BBC nesta semana, Sharp afirmou que chegou a enfatizar a Case que não podia fazer mais do que aquilo em razão de sua candidatura à direção da BBC, então pendente.

De fato, Andrew Heppinstall, que liderou a investigação, disse não ter encontrado evidências de que Sharp tenha atuado diretamente na transação. Assim, na prática, não houve nenhuma irregularidade concreta em sua nomeação. O documento, porém, também indica que, ao deixar de divulgar a intermediação do empréstimo durante seu processo de candidatura, ele pode ter incorrido em conflito de interesses.

Além disso, críticos afirmam que, mesmo indireta, a associação de Sharp com uma transação envolvendo um premiê em exercício o tornava um líder inapropriado para a emissora pública. Segundo o relatório, a gestão de Boris recomendou o ex-banqueiro como "forte candidato" ao cargo, que atraiu 23 postulantes. O governo, por sua vez, reafirmou o rigor do processo que conduziu o ex-executivo ao comando da rede.

A princípio, o mandato de Sharp era de quatro anos e terminaria em fevereiro de 2025. Nesta sexta, porém, ele afirmou que permanecer no cargo até o término do período distrairia a opinião pública em relação ao "bom trabalho" que tem sido feito na BBC. Em nota, disse ainda ter concordado com um pedido do governo para continuar no posto até o final de junho para que a emissora tenha tempo para encontrar o sucessor. "Decidi que o correto é priorizar os interesses da BBC", afirmou o ex-executivo no comunicado à imprensa.

Sharp é de direita e já doou ao menos 400 mil libras (cerca de R$ 2,5 milhões) para o Partido Conservador britânico. Também votou a favor do brexit, a separação do Reino Unido da União Europeia.

Um de seus principais objetivos na BBC era torná-la mais imparcial, ou menos enviesada, nas suas palavras —em uma entrevista ao Sunday Times publicada no final do ano passado, afirmou que sua gestão vinha tentando combater as "tendências à esquerda" da rede.

Ainda assim, sua indicação foi vista com alívio pela emissora pública, segundo reportagens do mesmo jornal do final de 2020. Embora ele não tivesse qualquer ligação com a área de telecomunicações, seus conhecimentos sobre o mercado e seus laços com o governo eram vistos como úteis para a empresa, sobretudo no que se relacionava às negociações com o Legislativo acerca de seu financiamento.

Enquanto outros candidatos eram contra a cobrança do imposto que compõe cerca de três quartos do orçamento da BBC, Sharp, um mecenas das artes, era defensor da manutenção da "taxa de licença" paga pela população. Tampouco era um crítico contumaz da emissora, como outros nomes aventados.

A saída do ex-banqueiro se dá em um momento em que a situação da rede mobiliza atenções no Reino Unido. O afastamento temporário de um de seus principais apresentadores, o ex-jogador de futebol Gary Lineker, em razão de um post no Twitter em que ele comparava uma política anti-imigração promovida pelo governo a práticas nazistas ocupou as manchetes dos maiores jornais do país no mês passado.

Porta-voz para a cultura do Partido Trabalhista, sigla da oposição, Lucy Powell afirmou que a atuação de Sharp causou "danos incalculáveis à reputação da BBC e prejudicou seriamente sua independência como resultado da corrupção e do clientelismo dos conservadores". Já Sunak fugiu do assunto em viagem à Escócia nesta sexta-feira. Questionado pela imprensa se a indicação do sucessor deveria ser apolítica, ele declarou que responder à pergunta era apressar demais a situação. "Há um processo a ser seguido nessas questões, e o certo será recorrermos a ele quando for o momento."

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