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Coroação de Charles 3º: os cinco desafios do novo rei

Monarca terá de lidar com impacto da crise de energia no país e mudança de percepção da monarquia

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Fernando Duarte
BBC News Mundo

Em tese, poucas transições são tão suaves quanto uma sucessão da monarquia britânica: menos de 48 horas após a morte da rainha Elizabeth 2ª, o rei Charles 3° foi oficialmente proclamado o novo soberano do Reino Unido. Agora, oito meses depois, é coroado.

Mas as coisas não são tão simples: Charles subiu ao trono em um momento desafiador para o país e para a família real. Historiadores entrevistados pela BBC afirmam acreditar que o novo rei enfrenta "desafios sem precedentes" que definirão —para o bem ou para o mal— seu reinado e os que se seguirão.

O rei Charles 3º após a cerimônia de coroação
O rei Charles 3º após a cerimônia de coroação - Dan Charity/Reuters

Charles vai enfrentar muitos testes: desde lidar com o impacto que a crise de energia está tendo no país até enfrentar a mudança de percepção da monarquia após o reinado de sua mãe ao longo de 70 anos.

Aqui estão algumas das principais questões que podem precisar da atenção do novo rei.

Uma monarquia 'pé no chão'?

Milhões de famílias na Grã-Bretanha enfrentam a disparada dos preços desencadeada pela Guerra da Ucrânia. As previsões mais pessimistas dizem que até 45 milhões de pessoas terão dificuldades para pagar suas contas —ou seja, dois terços da população do país.

Esse cenário provavelmente colocará as finanças da família real sob mais escrutínio do que o habitual. De fato, mesmo antes da guerra, havia rumores na imprensa britânica de que o então príncipe de Gales estava disposto a diminuir a pompa e a circunstância das ocasiões reais —o que inclui sua coroação.

O evento é diferente da opulenta coroação da falecida rainha, em 1953 —a primeira cerimônia do tipo a ser televisionada. A coroação de Charles 3º é mais curta, "menos cara" e, crucialmente, mais multicultural, para refletir a diversidade da sociedade britânica. Charles já havia falado de seu desejo de ter uma monarquia enxuta —o que provavelmente se traduzirá em um grupo menor de "membros ativos" da realeza, centrado no rei e na rainha Camilla, no príncipe William e em sua esposa, Kate.

"É bem provável que vejamos as coisas serem reduzidas", disse Kelly Swab, especialista em realeza britânica. "A família real precisa prestar atenção no que está acontecendo no país nestes tempos difíceis."

As finanças da família real são um assunto complexo muitas vezes no centro dos argumentos de quem é contra a monarquia: o dinheiro vem principalmente de um pagamento anual financiado pelo contribuinte, o "subsídio soberano". Para 2021-2022, ele foi fixado em US$ 99,8 milhões, ou US$ 1,49 (cerca de R$ 7) por pessoa no Reino Unido, mas isso não inclui os custos de segurança para os membros da família real.

Reputação em declínio

O apoio à monarquia está em seu ponto mais baixo em mais de 30 anos, segundo o British Social Attitudes Survey, que mede regularmente os sentimentos da população britânica em relação à realeza.

A última edição da pesquisa, de 2021, mostrou que 55% dos britânicos achavam "muito importante" ou "bastante importante" ter uma monarquia. Nas décadas anteriores, esse apoio oscilava entre 60% e 70%.

Os resultados do levantamento do instituto YouGov divulgados em abril sugerem, no entanto, ainda um amplo apoio à manutenção da monarquia —58% preferem ter um rei como chefe de Estado contra 26% que preferem ter uma pessoa eleita. Mas a pesquisa revela que as opiniões estão mudando —e que o rei enfrentará desafios. Em particular, a monarquia parece ter problemas para atrair os jovens.

Enquanto 78% dos maiores de 65 anos apoiam a monarquia, apenas 32% dos entrevistados de 18 a 24 anos dizem sentir o mesmo. Entre os mais jovens, 38% preferem ter um chefe de Estado eleito a um monarca. Mas 30% dizem não saber. Em maio do ano passado, Charles apareceu em terceiro lugar na lista dos membros da realeza favoritos, atrás da rainha e de seu filho mais velho, o príncipe William.

Embora as pesquisas realizadas após a morte de Elizabeth 2ª tenham mostrado crescente apoio ao novo rei, há sinais de que Charles tem trabalho a fazer para melhorar a reputação da família real. "Um dos desafios é tornar a monarquia atraente para os mais jovens", diz o historiador Richard Fitzwilliams.

E, de acordo com outra pesquisa do YouGov, realizada para o grupo antimonarquia Republic, 27% da população apoia a abolição da monarquia por completo. Trata-se de aumento relevante se considerarmos que a norma durante as últimas décadas era de 15% de apoio à abolição total da monarquia.

Swab também aponta que "as coisas mudaram muito desde 1952", ano em que Elizabeth se tornou rainha. Ela se refere aos atos esporádicos contra a monarquia nos últimos dias. "Há menos deferência à monarquia e muito mais escrutínio da família real", diz ela. "Isso é algo que o rei precisa ter em mente."

'Nunca reclame, nunca explique'

O rei Charles 3º é o chefe de Estado no Reino Unido. Mas sob o modelo de monarquia constitucional britânica, os poderes do soberano são principalmente simbólicos e cerimoniais. Assim, espera-se que os membros da família real permaneçam politicamente neutros. A postura comedida da rainha foi vista por muitos como resultado de sua crença no ditado "nunca reclame, nunca explique".

No passado, Charles costumava se expressar sobre diferentes assuntos que considerava importantes. Em 2015, foi revelado que ele havia escrito dezenas de cartas a ministros do governo expressando preocupações sobre questões que iam de fitoterapia ao orçamento público e as Forças Armadas.

A postura dele vai mudar? O constitucionalista Vernon Bogdanor diz acreditar que sim. "Ele sabe desde jovem que seu estilo terá que mudar. O público não vai querer um monarca militante", diz Bogdanor.

Em 12 de setembro, ao dirigir-se ao Parlamento, o recém-proclamado rei já dava sinais de uma mudança para se tornar mais neutro. Além de reconhecer que havia interesses pessoais dos quais ele teria que abrir mão, Charles disse que o Parlamento era "o instrumento vivo e respiratório" da democracia britânica.

Commonwealth: o legado colonial

Após a morte de sua mãe, Charles tornou-se o chefe da Commonwealth, uma associação política de 56 países, principalmente ex-colônias britânicas. Ele também é o chefe de Estado de 14 países além do Reino Unido —uma lista que inclui Austrália, Canadá, Jamaica e Nova Zelândia.

Nos últimos anos, no entanto, algumas nações da Commonwealth começaram a debater sua relação com a coroa britânica. Como parte desse processo, Barbados decidiu se tornar uma república no final de 2021, o que removeu a falecida rainha como chefe de Estado do país. Localizada no Caribe, a ilha sofreu séculos de influência britânica e foi um centro para o comércio transatlântico de escravos por mais de 200 anos.

A primeira presidente de Barbados, Sandra Mason, junta-se à primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, e ao príncipe Charles, durante a cerimônia da posse presidencial, na Heroes Square, em Bridgetown, Barbados
A primeira presidente de Barbados, Sandra Mason, junta-se à primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, e ao então príncipe Charles, durante a cerimônia da posse presidencial, na Heroes Square, em Bridgetown, Barbados - Jonathan Brady - 30.nov.21/Reuters

A viagem do príncipe William ao Caribe no início de 2022 estimulou protestos anticoloniais e pedidos de reparação pela escravidão na região. O primeiro-ministro jamaicano, Andrew Holness, disse publicamente à realeza que o país está "seguindo em frente". Sean Coughlan, correspondente real da BBC, afirma que redefinir um relacionamento mais moderno com a Commonwealth será "um grande desafio" para o rei.

"Nas suas visitas aos países da Commonwealth, Charles terá o desafio de navegar pelo difícil legado do colonialismo e de questões como a escravidão."

Um rei 'veterano'

Aos 74 anos, Charles 3º é a pessoa mais velha a ser proclamada rei na Grã-Bretanha. Uma das questões sobre o dia a dia de seu reinado é quanto da extensa lista de deveres reais ele próprio conseguirá cumprir.

Há muita especulação de que seu filho e herdeiro da coroa, o príncipe William, irá compartilhar o fardo dos compromissos reais, especialmente as viagens ao exterior. A própria rainha Elizabeth 2ª parou de viajar para o exterior aos 80 anos. "Charles é um rei velho. Ele não pode fazer tudo", afirma a historiadora Swab. "Acredito que a consequência disso será vermos muito mais o príncipe William."

Estar à altura da rainha

Como ficou claro pelas manifestações de pesar após sua morte, Elizabeth 2ª era extremamente popular. Isso por si só é um desafio para o novo rei —mas não insuperável nem inédito, de acordo com a historiadora real Evaline Brueton. Ela afirma que o rei Edward 7º passou pela mesma situação quando herdou a coroa, em 1901, após a morte da rainha Vitória, outra monarca muito popular e longeva.

"Há semelhanças interessantes entre o momento que estamos vivendo agora e o fim da era vitoriana", diz Brueton. "Tanto Edward 7º quanto Charles 3º assumiram o poder em períodos de mudança social na Grã-Bretanha. E ambos não eram tão populares quanto suas mães." Edward 7º ficou no poder por apenas nove anos (1901-1910), mas é lembrado com carinho como um rei que se envolveu em esforços que lançaram as bases para a famosa Entente Cordiale, série de acordos entre Reino Unido e França assinada em 1904.

"Edward 7º se saiu muito bem e não há nada que sugira que Charles não será igualmente lembrado como um rei importante", diz Brueton. "Ele teve Elizabeth como um ótimo modelo e tempo para se preparar."


Este texto foi originalmente publicado aqui.

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