Com papa, Lula na Itália tenta consolidar afinidades com parceiros históricos

Visita a Roma e ao Vaticano incluiu bilateral com Meloni, em aceno visto como pragmático à líder de ultradireita

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Roma

Foi uma agenda intensa, sob o calor e o trânsito de Roma. Em sua passagem pela capital da Itália, nesta quarta-feira (21), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou afinidades políticas com líderes da centro-esquerda, tentou estabelecer pontes com a primeira-ministra Giorgia Meloni, da ultradireita, reencontrou o papa Francisco e almoçou com o chefe de Estado italiano, Sergio Mattarella.

Entre os temas tratados, estão, por óbvio, a situação geopolítica que envolve a Guerra da Ucrânia e a tentativa de promover uma espiral de conversas pela paz. Houve ainda discussões relativas à agenda climática e à Amazônia —na esteira da diplomacia ambiental na qual Lula tenta recolocar o Brasil como protagonista—, e pautas econômicas, como o acordo entre União Europeia e Mercosul.

A primeira-dama Janja e o presidente Lula se encontram com o presidente italiano, Sergio Mattarella, e sua filha, Laura Mattarella - Presidência da Itália/via Reuters

Lula e a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, chegaram ao Vaticano por volta das 14h20 no horário local (9h20 em Brasília), posaram para fotos e tiveram uma audiência privada com o papa Francisco. O principal tema da conversa de 45 minutos girou em torno do conflito no Leste Europeu.

Em nota, a Santa Sé disse que houve uma "troca positiva de pontos de vista sobre a situação sociopolítica" e que foram abordados temas de interesse comum, como a luta contra a pobreza, o respeito aos povos indígenas e a proteção ao meio ambiente.

Na tradicional troca de presentes, Janja ofereceu ao papa uma gravura de autoria de J. Borges —xilógrafo pernambucano que é considerado um dos maiores artistas do gênero. Francisco recebeu também uma imagem da Nossa Senhora de Nazaré —Lula convidou o papa a visitar a procissão católica do Círio de Nazaré, que ocorre em outubro em Belém, no Pará.

"A minha viagem foi, do meu ponto de vista, para recolocar o Brasil no centro das discussões sobre a questão climática no mundo. O Brasil tem uma matriz energética possivelmente a mais limpa do mundo, tem um compromisso de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030, e eu discuti esses assuntos com o presidente, a primeira-ministra e o prefeito Gualtieri", afirmou Lula ao fim do último compromisso do dia, com o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri, do Partido Democrático, de centro-esquerda.

Próximo historicamente de líderes da sigla, Lula encontrou pela manhã outros expoentes do partido, o ex-premiê italiano Massimo D'Alema (1998-2000) e a secretária-geral do Partido Democrático (PD), Elly Schlein, principal nome de oposição ao governo de Giorgia Meloni.

Com D'Alema, a conversa, de forma privada, teria girado em torno de temas como democracia e busca pela paz. Em seguida, recebeu, por cerca de uma hora, uma delegação do PD, com Schlein e Fabio Porta, deputado italiano eleito pela comunidade que vive no Brasil.

Depois de encerrado, Porta disse à Folha que esse foi o primeiro encontro entre Lula e Schlein, no qual foram abordados assuntos de política externa e das relações entre Itália e Brasil.

"Sobre a Guerra da Ucrânia, compartilhamos da posição de Lula, seja na condenação à agressão da Rússia, seja no esforço de paz que deve ser intensificado em todos os níveis, incluindo o Vaticano."

"Falamos sobre o reforço do multipolarismo, como disse o presidente, de um mundo em que existam mais sujeitos. Algo que, do nosso ponto de vista, pode reforçar a União Europeia e o diálogo com o Mercosul."

O deputado foi um dos políticos italianos que criticou, em janeiro, a decisão de Meloni de não enviar representante oficial para a posse de Lula. Nos anos em que esteve na oposição, ela fez diversas críticas públicas a Lula, especialmente sobre a decisão de conceder refúgio político ao terrorista Cesare Battisti.

Os dois se encontraram nesta tarde, no Palácio Chigi, sede do governo italiano. "Vejo positivamente o encontro entre Lula e Meloni, parece-me um reconhecimento da parte do governo italiano da importância do Brasil, seja pela presença da comunidade italiana, a maior do mundo, seja por interesses estratégicos do nosso país", avalia Porta. "Não ter enviado um representante do governo para a posse foi um erro e quero esperar que o encontro de hoje com Meloni seja uma espécie de reparação de um caso que, espero, tenha sido um caso isolado."

Por isso e pelo fato de ter sido incluído na agenda na última hora —a justificativa oficial para o atraso foi a imcompatibilidade de agendas—, o encontro entre Lula e Meloni, no Palácio Chigi, sede do governo italiano, foi cercado de atenção. Meloni procurou parecer sorridente ao cumprimentar publicamente o brasileiro, antes de falarem a portas fechadas. O fato de a bilateral ter ocorrido atenua, ao menos em parte, temores de que a viagem de Lula tivesse uma pauta mais ideológica que pragmática.

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, recebe o presidente brasileiro, Lula, no Palácio Chigi, em Roma - Andreas Solado - 21.jun.23/AFP

De acordo com o Palácio do Planalto, o brasileiro e a italiana discutiram temas como economia e preservação ambiental, bem como seus respectivos protagonismos em fóruns internacionais —o Brasil vai assumir a presidência rotativa do G20, e a Itália, a do G7. Ainda segundo o Planalto, Lula convidou Meloni a visitar Brasília.

Parte dos encontros de Lula nesta quarta aconteceu no hotel onde ele ficou hospedado, próximo ao Vaticano. Parte da rede Meliá, o Villa Agrippina tem diárias entre US$ 1.238,92 (cerca de R$ 5.900) e US$ 5.386,85 (R$ 25,6 mil) para uma pessoa, segundo cotação feita pelo site para hospedagem nesta semana.

Em 2021, quando participou de reunião do G20 em Roma, Jair Bolsonaro ficou hospedado no Palácio Pamphilj, sede da embaixada do Brasil, na piazza Navona. Em 2014, Dilma Rousseff também ficou instalada no palácio, depois de sua comitiva ter ocupado 51 quartos de hotel ao custo de quase € 126 mil em outra viagem, em 2013.

Por volta das 12h no horário local, Lula foi recebido, com honras de chefe de Estado, no Palácio do Quirinal pelo presidente da República, Sergio Mattarella. Os dois se reuniram acompanhados pela delegação brasileira, da qual fazem parte o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) e o assessor especial para política externa, Celso Amorim. Em seguida, foi oferecido um almoço, do qual Janja e a filha de Mattarella, que é viúvo, também participaram.

Nesta quinta (22), após conceder entrevista a jornalistas, Lula viaja para Paris, onde se encontrará com o francês Emmanuel Macron e participará da cúpula para um novo pacto financeiro global.

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