Brasil facilita refúgio para pessoas LGBTQIA+, mas acolhida ainda é desafio

Solicitantes de países que criminalizam homossexualidade, por exemplo, têm processo acelerado por regras brasileiras

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São Paulo

O Brasil facilitou em maio os procedimentos de reconhecimento do status de refugiado para pessoas LGBTQIA+ que sofrem perseguição em seus países de origem, mas esse grupo ainda enfrenta muitos obstáculos para permanecer em território brasileiro.

O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão do Ministério da Justiça responsável por analisar solicitações de refúgio, anunciou no mês passado regras especiais para solicitantes provenientes de países que aplicam pena de morte ou de prisão a pessoas LGBTQIA+.

Segundo o Conare, ao menos 71 países criminalizam relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo –destes, dez aplicam pena capital. "As autoridades brasileiras entendem que pessoas LGBTQIA+ de países que criminalizam a homossexualidade fazem parte de um grupo social perseguido, nos termos da Lei de Refúgio brasileira", diz à Folha Amarilis Tavares, coordenadora de elegibilidade da coordenação-geral do Conare. "Isso coloca o Brasil na vanguarda dos direitos de refugiados LGBT+."

Moçambicana Lara Lopes é lésbica e saiu de seu país por sofrer perseguição devido à sua orientação sexual
Moçambicana Lara Lopes é lésbica e saiu de seu país por sofrer perseguição devido à sua orientação sexual - Mathilde Missioneiro - 30.mar.23/Folhapress

Nas últimas décadas, o Brasil já vinha reconhecendo a condição de refugiado de pessoas LGBTQIA+ que fugiram de seus países após sofrerem perseguição devido a sua orientação sexual ou identidade de gênero —o primeiro caso do tipo de que se tem registro é de 2002.

De 2010 a 2018, foram mapeadas 369 solicitações de refúgio com base nesses critérios, das quais 130 haviam sido aprovadas, segundo dados compilados pelo Acnur, agência da ONU para refugiados. A maior parte dos solicitantes vinha de países da África. Segundo Tavares, o Ministério da Justiça está trabalhando para atualizar esses dados.

Pelas novas regras, o Conare levará em conta três fatores na análise das solicitações: país de origem do indivíduo, autodeclaração como LGBTQIA+ e relato crível de perseguição. Quando os três critérios são atendidos, o Conare faz um reconhecimento acelerado do status de refugiado —os solicitantes são dispensados de entrevista, de modo a evitar a sua revitimização.

Mesmo com o procedimento facilitado, porém, refugiados LGBTQIA+ ainda enfrentam muitos obstáculos. "Faltam políticas públicas voltadas para esse segmento da população imigrante. As iniciativas de acolhida têm sido conduzidas em grande parte por organizações da sociedade civil", diz o antropólogo brasileiro Vítor Lopes Andrade, doutorando na Universidade de Sussex, no Reino Unido, e autor do livro "Refúgio por Motivo de Orientação Sexual: um Estudo Antropológico na Cidade de São Paulo" (ed. UFSC, 202 págs.).

A moçambicana Lara Lopes, 39, uma mulher lésbica, emigrou ao Brasil em 2013 após ser agredida e presa em seu país de origem –Moçambique só descriminalizou a homossexualidade em 2015. Ela conta que mesmo as ONGs que fazem o acolhimento de refugiados no Brasil não estavam preparadas para receber pessoas LGBTQIA+. "Tive que arrumar sozinha a minha vida por aqui."

Outro desafio, segundo ela, é a LGBTfobia entre os próprios imigrantes. "Evito conviver com a comunidade moçambicana no Brasil, porque a minha presença ali é vista como uma afronta", afirma.

Ela diz acreditar que as novas regras do Conare para esses refugiados refletem uma atitude mais aberta do Brasil em relação às minorias, apesar dos altos índices de violência contra essa comunidade.

Apenas em 2022, ao menos 273 mortes violentas de pessoas LGBT+ foram registradas no país, segundo o Observatório de Mortes Violentas contra LGBTQIA+. "Embora eu sinta falta de Moçambique, não me vejo voltando para lá", conta Lopes. "Mas luto para que pessoas como eu possam viver em dignidade no país."

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