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George O. Liber

Rússia nunca deixou de ser potência imperial, e Guerra da Ucrânia exemplifica isso

Desde anos 1990, país procurou restabelecer controle sobre Tchetchênia e partes da Moldova, da Geórgia e da Ucrânia

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George O. Liber

Professor de história da Universidade do Alabama em Birmingham e especialista em Ucrânia

Birmingham

Até 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, muitos brasileiros sabiam pouco sobre os antecedentes do conflito, exceto que a Ucrânia é o país onde Clarice Lispector nasceu.

Era compreensível. Muitos enxergavam o conflito de Moscou e Kiev como "uma briga em um país distante, entre pessoas das quais nada sabemos" —para citar o ex-premiê britânico Neville Chamberlain descrevendo a ameaça nazista à antiga Tchecoslováquia antes de Hitler lançar a Segunda Guerra.

Russos seguram bandeira do país durante evento em São Petersburgo
Russos seguram bandeira do país durante evento em São Petersburgo - Igor Russak - 22.fev.23/Reuters

Não obstante as imagens brutais que aparecem diariamente em telas de todo o mundo, muitos influenciadores aceitam a justificativa russa de sua guerra contra a Ucrânia. Enojados com a hipocrisia ocidental, destacada pelas intervenções mundo afora e pela invasão do Iraque liderada pelos EUA 20 anos atrás, consideram ser uma resposta legítima ao neocolonialismo ocidental exemplificado pela ampliação da Otan, a aliança militar ocidental, e da União Europeia (UE) em direção ao Leste Europeu.

Eles imaginam que a Rússia de hoje compartilha as credenciais anticoloniais da URSS, na época em que o Estado comunista mais poderoso do mundo apoiava ativamente lutas armadas de libertação nacional na África, na Ásia e no Oriente Médio, na segunda metade do século 20.

Desconhecem, porém, o fato de que a Rússia era e ainda é uma potência imperial. Uma potência imperial transcontinental que abrange a Eurásia, mas não transoceânica.

O grão-ducado de Moscou começou a expandir suas fronteiras no final do século 15. Quatro séculos mais tarde, o Império Russo alcançava as costas dos mares Báltico e Negro e do oceano Pacífico. Entre 1732 e 1867, ele também teve colônias nas Américas e até uma na África (1889), no atual Djibuti. Dentro de suas fronteiras, o aparelho burocrático czarista procurou russificar a população não russa, multicultural.

A Primeira Guerra Mundial destruiu a ordem autocrática russa. Depois de repelir vários movimentos de independência contrários à reintegração imperial, grupos pró-czaristas de direita e intervencionistas ocidentais e japoneses no período de 1917-1922, o partido Bolchevique de Lênin conquistou o controle da maior parte das terras eurasianas do antigo Império Russo.

Em 1922, seu governo criou a União Soviética, que fundiu a Rússia soviética com a Belarus soviética, a Transcaucásia soviética e a Ucrânia soviética.

Para diferenciar esse novo Estado multinacional dos impérios europeus e de seu próprio passado czarista, a URSS reconheceu e chegou a promover a autonomia nacional de cada república.

Mas no início da década de 1930 Stálin fundiu a ideologia do internacionalismo proletário aos interesses de Estado russos. A União Soviética, um autoproclamado Estado anti-imperialista, tornou-se um império que promovia os interesses russos.

Após sua vitória sobre a Alemanha nazista, a União Soviética ocupou sete países do Leste Europeu, alterando suas fronteiras para criar uma zona de segurança para si mesma.

Durante as revoluções de 1989, o império externo soviético desabou. Dois anos mais tarde, a URSS implodiu, e suas 15 repúblicas, cada uma representando as pátrias de seus 15 maiores grupos nacionais, conquistaram independência e entraram para a comunidade mundial como Estados soberanos.

Mas a Rússia nunca fez a transição de império para nação-Estado. Desde 1992, e especialmente desde a ascensão do presidente Vladimir Putin ao poder, no final de 1999, a Rússia procurou restabelecer seu controle sobre a Tchetchênia e partes da Moldova, da Geórgia e da Ucrânia, esperando restaurar a Rússia no palco mundial como uma grande potência –uma potência imperial.

Nas eleições presidenciais e parlamentares livres e justas de 2014 e 2019, monitoradas por milhares de observadores internacionais, como eu próprio, os eleitores ucranianos rejeitaram a interpretação feita por Putin do passado, do presente e do futuro da Ucrânia.

O esforço deles para ingressar nas instituições europeias e sair da órbita da Rússia não é uma "falsa consciência". É, em vez disso, uma resposta legítima à transgressão russa da soberania da Ucrânia após a independência desta em 1991, algo destacado pela anexação unilateral da Crimeia em março de 2014.

Hoje a Rússia concretamente controla 17% do território ucraniano, violando a Carta da ONU, que declara que cada um de seus membros —mesmo os menores países do mundo— tem o direito à soberania de Estado, integridade territorial e autodeterminação nacional.

Quem se opõe à política das grandes potências, ao neocolonialismo, à ordem liderada pelos EUA e à troca de regimes deve ser coerente e apoiar a luta anticolonial da Ucrânia, defendendo a assistência militar e humanitária substancial ao país e a imposição de sanções econômicas à Rússia.

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