Brasil vira alvo de sanções da Guiné Equatorial após PF mirar filho de ditador

País africano confisca bens de três empresas brasileiras, e número 2 do regime fala em 'lição para Brasília'

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São Paulo e Brasília

Em retaliação ao Brasil, a ditadura da Guiné Equatorial decretou o congelamento dos bens e das contas bancárias de três empreiteiras brasileiras que atuam no país africano. A medida destoa de outras fases do relacionamento entre os países que, em especial nos governos Lula 1 e 2, foram próximos.

A reação da Justiça de Malabo, subjugada a Teodoro Obiang Nguema Mbasogo —o ditador mais duradouro do mundo—, contra as empresas ARG, Zagope e OAS vem em resposta à operação da Polícia Federal que mira um dos filhos de Obiang, conhecido como Teodorín.

Teodorín Obiang Nguema no baile de carnaval do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro
Teodorín Obiang Nguema no baile de carnaval do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro - Marlene Bergamo - 15.fev.15/Folhapress

À Folha o Itamaraty disse que o governo acompanha com preocupação as decisões da Justiça guineense e que elas ignoram que os bens confiscados são alheios ao Estado —são, afinal, privados.

No Brasil, a operação apelidada de #LuxuryLiving (vida de luxo), em referência a uma hashtag comumente usada por Teodorín, mirava suposta lavagem de dinheiro na compra de um apartamento em área nobre da capital paulista, em 2007, por R$ 15,6 milhões à época —Guiné Equatorial alega que o imóvel era de uso diplomático.

O apartamento na rua Haddock Lobo está sob ordem de bloqueio, assim como automóveis de luxo de Teodorín que ficavam no local. A investigação ainda está em andamento e depende do desenrolar de meandros da cooperação internacional.

A investigação também olhava para outros bens, possivelmente de origem ilícita, apreendidos com o filho do ditador em 2018 no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, quando ele ocultou bens da alfândega.

Ao todo, na apreensão de 2018, foram encontrados com ele US$ 1,4 milhão em espécie e 20 relógios de luxo, avaliados em US$ 15,4 milhões. A operação foi batizada à época de Salvo Conduto.

Na decisão da Justiça do país africano compartilhada pelo próprio Teodorín nas redes sociais, um juiz de primeira instância alega que é preciso ressarcir danos e prejuízos causados pelo Brasil à Guiné Equatorial. O governo estima o prejuízo em torno de 80 bilhões de francos CFA (R$ 640 milhões).

Teodorín, considerado número 2 do regime, subiu o tom. "A única coisa que o governo e a Justiça do Brasil conseguiram foi se prejudicar", escreveu ele. "Esperamos que a decisão seja uma lição para que, no futuro, saibam medir a consequência de seus atos." Em outro post no Twitter, disse "ser uma pena ter chegado ao extremo com o Brasil, apesar das boas relações que vínhamos mantendo". "Um tema que poderia ter sido resolvido facilmente provocou reações drásticas que sacudiram a economia de empresas do Brasil."

Ele afirmou ainda que o que chama de represália permitiu que fossem recuperados "cinco vezes mais o valor dos objetos [apreendidos]".

A Polícia Federal deflagrou em dezembro uma operação transnacional para investigar possível crime de lavagem de dinheiro cometido por Teodorín. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos por meio de cooperação da PF na França, em Portugal e na Suíça.

A reportagem procurou as três empresas punidas pela Justiça em Malabo, por meio dos contatos disponibilizados em seus sites oficiais, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.

Representantes de Brasil e Guiné Equatorial devem se encontrar na próxima cúpula da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), grupo que os dois países integram —ainda que na nação africana o idioma predominante seja o espanhol. O encontro ocorre em São Tomé e Príncipe, em agosto deste ano.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já confirmou participação. O petista é visto por alguns líderes do bloco como peça-chave para fazer deslanchar a aliança lusófona, ainda que entre o corpo técnico das missões diplomáticas haja ceticismo quanto a isso. Em 2010, no final de seu segundo mandato, ele foi à Guiné Equatorial, sob críticas.

O Brasil foi um dos fiadores da entrada do país na CPLP. À época da visita, o então chanceler Celso Amorim, hoje assessor especial da Presidência para política externa, disse que negócios eram negócios.

"Estamos num continente em que os países ficaram independentes há pouco tempo", disse na ocasião. "O isolamento só faz com que dependam mais de outros e talvez fiquem até mais longe do que desejamos."

As firmas alvos de sanções são do ramo de construção, área em que a presença do setor privado brasileiro cresceu na Guiné Equatorial no início deste século, mas refluiu com o passar dos anos e os escândalos de corrupção local. Todas também têm negócios em outros países da África.

A ARG esteve no centro de uma ação penal contra Lula que tramitou em São Paulo e foi encerrada em agosto de 2021. No processo, o petista era acusado de lavagem de dinheiro por meio de doações feitas ao Instituto Lula pela empreiteira.

Teodorín, protagonista do imbróglio, já sofreu sanções e condenações no Reino Unido, nos EUA e na França sob a acusação de que pagou carros, imóveis e roupas com dinheiro oriundo de corrupção em seu país, no qual o petróleo domina a economia. O filho de Obiang parece ter utilizado tática semelhante à que agora usa com o Brasil para pressionar outros países. Ele ameaçou, por exemplo, fechar a embaixada da França pouco antes de ser condenado por lavagem de dinheiro em 2021 e ter bens confiscados.

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