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Conflito no Sudão leva 100 mil a fugirem pela fronteira e eleva risco de crise regional

Na terceira semana de combates, generais não dão sinais de trégua; mais de 520 pessoas foram mortas

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São Paulo

O conflito no Sudão já provocou a fuga de aproximadamente 100 mil pessoas pelas fronteiras e está criando uma crise humanitária que pode se estender para outros países, alertou a ONU nesta terça-feira (2). No total, 528 mortes já foram confirmadas desde que o início dos combates, em 15 de abril.

Segundo a ONU, o conflito pode se transformar em um desastre ainda maior, uma vez que os vizinhos já lidam com crises de refugiados e os combates dificultam a entrega de ajuda no Sudão, um dos países mais pobres do mundo e onde dois terços dos 45 milhões de habitantes dependem de auxílio externo.

Profissional da saúde atende refugiados sudaneses no Chade
Profissional da saúde atende refugiados sudaneses no Chade - Gueipeur Denis Sassou - 1ºmai.22/AFP

Cerca de 330 mil sudaneses também foram forçados a se deslocar internamente, ainda de acordo com as Nações Unidas. Na véspera, o Acnur, braço da entidade voltado a refugiados, informou que mais de 800 mil pessoas podem fugir do país africano devido à violência.

Os alertas foram feitos enquanto tiros e explosões ecoavam na capital, Cartum, após várias tentativas fracassadas de cessar-fogo entre as forças do Exército, lideradas pelo general Fatah al-Burhan, e do grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido), comandadas pelo também general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti.

Ao manifestar preocupação com uma possível expansão da crise, o líder do Egito, Abdel-Fattah al-Sisi, afirmou que o Cairo forneceria apoio ao diálogo. Ao mesmo tempo, mostrou-se cauteloso e disse que estava tendo cuidado para não interferir nos assuntos domésticos do país vizinho.

"Toda a região pode ser afetada", afirmou al-Sisi nesta terça-feira, quando um representante do Exército se reuniu com autoridades egípcias no Cairo para discutir o conflito.

Diante da ameaça de crise regional, funcionários das Nações Unidas disseram que o coordenador de ajuda emergencial da ONU, Martin Griffiths, pretendia visitar o Sudão nos próximos dias. Já o Programa Mundial de Alimentos (PMA) informou nesta segunda (1º) que estava retomando o trabalho nas áreas menos perigosas do país —a agência havia interrompido a operação por questões de segurança no começo do conflito, quando três funcionários foram mortos.

"O risco é que não seja apenas uma crise no Sudão, mas uma crise regional", reforçou Michael Dunford, diretor do PMA para a África Oriental. "A menos que paremos os combates agora, o impacto em escala humanitária será enorme", acrescentou.

Dunford disse que a cidade de Porto Sudão, no nordeste e às margens do Mar Vermelho, tem sido o destino de milhares que tentam fugir. Também é a principal porta de entrada de suprimentos enviados por organizações humanitárias e por governos de outros Estados.

Milhares também tentam cruzar as fronteiras com os vizinhos Egito, Chade e Sudão do Sul —somente no primeiro, mais de 40 mil pessoas entraram no país em duas semanas, segundo autoridades.

A sudanesa Aisha Ibrahim Dawood e seus familiares levaram cinco dias em um carro alugado para ir de Cartum à cidade de Wadi Halfa, no norte do Sudão, onde mulheres e crianças se amontoaram na carroceria de um caminhão que os levou a uma fila na fronteira egípcia.

"A situação é muito difícil, há muita burocracia [para entrar no Egito]. Nosso sofrimento é sem precedentes. Mas podemos suportar qualquer coisa para fugir do conflito, do barulho dos tiros ao calor do caminhão lotado", disse à Reuters.

Países da região também vêm aumentando esforços numa tentativa de conter a crise. O Quênia ofereceu o uso de seus aeroportos e pistas de pouso próximos da fronteira com o Sudão do Sul como parte de um esforço humanitário internacional, disse o chanceler Alfred Mutua.

Na terceira semana do conflito, os líderes dos grupos rivais não mostram sinais de recuo, tampouco parecem capazes de garantir uma vitória rápida para qualquer um dos lados. Isso faz crescer os temores de um conflito prolongado, além da interferência de forças externas —há suspeitas de que mercenários russos do Grupo Wagner atuam no país.

Uma nova tentativa de trégua está marcada para a próxima quinta-feira (4). Mas o acordo, com previsão de sete dias, é visto com ceticismo, já que medidas semelhantes só fracassaram até aqui.

Na manhã desta terça, uma densa coluna de fumaça preta era observada em Cartum. Testemunhas relataram ataques aéreos na vizinha Bahri, além de confrontos terrestres em Omdurman. Na guerra de versões que permeia o conflito, as Forças de Apoio Rápido acusaram os rivais de atingirem áreas residenciais, enquanto o Exército disse que os paramilitares usam civis como escudos humanos.

Ao todo, mais de mil cidadãos da União Europeia foram retirados do Sudão desde o início do conflito, disse na semana passada o chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell. Já o Itamaraty informou, em nota enviada à Folha, que 24 dos 27 brasileiros que estavam no Sudão já deixaram o território; os demais foram transferidos para áreas de menor risco relativo e aguardam oportunidades de também deixarem o país.

Os combates começaram após divergências dos antigos aliados al-Burhan e Hemedti que, juntos, derrubaram a ditadura de 30 anos de Omar al Bashir em 2019. Eles discordam sobre a participação dos paramilitares no Exército e disputam a formação de um eventual governo de transição.

Com Reuters

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