Descrição de chapéu receitas

Torta de verdura criada para coroação do rei Charles 3º é espinafrada por todo o Reino Unido; veja receita

Críticas atacam a origem francesa do prato e o alto preço dos ovos usados; Folha testa e aprova a receita

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São Paulo

Uma quiche é uma quiche. Além do óbvio, pode ser mais do que isso. Ou menos: talvez nem sequer seja uma quiche.

Altamente problematizada está a quiche da coroação, prato concebido pela monarquia britânica para reunir os súditos com bandeirolas do Union Jack, em torno de mesas comunitárias, no entronamento de Charles 3º neste sábado (6).

A realeza propõe um almoção ("big lunch") com uma quiche de espinafre, estragão, favas verdes e queijo cheddar. Assinada por Mark Flanagan, chef do rei, a receita (veja ao final do texto) foi publicada no site da família real para que seja executada por qualquer plebeu.

Folha testa e aprova receita de quiche francesa que será servida na coroação do rei Charles 3º - Zanone Fraissat - 3.mai.23/Folhapress

A imprensa inglesa –que ainda emprega repórteres e editores na cobertura exclusiva da realeza– espinafrou a quiche. Nunca antes um salgado recebeu tantas críticas tão demolidoras.

Dizem que a quiche da coroação é plebeia demais, que é excludente com os pobres, que é uma baita duma gororoba, que não contempla restrições alimentares e que pode causar um surto de piriri da Cornualha às Terras Altas escocesas.

Rotulam-na de antipatriota. Acusam-na, enfim, de ser uma reles torta de espinafre que não merece ser chamada de quiche.

A Folha testou a receita para tentar entender o bafafá. A receita do Palácio de Buckingham foi seguida à risca e resultou numa quiche perfeitamente boa, equilibrada e saborosa. O problema parece estar na sociedade britânica, que enfrenta um momento particularmente ruim.

Voltemos 70 anos no tempo, para a coroação de Elizabeth 2ª, mãe de Charles. O reino ainda se recuperava da Segunda Guerra, e o Império Britânico se esfarelava. Perdera recentemente o Raj, possessões asiáticas onde hoje se encontram Índia, Paquistão e Bangladesh.

Numa ótima sacada de marketing político, a realeza inventou uma receita para ser compartilhada por toda a população: o poulet reine Elizabeth. Sim, em francês: eram outros tempos, e era a mesma casa real, sempre derrapando quando finge ser popular.

O poulet da rainha foi logo apelidado de "coronation chicken" (frango da coroação). Trata-se de frango em molho cremoso de curry, para ser comido em temperatura ambiente, como salada ou recheio de sanduíche.

Como um frango não é só um frango, o coronation chicken estendia uma mão à França, rival histórica e aliada contra Hitler: a receita foi elaborada pela filial da escola de culinária Le Cordon Bleu em Londres.

A outra mão, cheirando a curry e chutney de manga, acenava para a numerosa comunidade indiana e paquistanesa que já migrara para a sede do combalido império.

O frango da coroação se tornou um clássico da culinária britânica. É pouco provável que o mesmo venha a ocorrer com a quiche de Charles 3º.

Desta vez, o outro lado do Canal da Mancha não é só um nome frufru para frango. O rei da Inglaterra decidiu celebrar sua coroação com comida francesa –especialidade da região da Alsácia-Lorena, a quiche é uma torta com recheio de ovos, creme, queijo e uma infinidade de complementos.

A escolha caiu feito torresmo murcho no estômago dos britânicos. Eleanor Steafel, do conservador Telegraph, diz que a realeza "tomou a ousada decisão de optar por algo que, francamente, está no limite do antipatriótico".

O Times, também de direita, foi à França procurar Évelyne Muller-Dervaux, grã-mestre de uma certa Confraria da Quiche Lorraine. A entidade sustenta que só pode ser chamada de quiche a receita feita com bacon (ok, lardon); a receita com espinafre e favas não passaria de uma torta salgada.

Torta ou quiche, o prato da coroação parece buscar refazer a ponte com a Europa continental, esnobada pelo desastroso brexit. Desastrada é a tentativa de afagar a população vegetariana –a receita da massa leva banha, de forma opcional e totalmente desnecessária. O título da matéria do Telegraph resume a situação: "Como a quiche da coroação conseguiu ofender todo mundo".

Os britânicos lutam há séculos contra a má fama de sua própria culinária. Obtiveram razoável sucesso, com chefs de projeção midiática e a formidável transformação do parque gastronômico de suas cidades. "Londres é a cidade de comida mais deliciosa e diversificada do mundo", escreve Felicity Cloake na revista The Economist.

Para Cloake, a quiche "penitencial" de Charles reforça a pecha de que os ingleses comem mal. Ela ainda sugere que a receita divulgada pela Coroa pode resultar em ovos malcozidos e, consequentemente, no risco de contaminação em massa por salmonelose.

Os ovos do rei têm sido alvo de outra crítica: devido a uma epidemia de gripe aviária, o ingrediente se tornou caro e menos abundante no Reino Unido.

Quando o preço dos ovos se torna uma questão no cardápio da coroação do rei, algo está muito errado. Os britânicos atravessam a pior crise econômica das últimas décadas, e o dissenso em torno da torta reflete um violento tombo na autoestima de um povo proverbialmente soberbo.


Quiche francesa da coroação do rei Charles 3º feita por Marcos Nogueira - Zanone Fraissat - 3.mai.23/Folhapress

QUICHE DA COROAÇÃO DO REI CHARLES 3º

Rendimento: 6 porções

Dificuldade: Média

Autoria: Mark Flanagan/Palácio de Buckingham

Ingredientes da massa

  • 250 g de farinha (mais um pouco para enfarinhar a forma)
  • ½ colher (chá) de sal
  • 50 g de manteiga sem sal gelada, em cubos
  • 50 g de banha (pode trocar por mais manteiga)
  • 60 ml de leite

Ingredientes do recheio

  • 2 ovos
  • 125 ml de leite
  • 175 ml de creme de leite fresco
  • 1 colher (sopa) de estragão fresco picado (pode ser substituído por manjericão ou salsinha)
  • 100 g de queijo (cheddar inglês, gruyère ou estepe) ralado
  • 180 g de espinafre cozido, espremido e picado
  • 60 g de favas ou grãos de edamame (soja verde) cozidos
  • Sal, pimenta-do-reino e noz-moscada a gosto

Modo de fazer

  1. Numa bacia, coloque a farinha e o sal. Junte a manteiga e a banha e misture com as pontas dos dedos até obter uma farofa. Adicione o leite aos poucos e trabalhe a massa com as mãos até moldar uma bola lisa. Cubra e deixe na geladeira por meia hora.
  2. Unte e enfarinhe uma forma redonda com 20 cm de diâmetro e fundo removível. Com um rolo, abra a massa num círculo ligeiramente maior que a forma. Acomode a massa com cuidado na forma, pressionando-a delicadamente contra o fundo e as paredes. Corte as aparas.
  3. Cubra e leve à geladeira por mais meia hora. Aqueça o forno a 190ºC.
  4. Cubra a massa com papel-manteiga e, sobre o papel, coloque feijão ou arroz cru para fazer peso. Asse por 25 minutos. Retire o papel e o peso. Asse por mais 5 minutos.
  5. Reduza a temperatura do forno para 160ºC. Bata os ovos e misture o leite, o creme de leite, o estragão, o sal, a pimenta e a noz-moscada.
  6. Sobre a massa, coloque metade do queijo ralado. Distribua o espinafre e as favas. Despeje a mistura de ovos (se sobrar, guarde para outras preparações). Cubra com o queijo restante.
  7. Asse por 30 minutos ou até ficar dourada. Espere esfriar para desenformar a quiche.
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