Lula ajuda Xi Jinping a evitar coalizão anti-China em tecnologia, diz Paul Triolo

Membro da consultoria estratégica ASG afirma que Brasil tem muito a oferecer a Pequim, mas precisa começar pequeno

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Taipé

Paul Triolo estava em Pequim ao mesmo tempo que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tem um conselho ao presidente brasileiro sobre a ambição de parceria em semicondutores e tecnologia. "O Brasil terá que começar pequeno e escolher áreas com custos de entrada mais baixos", afirma o vice-presidente para China na consultoria estratégica ASG.

Num primeiro momento, o dirigente Xi Jinping parece ter mais a ganhar. "Pequim vê o Brasil como aliado fundamental nos esforços para impedir a formação de coalizões anti-China em áreas como tecnologia."

Engenheiro com décadas de assessoria a governos americanos, Triolo é cético quanto à política industrial para semicondutores e chips de Joe Biden. "Os EUA ganharão alguma fabricação, mas nada que se aproxime de uma posição de liderança", diz.

Paul Triolo, vice-presidente para China na consultoria estratégica ASG
Paul Triolo, vice-presidente para China na consultoria estratégica ASG - Reproduçao Bloomberg Technology

Como avalia a aproximação de Brasil e China em tecnologia? Pequim e o presidente Xi valorizam muito a natureza independente do governo de Lula e veem o Brasil como um aliado fundamental nos esforços para impedir a formação de coalizões anti-China em áreas como tecnologia e cadeias de suprimentos. O Brasil tem muito a oferecer à China, na colaboração em áreas de pesquisa e desenvolvimento, mas principalmente como mercado para empresas de tecnologia avançada. Entre os países do Brics, o Brasil pode representar o mercado mais importante, devido à sofisticação de suas empresas e consumidores.

Lula fala em produzir semicondutores. Há lugar para o Brasil na cadeia global de chips? A divisão global do trabalho na cadeia de suprimentos de semicondutores é complexa, e é difícil para países como o Brasil determinar onde é melhor tentar participar, especialmente em manufatura. Requer o desenvolvimento de algum ecossistema de apoio. O Brasil estaria competindo com países com ecossistemas mais desenvolvidos e outras vantagens, como a Índia, com fortes escolas de software e engenharia.

O Brasil terá que começar pequeno e escolher áreas da cadeia de suprimentos com custos de entrada mais baixos, como embalagem e testes, e só com o tempo aspirar à fabricação final. Não há nenhuma mudança que o Brasil possa desenvolver para uma indústria de semicondutores totalmente nacional, dado o grande número de tecnologias que devem ser dominadas e os engenheiros necessários.

Sua primeira reação à "surpresa de 7 de outubro" [quando o governo Biden adotou controles de exportação de chips à China] foi afirmar que "os EUA declararam guerra à capacidade da China de usar computação de alto desempenho". Sete meses depois, Washington conseguiu conter Pequim ou é cedo para dizer? É cedo, mas avaliações iniciais podem ser feitas. Nas restrições a GPUs [unidades de processamento gráfico] de ponta, não parece uma abordagem que desacelere, por exemplo, a capacidade das empresas chinesas de desenvolver aplicativos de inteligência artificial. Existem muitas soluções alternativas de hardware e software e, em muitos casos, os aplicativos não exigem GPUs de ponta. Por outro lado, na fabricação de semicondutores, os controles tiveram impacto a curto e médio prazo nos planos de negócios das líderes, como SMIC, YMTC e CXMT. Todas estão lutando para encontrar fornecedores alternativos, chineses.

Em relação à Chips Act [lei de estímulo à produção nos EUA, de agosto], o senhor avaliou que, apesar do dinheiro investido, os EUA não recuperariam sua posição. Mudou de ideia nesses nove meses? Nada mudou na minha opinião. O impacto geral será limitado. Os EUA ganharão alguma capacidade de fabricação, mas não recuperarão nada que se aproxime de uma posição de liderança global em qualquer subsetor da indústria. A grande maioria dos chips mais avançados continuará a ser fabricada em Taiwan, na Coreia do Sul e, possivelmente, no Japão.

Quais devem ser os efeitos para os consumidores de smartphones, carros e outros produtos? Há vários processos ocorrendo que podem afetar os consumidores americanos de produtos que usam semicondutores e outros insumos da China, de Taiwan e de outras partes da Ásia. A política industrial dos EUA aumentará os custos de fabricação, digamos, no Arizona pela TSMC, que serão repassados. Os custos são muito mais altos do que em outros países.

O esforço americano para conter a tecnologia chinesa só cresceu desde então, a ponto de o senhor afirmar que a globalização acabou. Ainda acha isso? Não. Só alguns aspectos da globalização estão sob pressão. Grandes multinacionais que fazem produtos complexos continuam a depender de cadeias globalizadas. Essas empresas, como a Apple, estão buscando alguma diversificação das cadeias, mas é mais redução de riscos. Mesmo as chinesas estão procurando diversificar geograficamente.

A militarização da pressão sobre a China é sinal de que a pressão tecnológica não está trazendo resultados? Há uma dinâmica em jogo que se concentra mais em abordagens militares, impulsionada por pessoas que fazem paralelos entre as crises Rússia-Ucrânia e China-Taiwan. Esses paralelos são exagerados, as duas situações são muito diferentes. Uma das diferenças é que Taiwan é um elemento crucial no setor global de tecnologia, e as implicações de um conflito para a economia mundial são indiscutivelmente muito mais sérias.

Ainda não há uma abordagem clara de como os EUA e aliados considerariam o uso de sanções, no caso de um conflito em Taiwan, particularmente um que não chegue a confronto militar completo. Embora as restrições tecnológicas dos EUA até agora tenham tido impacto limitado nas empresas chinesas, um dos maiores efeitos é terem incentivado maciçamente o desenvolvimento de alternativas chinesas em setores-chave de tecnologia.

Os apelos dos EUA à Coreia do Sul e ao Japão, para atuarem no cerco tecnológico da China, já tiveram alguma repercussão na economia chinesa? Até agora os esforços dos EUA para alcançar algum alinhamento com Japão, Coreia do Sul e Holanda ao controle de exportações de 7 de outubro tiveram resultados mistos. Os governos não querem tomar medidas que prejudiquem a capacidade de suas empresas de operar na China, por isso relutam muito em ser vistos como parte de uma aliança anti-China.

Sobre Taiwan, qual é a sua avaliação das repetidas proibições às exportações para a China? As restrições impostas pelos EUA estão impedindo que mais empresas da China continental usem taiwanesas como a TSMC para fabricar semicondutores de ponta. Quando a Huawei foi cortada em 2020, a demanda global por semicondutores era alta, e a TSMC conseguiu substituir com facilidade. Num mercado mais desafiador agora, TSMC e outras sentirão a perda de negócios com força, principalmente se mais empresas chinesas forem adicionadas à lista.

Você acredita numa guerra em Taiwan, entre China e EUA? Os riscos de conflito estão no ponto mais alto em décadas. Ambos os lados veem o outro como mudando o status quo, com ações que contrariam os compromissos que regem o complexo relacionamento trilateral, dos Três Comunicados [declarações conjuntas que aproximaram EUA e China nos anos 1970]. Defendo considerar um quarto comunicado como um primeiro passo mínimo, que reconheceria as mudanças que ocorreram, principalmente o desenvolvimento da capacidade militar da China, de uma próspera democracia em Taiwan e de Taiwan como elemento-chave da economia global.


RAIO-X | Paul Triolo

Engenheiro pela Penn State, com passagem pelo Vale do Silício, encabeça as áreas de China e tecnologia na consultoria estratégica ASG. Criada por Madeleine Albright, que foi secretária de Estado nos EUA, a ASG é influente na política externa do governo democrata. Triolo é membro do Center for Strategic and International Studies (CSIS) e do Council on Foreign Relations (CFR).

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