Trono da coroação do rei Charles foi pichado e alvo de ataques ao longo de séculos

Conheça história do disputado item, que remonta à guerra de independência da Escócia e foi atacado por sufragistas

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Ana Claudia Paixão
Nossa | UOL

Quando pensamos em coroação de reis, as imagens que vêm à mente, em geral, são de luxo e riqueza. Porém, a aparente simplicidade do Trono do Rei Eduardo, ou Trono da Coroação, não deve nos enganar, em especial pelas pichações e vandalismos que enfrentou.

O simbolismo do item é gigantesco e remonta a 727 anos, com todos os monarcas britânicos desde 1296 recebendo suas investiduras e coroas nele, incluindo, claro, o rei Charles 3º, no dia 6 de maio de 2023.

O Trono da Coroação, usado na maioria das cerimônias de coroação dos monarcas do Reino Unido, dentro da Abadia de Westminster, em Londres
O Trono da Coroação, usado na maioria das cerimônias de coroação dos monarcas do Reino Unido, dentro da Abadia de Westminster, em Londres - Dan Kitwood/Pool - 12.abr.23/AFP

A origem do trono é controversa: a peça foi encomendada pelo rei inglês Edward 1º logo após sua vitória na Primeira Guerra de Independência Escocesa, liderada por William Wallace e imortalizada no cinema com "Coração Valente".

Talvez para impor uma humilhação a mais sobre os escoceses, o monarca demandou como parte do espólio do conflito a pedra da coroação da Escócia, também conhecida como a Pedra do Destino.

O bloco de arenito com 66 por 42 cm e peso de 152 quilos foi usado por séculos para as cerimônias de coroação dos monarcas da Escócia e foi transportado para a Abadia de Westminster a fim de ser incorporado ao trono feito de carvalho, talhado como uma espécie de relicário com detalhes góticos, encomendado pelo rei. A partir daí, passou a ser a o assento oficial da coroação dos soberanos ingleses.

E a pedra virou motivo de discórdia

Segundo a tradição escocesa, a Pedra do Destino, conhecida como Jacob's Pillow Stone (o travesseiro de Pedra de Jacó) seria a verdadeira pedra consagrada à Deus depois de ser usada como travesseiro pelo patriarca israelita Jacó. Ela teria sido transportada para Escócia pelo profeta Jeremias e adotada como santa pelos monarcas.

Antes de ser levado para Londres, em 1296, o artefato ficava na Abadia de Scone, perto de Perth, na Escócia. Naturalmente a pedra se tornou mais um ponto de discórdia entre os dois países.

O Trono da Coroação, usado na maioria das cerimônias de coroação dos monarcas do Reino Unido, dentro da Abadia de Westminster, em Londres, e a a Pedra do Destino - Susannah Ireland/Pool - 29.abr.23/AFP

Em 1328, os ingleses até concordaram em devolvê-la, mas a essa altura a população achava que a pedra deveria ficar onde estava e impediu a remoção. Com a ascensão do escocês Jaime 1º ao reino britânico (após a morte de Elizabeth 1ª), o assunto foi arquivado, mas não esquecido.

Em oito séculos, o Trono de Edward só foi removido da Abadia de Westminster três vezes: na cerimônia que empossou Oliver Cromwell como Lorde Protetor da Inglaterra, que aconteceu em Westminster Hall e não na Abadia; entre 1939 a 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi para Catedral de Gloucester para evitar ser danificado por ataques aéreos alemães; e em 2010, quando foi transferido para a Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor.

E o trono quase foi "perdido" no período em que esteve escondido em Gloucester, porque, quando foi enterrado por segurança, não recebeu cuidados por seis meses, tendo ficado cercado por milhares de sacos de areia no subsolo e atacado por fungos, demandando um processo delicado de recuperação.

Atentados, roubos e danos

O trono também foi alvo de alguns grupos. Um dos ataques mais conhecidos foi em 1914, creditado ao movimento das sufragistas da União Social e Política das Mulheres, acusadas de terem plantado uma bomba que quebrou e queimou o canto superior esquerdo do assento.

Outro foi no Natal de 1950, quando quatro nacionalistas escoceses invadiram a abadia para resgatar a pedra e devolvê-la ao seu país. Descuidados, eles deixaram o artefato cair, e ele acabou quebrando ao meio. Antes disso, os invasores tinham dividido o assento em dois, além de quebrar a grade de madeira na frente para retirar a pedra. A peça só foi recuperada em 1951, dois anos antes da coroação da rainha Elizabeth 2ª, em 1953, que usou o trono já com a pedra incorporada.

Apenas em 1996, quando completava 700 anos em solo inglês, a Pedra do Destino foi devolvida à Escócia. Hoje, encontra-se no Castelo de Edimburgo. Há quem defenda que toda a briga foi por uma peça falsa. Isso mesmo: como as descrições históricas não correspondem exatamente à pedra atual, há historiadores que dizem que os monges da Abadia de Scone teriam escondido a verdadeira e enganado as tropas inglesas com uma substituta.

Seja como for, a pedra estará de volta ao trono inglês para a coroação de Charles 3º temporariamente. Em setembro, foi anunciado que a peça seria levada para Westminster e que, quando voltar para a Escócia, será transferida para a Prefeitura de Perth, perto da antiga Abadia de Scone.

Vandalismo e marketing de marceneiro

Com ou sem a pedra, ainda assim o valor histórico do Trono da Coroação se mantém por ser uma peça tão antiga. Ao longo do tempo, ganhou novos afrescos e foi "mutilado" por pessoas que decidiram deixar iniciais marcadas na madeira. O mais famoso grafite que ficou registrado diz: "P. Abbott dormiu nesta cadeira de 5 a 6 de julho de 1800". Ninguém identificou o vândalo adormecido, mas desconfiam que os alunos da Westminster School possam ter sido os autores.

Outros o marcaram como marketing pessoal, como o marceneiro John Fenn, contratado em 1761 para arrumar o trono para a coroação de George 3º e que achou que valia deixar seu nome visível nos braços com a marca "FENN" talhada nos braços. O trono passou pela última restauração entre 2010 e 2012, e, desde o início de 2023, vem sendo preparado para a cerimônia do dia 6 de maio.

A maior parte das pichações foi causada por alunos da Westminster e visitantes que tiveram acesso ao trono entre os séculos 18 e 19. Pesquisadores conseguiram traçar a origem de algumas iniciais a duques e barões.

Há outros tronos que serão usados durante a cerimônia de coroação. O Trono de Edward 1º só tem destaque no momento em que Charles 3º for ungido soberano, depois ele passará para outro, no centro da Abadia. Lá, Camilla, como rainha consorte, estará em um assento semelhante, mas colocado em um nível inferior de altura. Esses tronos serão enviados para a Sala do Trono do Palácio de Buckingham. O da coroação voltará para Windsor ao fim da cerimônia.

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