Frustração de eleitores negros desafia campanha de Biden à reeleição nos EUA

Políticos e cidadãos se dividem ao avaliar mandato do democrata para parcela que compõe seu principal eleitorado

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Maya King Reid J. Epstein
Atlanta | The New York Times

Joe Biden começou sua campanha à reeleição nos EUA prometendo "terminar o trabalho" que começou em 2021. Ninguém quer que ele faça isso mais do que os eleitores negros.

Eleitorado democrata mais leal, os cidadãos negros ressuscitaram a difícil campanha presidencial de Biden na Carolina do Sul e o enviaram à Casa Branca com seu partido no controle do Senado após duas vitórias no segundo turno na Geórgia. Em troca, esperavam que o governo fosse além dos ex-presidentes na tentativa de melhorar suas comunidades –e ouviram atentamente suas promessas de fazê-lo.

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante visita a restaurante de tacos na capital Washingon
O presidente dos EUA, Joe Biden, durante visita a restaurante de tacos na capital Washington - Leah Millis - 5.mai.23/Reuters

No entanto, algumas das maiores prioridades políticas dos eleitores negros –proteções mais fortes contra leis de votação restritivas, alívio de dívidas de empréstimos estudantis, justiça criminal e medidas de responsabilidade policial– falharam ou foram paralisadas, algumas devido à oposição republicana e outras porque os democratas se recusaram a contornar as regras de obstrução do Senado.

Essas decepções, evidentes em entrevistas feitas com mais de três dúzias de eleitores negros, cabos eleitorais e autoridades eleitas, deixam em aberto a questão de quão entusiasmado estará o principal grupo de eleitores democratas em 2024.

As conversas apontam uma divisão entre as autoridades negras –que são quase unânimes em elogiar Biden e prever forte votação negra para ele no próximo ano– e os eleitores, com menos certeza.

"As pessoas estão cansadas de estarem cansadas", diz Travis Williams, cabo eleitoral democrata no Condado de Dorchester, na Carolina do Sul. "Elas estão cansadas de ficarem cansadas e desapontadas porque nossos problemas nunca são resolvidos."

Marvin Dutton, 38, empresário que se mudou da Filadélfia para Atlanta em 2020, sugere que Biden precisa ser "um pouco mais sincero", em vez de "nos agradar na hora de votar".

A tentativa de reeleição de Biden e sua promessa renovada de atingir suas metas políticas do primeiro mandato provocaram alguma reflexão e frustração entre os eleitores negros em estados que decidem as eleições. Muitos afirmam que as grandes promessas que ele fez às comunidades negras falharam.

Democratas podem se sentir confiantes de que, se Biden for o candidato de seu partido, como esperado, a grande maioria dos eleitores negros o escolherá em vez de um republicano. Mas a questão para o partido é se os eleitores democratas trarão o mesmo nível de energia que levou Biden à vitória em 2020.

Em seu anúncio de campanha, ele não escondeu a importância dos eleitores negros. Os aliados com mais tempo de aparição em seu vídeo de 3 minutos, além de sua mulher, foram a vice-presidente Kamala Harris, a juíza Ketanji Brown Jackson e o reverendo Al Sharpton.

"Não encontrei falta de entusiasmo", diz o deputado James E. Clyburn, da Carolina do Sul, apoiador negro mais importante de Biden em 2020. "As pessoas continuam dizendo isso. Mas não existe."

Aliados afirmam que seu governo atendeu aos eleitores negros, mas falhou em divulgar parte do progresso. Desde que assumiu o cargo, ele forneceu bilhões de dólares a faculdades e universidades historicamente negras e nomeou mais magistrados negros do que qualquer outro presidente.

O desemprego de pessoas negras está em nível recorde. A economia, uma das principais preocupações dos eleitores negros, recuperou-se de sua crise na pandemia, embora a inflação, que disparou no verão passado, permaneça mais alta de forma sustentada do que há décadas.

"O presidente e a vice fizeram das questões com que os negros americanos mais se importam uma prioridade e estão correndo para terminar o trabalho", diz Kevin Munoz, porta-voz da campanha de Biden. "A campanha trabalhará duro para ganhar todos os votos e expandir sua coalizão vencedora em 2020."

Mas há evidências de uma queda no engajamento dos eleitores negros durante as eleições de meio de mandato de 2022, embora os resultados tenham sido amplamente vistos como animadores para Biden e seu partido, apesar de os republicanos terem vencido na Câmara.

A parcela de eleitores negros no eleitorado caiu 1% no país de 2018 a 2022, a maior queda de qualquer grupo racial, enquanto a parcela de eleitores brancos com nível superior aumentou, de acordo com dados da empresa de pesquisas democrata HIT Strategies.

O número de votos para os candidatos democratas ao Senado pelos eleitores em Milwaukee –lar da grande maioria da população negra de Wisconsin– caiu 18% de 2018 a 2022, enquanto a participação em todo o estado permaneceu a mesma, segundo dados dos eleitores de Wisconsin. Se Milwaukee tivesse dado a mesma margem para os democratas em 2022 que em 2018, o democrata Mandela Barnes teria derrotado o senador Ron Johnson, republicano.

O prefeito da cidade, Cavalier Johnson, atribuiu a diferença em parte aos esforços republicanos em Wisconsin para dificultar a votação –principalmente após a vitória apertada de Biden lá em 2020.

Johnson cita realizações de Biden para os eleitores negros: ele nomeou a primeira mulher negra para a Suprema Corte e enfatizou a criação de empregos na indústria, que antes eram o coração de Milwaukee, mas foram transferidos para o exterior. E, acrescenta Johnson, os eleitores negros dão crédito a Biden por tentar tornar as leis eleitorais menos restritivas, mesmo que seus esforços tenham falhado.

"Eles sabem que Biden os defendeu e lutou para construir uma economia benéfica para negros e negras e também lutou contra parte do ódio e da discriminação", diz.

Alguns eleitores negros dizem que suas frustrações com o ritmo de mudança prometido por Biden em 2020 os levaram a questionar se o apoiariam novamente ou talvez ficassem de fora da próxima eleição.

Jennifer Roberts, 35, que sempre foi democrata, foi um dos habitantes negros da Geórgia que ajudaram a eleger Biden e os senadores Raphael Warnock e Jon Ossoff. Ela estava confiante em 2020 de que Kamala, a primeira mulher negra a se tornar vice-presidente, usaria sua experiência para promover políticas relacionadas às mulheres negras e "estava rezando para que eles vencessem".

Três anos depois, a visão de Roberts sobre as promessas de Biden mudou. Sua mãe foi morar com ela por causa do aumento dos custos do aluguel na região de Atlanta. E a inflação aumentou a pressão sobre o negócio de caminhões de reboque que ela e o marido possuem.

Roberts diz que apoiaria o ex-presidente Donald Trump se ele fosse o candidato republicano no ano que vem. O que ela quer, e ainda não recebeu, é "ajuda tangível" –e ela acredita que as políticas econômicas de Trump podem fornecê-la. "Entendo que ele tentou", diz ela sobre Biden. "Quando você não aborda as coisas diretamente, quando elas não acontecem de acordo com o que você disse publicamente que seriam, você não pode simplesmente varrer para baixo do tapete."

Na Filadélfia, Lamont Wilson, 45, gerente de tecnologia da informação, votou em Biden em 2020, mas explicou que ainda não se sentiu inspirado por nenhum candidato para 2024. Ele diz que Biden "fez muito bem", mas não atendeu às suas expectativas.

Wilson esperava que Biden "se mantivesse firme" na promessa de eliminar a dívida estudantil –o presidente anunciou um plano de US$ 400 bilhões para perdoar até US$ 20 mil em dívidas de certas pessoas, embora a Suprema Corte possa bloqueá-lo. Os graduados negros têm em média US$ 25 mil a mais em dívidas de empréstimos estudantis do que os graduados brancos, segundo o Departamento de Educação. "Livre-se dessa dívida e dê uma chance às pessoas", afirmou Wilson.

Os defensores de Biden dizem que, embora alguns eleitores negros possam estar frustrados com o partido, os democratas continuam sendo uma escolha mais segura do que os republicanos, que se opuseram à legislação que protege os direitos de voto e reduz a dívida de empréstimos estudantis.

Em várias legislaturas estaduais controladas pelo Partido Republicano, os eleitos tentaram cortar as aulas de história negra dos currículos escolares e proibir livros de autores negros e traçaram mapas do Congresso que restringem o poder de voto.

Os democratas pretendem salientar o histórico do Partido Republicano nessas questões.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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